Terminada a brevíssima quarentena, Luiz Inácio da Silva esquece o que disse a respeito da reserva conveniente à conduta de ex-presidentes da República e começa a se preparar para literalmente dividir a cena com Dilma Rousseff.
Não como se imaginou a princípio, interferindo em decisões de governo, mas fazendo política: na organização das tropas para a eleição municipal e na discussão da reforma política do lado de fora do Congresso para tentar ganhar o debate na opinião pública sob a perspectiva que mais interessa ao PT.
Dessa forma, libera a presidente de tarefas árduas, necessárias, mas que estão fora da esfera do gosto e competência dela.
Se acrescentarmos a isso o papel que Dilma vem jogando na conquista do público resistente a Lula, temos uma estratégia muito bem montada de construção de um PT hegemônico para reinar sobre uma constelação de legendas satélites.
A presidente trabalha o governo e o ex-presidente atua na sociedade. Conjugação de esforços que, salvo imprevistos de percurso, tem tudo para ser bem sucedida em seu objetivo: a preservação do poder.
Lula falou recentemente em 20 anos, mas pareceu usar o número só como referência aos planos de "20 anos de poder" anunciados pelos tucanos quando era Fernando Henrique Cardoso o presidente.
O PT pretende, e se prepara para isso, ficar o máximo possível: somar oito anos de Dilma aos oito de Lula - que, diferentemente de boa parte dos petistas, já se manifestou contrário ao fim da reeleição e ao fim dos primeiros 16 ter acumulado força suficiente para se tornar imbatível.
Trata-se de um projeto. Pode ou não dar certo, até porque a política é uma escrava das circunstâncias. Planos são constantemente alterados por elas, mas a existência de um objetivo claro, acompanhado das providências necessárias para alcançá-lo, representa mais de meio caminho andado.
Serviço completo. O PT agora procura estender sua influência à seara do adversário: orgulha-se de ter "nomeado" o tucano Aécio Neves líder da oposição, faz de tudo para "nomear" José Serra candidato a prefeito de São Paulo, não perde oportunidade de "aconselhar" o PSDB em público e de apontar razões pelas quais os oposicionistas não têm sido eficientes na defesa de suas ideias.
Promessa é dívida. Na próxima terça-feira, a Rede Nossa São Paulo, que reúne mais de 600 organizações não governamentais, apresenta aos partidos e aos presidentes da Câmara e do Senado uma proposta de emenda constitucional que obriga todos os chefes de Poderes Executivos (federal, estaduais e municipais) a transformarem suas promessas de campanha em dívidas a serem cobradas pela sociedade.
Não se trata de patrocinar emenda de iniciativa popular, como a que resultou na Lei da Ficha Limpa, mas de convencer os partidos com representação no Congresso a encamparem a proposta que, na cidade de São Paulo, já vigora há dois anos.
De acordo com a emenda, 90 dias após a posse, o presidente da República, os governadores e os prefeitos (eleitos ou reeleitos) têm de apresentar aos respectivos Poderes Legislativos um programa de metas e prioridades da gestão, em relatório detalhado de todas as objetivos, diretrizes, ações, indicadores e intervenções administrativas pretendidas pelo governante.
O acompanhamento da sociedade seria feito por meio de uma prestação de contas divulgada de quatro em quatro meses durante os quatro anos de mandato. A emenda não fala em punições, mas o descumprimento poderia ensejar ações por crime de responsabilidade ou improbidade administrativa.
O coordenador da Rede Nossa São Paulo, Oded Grajew, acha que esse tipo de instrumentos de cobrança contribui para a melhoria da qualidade da representação: "Torna o voto mais responsável e as campanhas eleitorais mais referidas no debate de programas de governo".
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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