domingo, 17 de março de 2024

Elio Gaspari - Lembrai-vos de Pasadena

O Globo

Encrencas têm prazo de maturação e duram anos. Hoje a Petrobras tem na mesa a encrenca da empresa de fertilizantes Unigel. Em 2019, durante o governo Bolsonaro, ela arrendou duas fábricas da Petrobras. Compraria gás e venderia fertilizantes. O mercado virou, a Unigel passou a operar no vermelho e fechou as fábricas. Voltou a operar com um novo contrato que, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), poderá custar à Petrobras R$ 487 milhões.

O contrato, assinado em dezembro de 2023, tem pescoço comprido, corpo malhado e cabeça pequena. Parece uma girafa. A estatal defende a virtude no negócio, mesmo sabendo-se de divergências internas e conhecendo-se a fabricação de uma ameaça de greve na Petrobras para forçar a aprovação do negócio.

Todos os governos louvam seus contratos e a Petrobras gosta de proclamar sua onisciência. Um pouco de humildade faria bem a todo mundo.

Em 2006 a Petrobras comprou uma refinaria em Pasadena, nos EUA, e o negócio parecia uma prova do vigor de seu cosmopolitismo. A compra foi aprovada pelo conselho de administração da empresa, presidido pela chefe do Gabinete Civil, Dilma Rousseff.

Seis anos depois veio a denúncia de que a transação havia custado caro (US$ 1,18 bilhão), tinha pescoço comprido e cabeça pequena. Afinal, sete anos antes a refinaria havia sido negociada por US$ 42,5 milhões. A essa altura, a doutora Dilma estava na presidência da República e em 2014 divulgou uma nota revelando que aprovou a compra da refinaria porque recebeu “informações incompletas” e um parecer “técnico e juridicamente falho”.

A gênese dessa nota é um dos mistérios das relações entre os caciques do petropetismo. No dia seguinte, as investigações do Ministério Público desembocaram na prisão de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras e a “Operação Lava-Jato” entrou na vida nacional.

A usina de malfeitorias que operava na Petrobras havia sido estancada com a nomeação de Philippe Reichstul em 1999. Ela voltou a funcionar em 2003. Se a compra da refinaria de Pasadena tivesse sido examinada com lupa a partir de 2006, talvez não tivesse acontecido a Lava-Jato. Preferiu-se varrer o caso para baixo do tapete, mesmo sabendo-se que lá escondiam-se muitas coisas.

Numa decisão escalafobética do Tribunal de Contas, todos os seis integrantes do conselho de administração que aprovou a compra da refinaria de Pasadena ficaram com seus bens bloqueados por cinco anos.

Esse desconforto deveria servir de advertência para todos os hierarcas que, sem qualificação técnica, engordam seus salários com boquinhas em conselhos .

Culpa do mordomo

Amanhã Lula reúne o Ministério. Entre os temas, parece estar o mau resultado saído das pesquisas.

Se tudo der errado vão dizer que o problema é de comunicação.

Essa é uma maneira de evitar o debate em torno das tolices que são comunicadas.

Madame Natasha

Madame Natasha gosta de ouvir o ministro de Minas e Energia porque ele é capaz de elogiar o governo ao dar bom dia. A senhora concedeu-lhe uma de suas bolsas de estudo porque, no meio da confusão da partilha dos lucros da Petrobras ele disse o seguinte:

“É uma questão muito dinâmica. (...) O governo do presidente Lula tem trabalhado com muito cuidado no respeito à governança da Petrobras.”

Valendo-se da retórica dinâmica dos palacianos, quis dizer que os dividendos retidos poderão vir a ser distribuídos, com um recuo do governo em relação à desastrada decisão de retê-los.

Um teste para Tarcísio

Diante da repercussão da morte de 43 cidadãos na Baixada Santista, o governador Tarcísio de Freitas desabafou: “Pode ir na ONU, no raio que o parta, não tô nem aí.”

Esse é seu jogo e está jogado. Ampara-se num preconceito segundo o qual “bandido bom é bandido morto.” Não há provas de que todos os 43 mortos fossem bandidos, mas eram todos pobres.

A qualquer momento o doutor pode entrar na pista para a sucessão presidencial de 2026. Como faltam quase dois anos, ele terá tempo para cuidar de outro caso de sua jurisdição.

O ex-tenente-coronel da PM paulista José Afonso Adriano Filho, encarcerado no presídio do Tremembé (SP), onde cumpre desde 2017 uma pena de 52 anos por peculato e fraude em licitações, disse o seguinte ao repórter Rogério Pagnan:

“Todas as unidades (gestoras executoras da PM) têm caixa 2. Todas (as 104) têm. Quem falar que não tem está mentindo.”

As denúncias do ex-tenente-coronel foram investigadas pela PM e arquivadas. Vá lá. Mas Adriano argumenta que a Corregedoria nunca rastreou o dinheiro das empresas vencedoras de licitações, nem as contas dos oficiais que denunciou. Ele informa que tem 194 documentos para provar o que diz e que entregou 14 aos investigadores em 2017, quando negociava uma delação premiada. Ela não foi aceita.

Tarcísio pode “não estar nem aí” para a ONU, mas pesa sobre a fala de Adriano uma urucubaca do presidente francês Georges Clemenceau (1841-1929) e vale repeti-la: “A Justiça Militar está para a Justiça assim como a música militar está para a música”.

Afinal, o bordão segundo o qual “bandido bom é bandido morto”, não prevê que morram só pobres.

A Greve e o Soldado

No seu resgate da História do Brasil através de canções, Franklin Martins trouxe à tona mais uma raridade. É o tanguinho “Greve e o Soldado”, criado durante a greve geral de 1917 em São Paulo. Ele nunca havia sido gravado e a partitura parecia perdida. José Ramos Tinhorão achou-a e passou-a ao Instituto Moreira Salles.

Nela, o soldado adverte:

“— Vá se embora, sua greve

Se não entra no pau já.”

E a greve responde:

“— Não tenho medo do pau

E tampouco da morte!”

Márcia Tauil, cantando como a greve, Tico Moraes, como o soldado, e Farlley Derze ao piano, gravaram-na e Martins colocou-a no seu site Quem Inventou o Brasil. Nele estão mais de mil canções que contam a História de Pindorama.

Entre junho e julho de 1917, 50 mil trabalhadores pararam em São Paulo. Era um tempo em que o senador Alfredo Ellis dizia que não se podia legislar sobre as horas de trabalho. Férias e repouso semanal eram sonhos.

O “pau” matou vários grevistas e 10 mil pessoas acompanharam o caixão de um deles. A cidade tinha 300 mil habitantes.

Ao fim da greve, saiu um aumento de 20%, os presos foram libertados e, em tese, acabaram-se o trabalho de mulheres à noite e o de crianças com menos de 14 anos.

Naqueles dias o czar Nicolau II já havia abdicado ao trono de todas as Rússias, Leon Trotsky tinha saído de Nova York e chegou a São Petersburgo, mas estava preso.

Lênin deixou a Suíça num trem alemão, incentivou um golpe, fracassou e vivia escondido. Meses depois, tentaria de novo.

O roceiro Emiliano Zapata legislava na Cidade do México.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Bandido bom é bandido morto,exceto se for branco e viver de rachadinha.