O Globo
Ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica
descortinam a construção de uma tentativa de golpe de Estado liderado pelo
ex-presidente Bolsonaro
As cenas são cinematográficas, mas descritas naquele mar de “que” do texto do inquérito policial. O brigadeiro Batista Jr. pilotava o avião voltando a Brasília em 16 de dezembro de 2022. Ao lado dele, o general Heleno, que deixara a festa da formatura do neto no Instituto Tecnológico da Aeronáutica para ir a uma convocação urgente de Bolsonaro. Ali Heleno ficara “atônito”. Numa conversa na sala reservada do ITA, o brigadeiro, o piloto daquele voo, dissera que a FAB não apoiaria o golpe. No dia 14 de dezembro de manhã, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira convocou os comandantes ao seu gabinete para analisar uma das versões da minuta do golpe. O brigadeiro Batista Jr. perguntou: “Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente da República?”. O ministro ficou em silêncio. Ele saiu da sala. A minuta ficou sobre a mesa do general. Numa das reuniões convocadas por Jair Bolsonaro para convencer os comandantes militares a apoiá-lo, o general Freire Gomes, do Exército, teria dito ao então presidente que se ele insistisse em atentar contra o regime democrático teria que prendê-lo. Freire Gomes em seu depoimento amenizou. Falou em “responsabilidade penal”.
Foram terríveis os meses de novembro e
dezembro de 2022 no relato dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica. O
então presidente, que há muito tempo tentava uma forma de anular o processo
eleitoral, passou a assediá-los depois das eleições. Queria o apoio deles para
um projeto concreto, redigido em algumas versões, mas com o mesmo objetivo: dar
um golpe militar para mantê-lo no poder. Assim as democracias morrem.
O conjunto dos depoimentos é robusto. Não são
apenas falas. Quando os dois militares são confrontados com os textos de
minutas eles reconhecem o que foi apresentado a eles pelo então presidente. O
comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, disse sim. Os outros negaram. E
se o Exército tivesse aceitado? Batista Jr. respondeu a essa pergunta.
“Indagado se confirma que o então comandante
do Exército, general Freire Gomes, não anuiu com a proposta de golpe de estado,
respondeu que sim; indagado se o posicionamento do general Freire Gomes foi
determinante para que uma minuta que viabilizasse um golpe de estado não fosse
adiante respondeu que sim; que caso o comandante tivesse anuído, possivelmente
a tentativa de golpe de estado teria se consumado”. E assim por um fio, um
triz, uma negativa, o Brasil não se curvou à vontade do candidato a ditador que
nos governou por quatro anos, e que durante todo o mandato conspirou contra a
democracia.
No dia 7 de dezembro, Bolsonaro recebeu o
general Freire Gomes na biblioteca do Palácio Alvorada. A convocação para a
reunião havia sido feita pelo ministro da Defesa, general Paulo Sérgio. Lá foi
apresentado a Freire Gomes uma das minutas do decreto de ruptura institucional,
através da decretação de Estado de Defesa, Estado de Sítio e Operação da
Garantia da Lei e da Ordem. Bolsonaro atirava para todos os lados, usava tudo o
que está na Constituição para momentos emergenciais. E não havia qualquer emergência.
Apenas o presidente eleito estava ocupado em montar seu governo.
Bolsonaro está definitivamente envolvido. É o
comandante em chefe da conspiração contra a ordem democrática brasileira. Ordem
que nunca prezou. Terá de terminar preso por isso. Mas ainda há muito a
explicar sobre outros participantes desse movimento de sedição contra a
democracia.
Houve, como se sabe, uma carta de oficiais da
ativa pressionando o general Freire Gomes a aderir ao golpe. Houve até reunião
para redigi-la. De tudo os investigadores já sabem. Num determinado trecho, os
escribas fardados registraram a frase “Covardia e injustiça são qualificações
mais abominadas por soldados de verdade”. Perguntado se o documento se referia
a ele, Freire Gomes respondeu que sim. Disse que soube do documento pelo
serviço de comunicação do Exército e determinou aos comandantes de área fazerem
uma apuração para identificar os autores e tomar as “providências cabíveis”.
Ele diz que “foi identificada a participação de alguns militares que foram
punidos na medida de suas participações no ato”. Mas quem são eles? E que
punições? Isso ele não disse nem lhe foi perguntado. Há dúvidas. E uma grande
certeza. Bolsonaro tentou, por todas as formas, por muito tempo, de forma
insistente e inegável dar um golpe de Estado.
Um comentário:
Jesus!
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