DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Historiador avalia que, com eventual vitória de Dilma, grupos do PT vão lutar para criar um Estado autoritário, mas vê sociedade em condições de conter ataque à democracia
Gabriel Manzano
Eleição é sempre uma boa coisa, mas o historiador Boris Fausto, veterano estudioso da política brasileira, acha que a de hoje chega marcada pelo desencanto. Com um eleitorado em sua maioria despolitizado, que nada espera dos políticos. Debates que não esclarecem nem ajudam o cidadão a fazer escolhas. Propagandas que provocam enfado. E além de tudo, o historiador e cientista político da USP vê na candidata Dilma Rousseff (PT), grande favorita a vencer neste primeiro turno, "um nome que não se afirma sozinho", pois "saiu do bolso do colete do presidente da República".
Se ela vencer, diz o professor, os precedentes mostram que "o País corre, sim, o risco de cair no autoritarismo". Mas a sociedade "chegou a um ponto de alta complexidade e tem condições de enfrentar e conter esses avanços". E a oposição? "Tem de avaliar os erros e recomeçar a assentar tijolos."
Como o sr. vê o País, às vésperas da sexta eleição presidencial seguida?
Uma eleição a mais é sempre algo positivo, mas dá pra perceber, por todo lado, uma certa frieza. Mesmo um partido como o PT não entusiasmou a militância como em outros tempos. Acho que o que há é um desencanto mesmo.
A que se deve isso?
A várias razões. Uma campanha carregada de promessas que despertam um certo enfado, já que a política não é vista como instrumento real de solução dos problemas. As propagandas no rádio e na TV viraram um enlatado, uma chave que qualquer um usa para dizer qualquer coisa. E, além disso, uma candidatura predominante, a da Dilma Rousseff, que saiu do bolso do colete do presidente Lula e que não se afirma sozinha. Do outro lado um adversário, o José Serra, que teve muitos problemas. Grande parte de seus votos é de gente que se habituou a votar na social-democracia ou que é contra o PT. A Marina até trouxe uma certa novidade, mas a estrutura de seu partido é frágil e sua proposta é para o longo prazo.
Percebe-se uma forte despolitização. Isso não foi construído?
A despolitização é o dado predominante. Uma grande parte das pessoas não vive a vida de cidadão, apenas a de eleitor, que a cada quatro anos vai à seção eleitoral e vota. A forma de se debater não permite aprofundar os temas - educação, saneamento, segurança, as desigualdades. O candidato aparece, anuncia a criação de um órgão que vai coordenar e resolver tudo... e pronto. O debate fundamental, que não se vê, é o das instituições. Que instituições estamos criando? Estamos desmontando as que temos? Pois o Lula torna tudo um ato entre pessoas, eu e você, ele é o pai, a Dilma vai ser a mãe. Nunca um convívio entre governo e cidadãos.
Os adversários de Dilma dizem que ela, se vitoriosa, dará espaço a fórmulas autoritárias. Se puder contar com maioria na Câmara e no Senado, poderá também alterar a Constituição, introduzindo formas de democracia direta. O sr. partilha dessa visão?
Acho, sim, que existe uma tendência autoritária em marcha. O que é grave, porque idêntico processo está em marcha no Equador, na Bolívia, na Venezuela. Não é segredo que o PT tem dentro dele um setor ponderável que pratica uma "dialética" amigo-inimigo. Quando falam em "controle social" dos jornais, o que não dizem é: "o controle social somos nós".
No que isso vai dar?
Apesar dessas investidas, acho que a sociedade brasileira já chegou a um ponto de alta complexidade, tem uma opinião pública amadurecida, que saberá conter esses avanços.
Que papel pode ter o PMDB nesse processo?
O PMDB vai é brigar por cargos. A Dilma, se eleita, precisará ter muita habilidade para se compor. Lembro que o Lula, há oito anos, tinha um cacife enorme para montar suas alianças. A Dilma não tem, ela carece de legitimidade para grandes avanços. E, se ela vencer no primeiro turno, já estou ouvindo petistas perguntando: "Como carece de legitimidade?" Não falo de legitimidade legal, mas de legitimidade política. Porque ela não tem luz própria, não tem carreira na política. E, a julgar pelo caso Erenice Guerra, chegaria ao Planalto com a marca de quem não sabe escolher auxiliares.
