sexta-feira, 13 de junho de 2025

Afinal, o que quer o Congresso? - Vera Magalhães

O Globo

Enquanto cobram e ameaçam o governo, fiscalistas de redes sociais que habitam o Parlamento dão um jeito de aumentar os gastos públicos com projetos em causa própria

A semana marca um ponto de quase ruptura na relação entre o governo Lula e o Congresso, que já não era das melhores. O que começou, nas palavras do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na madrugada de domingo para segunda-feira, com uma “reunião histórica” termina com um ultimato. O que falta entender, além do motivo para a maionese ter desandado, é: o que querem Câmara e Senado em termos de corte de gastos?

É fácil encher a boca para dizer que o Executivo tem de fazer o dever de casa e demonstrar disposição em fazer cortes estruturais nos gastos primários, mas, a cada tentativa do governo, retrucar com um “aqui não”, como tem sido o comportamento de deputados e senadores nos últimos anos.

Mais que isso: sempre que podem, os fiscalistas de redes sociais que habitam o Parlamento dão um jeitinho de aumentar os gastos públicos, em vez de reduzi-los. O céu não tem sido o limite para aumentos de repasses para emendas, fundos eleitoral e partidário, salários e vencimentos dos próprios parlamentares, como propugna um projeto apresentado pelo próprio Hugo Motta acabando com a vedação ao acúmulo de aposentadorias para parlamentares com mais de 65 anos e vencimentos por mandatos em curso.

Portanto há que ver com bastante reserva o surto fiscalista que acometeu o Congresso nesta semana. Fosse ele real, não só propostas como essa nunca poderiam estar na mesa, como os próprios comandantes das duas Casas deveriam se reunir com o Executivo para, juntos, chegarem a uma medida robusta dos tais cortes estruturantes.

E isso exigiria que os mesmos deputados e senadores tivessem firmeza para bancar as medidas diante dos grupos de pressão que também adoram lançar manifestos pela responsabilidade fiscal, mas não aceitam discutir cortes que atinjam alguns de seus benefícios.

Como não parece ser a preocupação genuína com o equilíbrio das contas públicas que explica a deterioração em poucos dias da relação antes descrita como boa entre Haddad e Motta, as hipóteses parecem ser antes políticas que fiscais. E, para fazer frente a isso, o governo Lula parece cada vez mais desguarnecido.

O ministro da Fazenda tem refutado as acusações de que não combinou antes com os russos que enviaria outras medidas de aumento de tributos sobre aplicações para compensar o recuo no aumento do IOF. A interlocutores, Haddad diz que as linhas gerais da Medida Provisória do Imposto de Renda sobre alguns títulos foram tratadas na reunião de domingo e que a prova seria a entrevista concedida na madrugada ao lado de Motta e Davi Alcolumbre.

A virada de humor dos presidentes da Câmara e do Senado veio depois que o dia amanheceu, e ficou claro que as reações continuavam pesadas do lado do setor produtivo, com bets, setor financeiro e agronegócio puxando o coro dos indignados.

Ao marcar para segunda-feira a votação da urgência dos projetos de decreto legislativo que derrubam a versão amenizada do decreto do IOF, Motta manda um recado indubitável: o caminho para o entendimento entre os dois lados da Praça dos Três Poderes se estreitou dramaticamente, a um ano e meio do fim do governo.

Próceres do setor financeiro têm elevado o tom de voz para decretar que o mercado já “precificou” que Lula perderá a eleição. A rodada de pesquisas Datafolha e Ipec nesta quinta-feira circulou nas mesas da Faria Lima como um elemento a mais a corroborar essa aposta. Dadas as agruras da direita bolsonarista, parece cedo para esse wishful thinking.

Mas, ainda assim, esse clima de fim de festa é fatal para que o governo restabeleça os canais interditados com o Congresso. Será preciso a Haddad e à articulação política de Lula, que parece intimidada e inerte diante do incêndio, sair das cordas e apresentar algum plano de reação que permita ao país sair do impasse e avançar.

 

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