• Para governo, presidente da Câmara pode virar 'fera ferida' após denúncias e adotar comportamento desesperado
Vera Rosa - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff avalia que o movimento pelo impeachment, definido por ela como um "golpe", pode ganhar fôlego a partir desta semana e pediu a auxiliares que redobrem as forças para reaglutinar a base aliada no Congresso. Em reunião realizada neste sábado, 10, com ministros, no Palácio da Alvorada, Dilma disse temer um "comportamento desesperado" do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acuado pela suspeita de manter contas secretas na Suíça com dinheiro desviado da Petrobrás.
"Não há uma acusação frontal contra a presidente, mas Cunha pode se tornar uma fera ferida e aceitar um pedido de impeachment. O quadro é imprevisível", afirmou um ministro que participou da reunião.
Antes das novas denúncias contra Cunha, o governo argumentava que, sem conseguir recompor o bloco aliado no Congresso mesmo após a reforma ministerial, teria no máximo 70 dias para estancar a crise política. Embora a votação do parecer do Tribunal de Contas da União (TCU), que reprovou o balanço do governo, esteja prevista somente para o ano que vem, Dilma corre contra o tempo para soldar sua base de apoio, desarmar a oposição e barrar a abertura de um processo de impeachment.
Os ministros Jaques Wagner (Casa Civil), Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e José Eduardo Cardozo (Justiça) participaram da reunião com Dilma, que retornou da Colômbia na madrugada deste sábado. Na avaliação dos ministros, Cunha está fragilizado, mas, se não houver um freio de arrumação nesse período e um sinal claro de que a governabilidade foi retomada, 2015 estará perdido e, no ano eleitoral que se avizinha, a pressão popular pode ser decisiva para mobilizar o Congresso contra Dilma.
O diagnóstico é o de que, diante da gravidade do quadro, novas derrotas podem ser fatais para Dilma. O prazo de 70 dias é o calendário com o qual o governo sempre trabalhou para pacificar a Câmara e o Senado, com o objetivo de aprovar, até o fim de dezembro, o projeto de Orçamento de 2016, necessário para o ajuste fiscal, e a Desvinculação das Receitas da União (DRU). Sem o corte de gastos de R$ 26 bilhões e sem a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), um tributo muito difícil de passar com o clima de conflagração política, a presidente terá uma vida ainda mais dura pela frente.
Um dos ministros presentes ao encontro disse que o fato de Cunha estar sob fogo cruzado, vendo até mesmo o PSDB e demais partidos da oposição pedirem sua renúncia, pode favorecer Dilma, mas o Palácio do Planalto não aposta todas as fichas nesse cenário. A ordem é fazer acenos a Cunha, reforçar laços com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e investir na Comissão Mista de Orçamento, para onde seguirá o relatório do TCU.
Cunha já recebeu a visita do ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nas conversas, os dois pediram a ele que não estique a corda com Dilma e juraram que o Planalto não está por trás de seu calvário.
O governo sabe que precisa ter muita cautela com Cunha, embora ele tenha indicado que rejeitará, na terça-feira, o pedido de impeachment apresentado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr.
Diante da previsão de uma semana tensa, há quem defenda até um acordo para salvar o mandato de Cunha, que perde o foro privilegiado se for cassado, e pode ser preso. "Não dá para fazer nenhuma operação política na Câmara sem botar Cunha no jogo", disse o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS).
Em outra frente de batalha, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), José Antonio Dias Toffoli, também será procurado por emissários do Planalto. No dia 6, o TSE reabriu ação movida pelo PSDB, que pede a cassação dos mandatos de Dilma e do vice, Michel Temer, sob o argumento de que recursos da Petrobrás irrigaram a campanha da reeleição. Cabe a Toffoli, que foi advogado do PT, mas tem sido ignorado por Dilma, indicar o relator do caso.
A 15 dias de completar um ano de sua reeleição, Dilma avisou que vai "enfrentar publicamente o debate" sobre a reprovação das contas de 2014. A estratégia prevê a distribuição de uma cartilha aos parlamentares, com perguntas e respostas, alegando que as manobras contábeis foram feitas para manter programas sociais, como o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família, e não causaram prejuízos aos bancos públicos.
Aliada de Renan, a senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), presidente da Comissão Mista de Orçamento, disse que o regimento estabelece até 77 dias para a análise do parecer do TCU. De lá, o relatório segue para a apreciação de deputados e senadores. "É preciso muita responsabilidade. Não se pode pegar um parlamentar, seja de oposição, seja de situação, que diga 'eu quero tirar a Dilma' ou 'eu quero manter a Dilma'. A tônica não é essa", afirmou Rose.
Na outra ponta, o Planalto montou uma espécie de gabinete de crise para cuidar do "varejo" na Câmara. Derrotado duas vezes no primeiro teste de fidelidade dos aliados após a reforma ministerial, o governo foi avisado por Renan de que é preciso dar um jeito na base antes da nova tentativa de votação dos vetos presidenciais, em novembro.
Dilma entregou sete ministérios ao PMDB no dia 2, mas a frustração veio na semana seguinte, quando não conseguiu reunir número suficiente de deputados para manter os vetos à "pauta bomba", com projetos que põem em risco o ajuste, como o que prevê até 78% de aumento aos servidores do Judiciário. O fracasso na seara política foi atribuído ao bloco dos insatisfeitos - integrado por PP, PR, PRB e PTB - , que atuava com o líder da bancada do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), mas rachou por se sentir desprestigiado na reforma.
O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, negociou a distribuição de cargos e emendas aos parlamentares e evitou que o PSB do governador de Pernambuco, Paulo Câmara, se juntasse à oposição na ofensiva pró-impeachment. "Agora foi dado o toque de reunir", resumiu Jaques Wagner.
A fragilidade de Dilma e a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, têm deixado petistas desnorteados. Um dirigente do PT disse ao Estado que não será fácil salvar a presidente. "Dilma estava com a faca e o queijo na mão, mas cortou a mão e sujou o queijo de sangue", comparou ele.
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