Folha de S. Paulo
Ligeireza com que oficiais discutiram uso
deturpado da Carta para impedir a posse de Lula mostra que é preciso mudar a
cultura militar
Militares do entorno de Jair Bolsonaro não hesitaram em discutir a utilização —deturpada e ilegal, registre-se— de dispositivos constitucionais como o estado de sítio para impedir a posse de um presidente eleito. Quem o diz são os próprios réus do julgamento da trama golpista, que admitiram em seus interrogatórios ter tido esse tipo de conversa.
Já discuti aqui o poder dos
"framings" (enquadramentos). Podemos chamar um grupo armado que lute
por uma causa de "terroristas" ou de "guerreiros da
liberdade" —e isso faz toda a diferença. Por que o golpe cogitado por
oficiais bolsonaristas não foi em frente? Uma explicação recorrente é que dois
dos três comandantes militares foram fiéis a suas obrigações constitucionais e
se opuseram à intentona. Não digo que essa interpretação está errada, mas há
outras.
Com um "framing" um pouco
diferente, podemos afirmar que a conspiração só foi tão longe porque os
comandantes falharam em coibi-la desde a origem. Da não punição do general da
ativa que participara de passeata bolsonarista à aceitação de acampamentos
pró-golpe em frente a quartéis, é longa a lista de complacências
injustificáveis em que a cúpula militar incorreu.
O segundo "framing" tem mais poder
explicativo. A situação descrita no primeiro parágrafo mostra que não estamos
só diante de um problema de baixo letramento jurídico do oficialato, mas de um
que tem origem na cultura golpista dos meios militares.
Como afastar o espectro de golpes futuros?
Condenar os participantes da trama que culminou no 8/1 é um passo necessário.
Receio, porém, que isso não baste. É preciso também mudar a cultura castrense,
tarefa mais difícil.
Duas medidas importantes seriam despolitizar
no limite da obsessão as Forças
Armadas e aprimorar os currículos das escolas de oficiais. Quem
escolhe a carreira militar não pode assumir cargos políticos. Cadetes têm de
aprender desde criancinhas que a autoridade máxima à qual todos os soldados
estão subordinados não é um indivíduo e sim a Constituição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário