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Tiro ao alvo no capitão
Onde já se viu um ministro de Estado manifestar-se contrário a uma decisão tomada pelo presidente da República? Foi o que fez o ministro Sérgio Moro, da Justiça, em relação à lei sancionada por Jair Bolsonaro que criou a figura do juiz das garantias, como se os demais juízes fosse incapazes ou estivessem desobrigados de garantir os direitos das partes envolvidas em um processo. Seria o caso de se indagar por que Moro assinou a lei.
Ministro de Estado pode aconselhar o presidente, e mais não pode. Pode também ir para casa. Divergir, não pode. Muito menos tornar pública sua divergência. E por que Moro o fez e continua a fazer? Para enfraquecer seu chefe? Para se demarcar dele? Para dar satisfação aos seus seguidores? “Apesar disso, vamos em frente”, Moro escreveu. Como quem faz uma concessão e mais uma vez se oferece ao sacrifício de permanecer ministro.
Mesmo depois que Bolsonaro admitiu seu desconforto com o que parte de sua base anda dizendo a seu respeito, Moro voltou ao ataque. Escreveu no Twitter: “Leio na lei de criação do juiz de garantias que, nas comarcas com um juiz apenas (40 por cento do total), será feito um ‘rodízio de magistrados’ para resolver a necessidade de outro juiz. Para mim é um mistério o que esse ‘rodízio’ significa. Tenho dúvidas se alguém sabe a resposta”.
Se é um mistério o que o rodízio significa, se duvida que alguém tenha resposta à pergunta que sugere, de volta à pergunta inicial: então por que assinou a lei juntamente com o presidente da República? Foi constrangido a assiná-la? Assinou-a e se arrependeu? Ou provoca Bolsonaro para que ele o demita? Ou quer mostrar que falta coragem a Bolsonaro para tal? Ou prepara sua saída do governo, o mais tardar no próximo ano?
O pacote de medidas anticrime despachado por Moro ao Congresso foi sua proposta mais ambiciosa concebida aqui. Foi também a maneira de justificar o passo audacioso que deu ao renunciar à toga que o transformara em herói para aderir ao governo do controverso capitão. Como juiz, argumentou Moro à época, ele tinha feito o que estava ao seu alcance. Como ministro da Justiça poderia fazer mais.
Estranho ao serpentário de Brasília, não supôs que ali seria tão mal recebido como foi pelos políticos, boa parte deles alvos de suas ações. Quase todos o culpam por demonizar a política. Cumpriu-se o que estava escrito nas estrelas do Planalto central e que Moro não soube ler: o pacote de sua autoria acabou desidratado. E se isso não bastasse, nele foi introduzido um dispositivo que soou como uma censura direta a Moro.
Um juiz com os poderes que Moro já teve, nunca mais! É mais ou menos isso o que significa a criação do juiz das garantias que passará a cuidar de todos os procedimentos de um processo. A outro caberá a sentença que condenará ou absolverá o réu. Aqui não se discute se mudança tão radical na lei processual será boa ou ruim para a Justiça do país. Foi ruim para Moro que pediu a Bolsonaro que a vetasse. Não foi atendido.
Com ou sem a revelação de suas conversas sigilosas com procuradores da Lava Jato enquanto era juiz, o pacote anticrime de Moro esbarraria na má vontade do Congresso como esbarrou e pelas razões já expostas. Mas a criação do juiz das garantias é consequência direta da forte impressão deixada por tais conversas de que Moro comportou-se à frente da Lava Jato como um aliado preferencial do Ministério Público.
Moro sabe, sim, como deverá funcionar um rodízio de juízes nas comarcas sem juízes. Ao dizer que não sabe, ao duvidar que alguém saiba, arrisca-se a ser chamado de irresponsável quando nada por ter assinado embaixo da lei que agora se ocupa em criticar.
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