Há diferentes visões do Estado em jogo. A linha Dilma é por um Estado forte na economia e na política. Serra não rejeita um Estado forte, mas ele dá ênfase aos controles e ao papel regulador, com espaço para o empresariado e para a sociedade.
Acho que Dilma, se eleita, vai acentuar esse seu modelo. Ele inclui coisas que já se desenham no momento, como as alianças com grandes corporações públicas e privadas, para tocar grandes projetos. E tudo vem misturado com uma alteração no modelo inicial do governo Lula, que simplesmente continuava o modelo de FHC. Nessa inflexão, o poder federal derivou para aumento de gastos públicos e para relaxar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Getúlio Vargas impôs um Estado forte, no passado. Haveria uma retomada desse modelo? Qual seria hoje o tamanho adequado do Estado brasileiro?
Recorro à máxima latina, "in medio virtus", a virtude está no meio. O Estado não é só imprescindível: em alguns setores ele é insubstituível. Como fazer política energética, ou cuidar da segurança sem ele? Também não sou contra o papel indutor do Estado na economia, por exemplo no pré-sal. O problema é quererem cuidar de tudo, não deixar espaço para a sociedade atuar e decidir, misturar governo e partido, invadir direitos dos cidadãos, ignorar a Constituição.
Se derrotada, o que pode fazer a oposição?
Seja qual for o resultado hoje, ela tem de avaliar os seus erros. Eles começaram lá atrás, quando o papel do Fernando Henrique foi aviltado e eles deixaram. Também não reagiram aos ataques à privatização. Perderam o discurso e a grandeza.
Que estratégia deviam seguir?
As oposições estão no ponto de assentar tijolo, parar para pensar. Elas podem até sofrer derrotas eleitorais, mas precisam preservar o seu papel, o seu espaço. Podem aprender com o PT, que viveu isso. Seria importante que a oposição caísse de pé, mas acho que não é o que está acontecendo. O mesmo acontece na Argentina, onde o casal Kirchner consegue se manter no poder porque as oposições estão fragmentadas, em pedacinhos.
Historiador avalia que, com eventual vitória de Dilma, grupos do PT vão lutar para criar um Estado autoritário, mas vê sociedade em condições de conter ataque à democracia
Gabriel Manzano
Eleição é sempre uma boa coisa, mas o historiador Boris Fausto, veterano estudioso da política brasileira, acha que a de hoje chega marcada pelo desencanto. Com um eleitorado em sua maioria despolitizado, que nada espera dos políticos. Debates que não esclarecem nem ajudam o cidadão a fazer escolhas. Propagandas que provocam enfado. E além de tudo, o historiador e cientista político da USP vê na candidata Dilma Rousseff (PT), grande favorita a vencer neste primeiro turno, "um nome que não se afirma sozinho", pois "saiu do bolso do colete do presidente da República".
Se ela vencer, diz o professor, os precedentes mostram que "o País corre, sim, o risco de cair no autoritarismo". Mas a sociedade "chegou a um ponto de alta complexidade e tem condições de enfrentar e conter esses avanços". E a oposição? "Tem de avaliar os erros e recomeçar a assentar tijolos."
Como o sr. vê o País, às vésperas da sexta eleição presidencial seguida?
Uma eleição a mais é sempre algo positivo, mas dá pra perceber, por todo lado, uma certa frieza. Mesmo um partido como o PT não entusiasmou a militância como em outros tempos. Acho que o que há é um desencanto mesmo.
A que se deve isso?
A várias razões. Uma campanha carregada de promessas que despertam um certo enfado, já que a política não é vista como instrumento real de solução dos problemas. As propagandas no rádio e na TV viraram um enlatado, uma chave que qualquer um usa para dizer qualquer coisa. E, além disso, uma candidatura predominante, a da Dilma Rousseff, que saiu do bolso do colete do presidente Lula e que não se afirma sozinha. Do outro lado um adversário, o José Serra, que teve muitos problemas. Grande parte de seus votos é de gente que se habituou a votar na social-democracia ou que é contra o PT. A Marina até trouxe uma certa novidade, mas a estrutura de seu partido é frágil e sua proposta é para o longo prazo.
