Próximos alvos do relator Joaquim Barbosa, os ex-dirigentes do Banco Rural começarão a ser julgados já com o entendimento, explicitado pelo ministro em seus primeiros votos, de que omitiram quem eram os verdadeiros beneficiários — no caso, políticos e seus assessores — de recursos sacados das contas da SMP&B de Marcos Valério, informa THIAGO HERDY. Documentos que constam do processo do mensalão mostram que o banco, mesmo tendo sido avisado por funcionárias de Valério sobre a identidade dos sacadores, comunicou ao Banco Central se tratar apenas de saque para pagamento de fornecedores
Rural na mira do Supremo
Relator já identificou saques suspeitos, o que agrava situação de ex-dirigentes do banco
Thiago Herdy
UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA
BRASÍLIA. Próximos alvos da análise do voto do ministro relator Joaquim Barbosa no julgamento do mensalão, ex-dirigentes do Banco Rural têm motivos para se preocupar. Em seus primeiros votos, Barbosa já reconheceu que os saques em dinheiro entre 2003 e 2004 feitos no banco foram realizados de forma a se omitir os verdadeiros beneficiários dos recursos. E isso é lavagem de dinheiro. Mantido o entendimento em relação ao tema, o relator compromete os então executivos do banco, cuja suspeita de gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro será apreciada assim que acabar a votação do item 3 da denúncia contra o deputado João Paulo Cunha (PT), o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, Marcos Valério e seus sócios.
Documentos que constam na ação penal 470 mostram que o Rural informou ao Banco Central as movimentações suspeitas comandadas pelo cliente Marcos Valério. Mas, mesmo avisados por Simone Vasconcelos e Geiza Dias (funcionárias da SMP&B) sobre quem eram os reais destinatários dos recursos, a instituição financeira informou aos órgãos de controle que se tratava de saque feito pela própria agência de publicidade, a título de pagamento de fornecedores.
A Carta Circular 3.098 do Banco Central, vigente à época, determinava que todos os saques acima de R$ 100 mil deveriam ser informados ao Sistema de Informações do BC. Os inferiores a R$ 100 mil também deveriam ser informados em caso de haver "indícios de ocultação ou dissimulação da movimentação". Na norma - criada justamente para prevenir os crimes de lavagem - o Banco Central determinava que fossem informados não apenas o "beneficiário do dinheiro" como também a pessoa que estivesse efetuando o depósito ou retirada.
Esse trecho da legislação é omitido da reprodução da Carta Circular feita pelo assessoria do Banco Rural no hotsite criado especialmente para defender os executivos da instituição. No laudo 1.666/2007, os peritos da Polícia Federal atestam que o Rural não informou devidamente as autoridades públicas. Para os peritos, como os "beneficiários dos valores não foram fornecedores ou a SMP&B, mas pessoas físicas por ela determinada", a forma de transferência teve como consequência a "ocultação do real beneficiário dos recursos".
O Rural alega que não via indícios de lavagem de dinheiro nos saques efetuados pelas empresas de Valério, em função das operações anteriores do cliente. Pela sua interpretação da legislação, o Rural entendia ser necessário informar apenas o CNPJ ou CPF do titular da conta sacada, e não da pessoa autorizada a fazer o saque. Para a assessoria do banco, apenas uma legislação de dezembro de 2004, posterior aos fatos citados, teria tornado obrigatória a disponibilização desse dado pelas instituições financeiras.
Os advogados do Rural - entre eles o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos - insistem na tese de que, apesar de os dirigentes terem autorizado seguidas renovações dos empréstimos que abasteceram os repasses aos parlamentares, eles não estavam diretamente ligados às operações. No entanto, o depoimento de Carlos Sanchez Godinho, ex-superintendente de compliance (garantia de respeito às normas vigentes) e responsável por garantir o cumprimento das normas legais e regulamentares do banco, compromete os réus do Rural. Godinho atribui a eles a orientação para que não fossem incluídos em relatórios semestrais de controle interno e compliance as operações suspeitas do Rural para o PT e a SMP&B, que totalizaram R$ 32 milhões.
Segundo o ex-funcionário, os empréstimos concedidos e não liquidados e o excesso de saques em espécies caracterizavam indícios de lavagem de dinheiro e deveriam constar dos relatórios. De acordo com Godinho, não o foram por pressão de seus chefes, cono Vinicius Samarane, seu superior hierárquico e réu no mensalão.
Outra circular do Banco Central, de número 2852, determinava que "operações cujo titular de conta apresente créditos ou débitos" que, "por sua habitualidade, valor e forma", configurassem "artifício que objetive burlar os mecanismos de identificação do que se trata" deveriam ser registradas como suspeitas, o que não ocorreu, segundo o funcionário.
Empréstimos incluídos no balanço
Há ainda outro ponto: mesmo sem receber pelos empréstimos ao PT e à SMP&B, o Rural fez as operações constarem em seu balanço patrimonial de 2004 como resultado de receitas de operação de crédito. Só em 2005, depois de intervenção do Banco Central, o Rural corrigiu o erro e refez o balanço, reconhecendo o não pagamento como perda na carteira.
Um ano antes, a relação do banco com o BC era das melhores, boa parte em função da atuação do então procurador da Fazenda Glênio Sabbad Guedes, que fazia parte do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, segunda instância de análise de punições impostas a instituições pelo BC e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Segundo processo que corre atualmente na Justiça Federal do Rio de Janeiro, Guedes apresentou parecer favorável ao Rural no Conselho dias antes de receber R$ 367 mil da Tolentino & Melo Assessoria, empresa de Marcos Valério e Rogério Tolentino, os dois réus no mensalão.
A Polícia Federal apurou a origem dos recursos pagos a Guedes: um depósito de R$ 654 mil feito pelo Banco Rural à empresa de Valério e Tolentino, a título de "consultoria". Esses fatos só não entraram na ação penal do mensalão porque o Ministério Público Federal não havia reunido todas as provas contra os envolvidos até a apresentação da denúncia do mensalão. O processo está em fase de oitiva de testemunhas.
Garantia sem validade jurídica
Por meio da assessoria, o Rural disse "repudiar qualquer ilação quanto à denúncia do MPF". Alega que o banco não recebeu benefícios e diz que o processo em questão no Conselho seria extinto devido ao falecimento de José Augusto Dumont, um dos indiciados.
Outro item que os ministros terão de analisar diz respeito à apresentação de um contrato da DNA propaganda com o BB como garantia para que uma empresa de Valério (a Graffiti) recebesse empréstimo de R$ 10 milhões do Rural. Como o Banco do Brasil não autorizou que isso ocorresse, a garantia não tinha validade jurídica, de acordo com a Procuradoria Geral da República. Para emprestar R$ 3 milhões ao PT, o Rural ignorou o caixa deficitário do partido (que chegava a R$ 20 milhões à época) e aceitou como avalistas o presidente do partido, José Genoino (com patrimônio de uma casa de R$ 120 mil), e o tesoureiro do partido, Delúbio Soares (com patrimônio de R$ 163 mil em conta e um Corolla financiado).
Por e-mail, a defesa do Rural insistiu na tese de que o contrato da empresa de Valério com o Banco do Brasil servia como garantia, mesmo sem a autorização do banco. Afirmou ainda que o empréstimo com o PT não apresentava riscos altos; o débito já teria sido pago.
FONTE: O GLOBO
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