Percebe-se uma forte despolitização. Isso não foi construído?
A despolitização é o dado predominante. Uma grande parte das pessoas não vive a vida de cidadão, apenas a de eleitor, que a cada quatro anos vai à seção eleitoral e vota. A forma de se debater não permite aprofundar os temas - educação, saneamento, segurança, as desigualdades. O candidato aparece, anuncia a criação de um órgão que vai coordenar e resolver tudo... e pronto. O debate fundamental, que não se vê, é o das instituições. Que instituições estamos criando? Estamos desmontando as que temos? Pois o Lula torna tudo um ato entre pessoas, eu e você, ele é o pai, a Dilma vai ser a mãe. Nunca um convívio entre governo e cidadãos.
Os adversários de Dilma dizem que ela, se vitoriosa, dará espaço a fórmulas autoritárias. Se puder contar com maioria na Câmara e no Senado, poderá também alterar a Constituição, introduzindo formas de democracia direta. O sr. partilha dessa visão?
Acho, sim, que existe uma tendência autoritária em marcha. O que é grave, porque idêntico processo está em marcha no Equador, na Bolívia, na Venezuela. Não é segredo que o PT tem dentro dele um setor ponderável que pratica uma "dialética" amigo-inimigo. Quando falam em "controle social" dos jornais, o que não dizem é: "o controle social somos nós".
No que isso vai dar?
Apesar dessas investidas, acho que a sociedade brasileira já chegou a um ponto de alta complexidade, tem uma opinião pública amadurecida, que saberá conter esses avanços.
Que papel pode ter o PMDB nesse processo?
O PMDB vai é brigar por cargos. A Dilma, se eleita, precisará ter muita habilidade para se compor. Lembro que o Lula, há oito anos, tinha um cacife enorme para montar suas alianças. A Dilma não tem, ela carece de legitimidade para grandes avanços. E, se ela vencer no primeiro turno, já estou ouvindo petistas perguntando: "Como carece de legitimidade?" Não falo de legitimidade legal, mas de legitimidade política. Porque ela não tem luz própria, não tem carreira na política. E, a julgar pelo caso Erenice Guerra, chegaria ao Planalto com a marca de quem não sabe escolher auxiliares.
Há diferentes visões do Estado em jogo. A linha Dilma é por um Estado forte na economia e na política. Serra não rejeita um Estado forte, mas ele dá ênfase aos controles e ao papel regulador, com espaço para o empresariado e para a sociedade.
Acho que Dilma, se eleita, vai acentuar esse seu modelo. Ele inclui coisas que já se desenham no momento, como as alianças com grandes corporações públicas e privadas, para tocar grandes projetos. E tudo vem misturado com uma alteração no modelo inicial do governo Lula, que simplesmente continuava o modelo de FHC. Nessa inflexão, o poder federal derivou para aumento de gastos públicos e para relaxar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Getúlio Vargas impôs um Estado forte, no passado. Haveria uma retomada desse modelo? Qual seria hoje o tamanho adequado do Estado brasileiro?
Recorro à máxima latina, "in medio virtus", a virtude está no meio. O Estado não é só imprescindível: em alguns setores ele é insubstituível. Como fazer política energética, ou cuidar da segurança sem ele? Também não sou contra o papel indutor do Estado na economia, por exemplo no pré-sal. O problema é quererem cuidar de tudo, não deixar espaço para a sociedade atuar e decidir, misturar governo e partido, invadir direitos dos cidadãos, ignorar a Constituição.
Se derrotada, o que pode fazer a oposição?
Seja qual for o resultado hoje, ela tem de avaliar os seus erros. Eles começaram lá atrás, quando o papel do Fernando Henrique foi aviltado e eles deixaram. Também não reagiram aos ataques à privatização. Perderam o discurso e a grandeza.
Que estratégia deviam seguir?
As oposições estão no ponto de assentar tijolo, parar para pensar. Elas podem até sofrer derrotas eleitorais, mas precisam preservar o seu papel, o seu espaço. Podem aprender com o PT, que viveu isso. Seria importante que a oposição caísse de pé, mas acho que não é o que está acontecendo. O mesmo acontece na Argentina, onde o casal Kirchner consegue se manter no poder porque as oposições estão fragmentadas, em pedacinhos.
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