Folha de S. Paulo
Condenação de comediante por piadas
preconceituosas e prisão de músico por apologia do crime mostram nossa
involução na liberdade de expressão
A Justiça condenou
o comediante Leo Lins a oito anos de reclusão por causa de suas piadas
preconceituosas.
Da mesma forma que a sociedade não deve meter o bedelho no que adultos fazem consensualmente entre quatro paredes em matéria de sexo, ela deveria se abster de interferir no conteúdo das piadas que um humorista conta ao público que deseja ouvi-lo.
Se cabe alguma ação do poder estatal aqui é
cuidar para que haja alertas sobre a natureza potencialmente ofensiva do
espetáculo, a fim de que ninguém o acesse inadvertidamente.
De modo análogo, parece-me complicada a prisão do cantor MC
Poze do Rodo por apologia do crime ou de criminoso. Inúmeras condutas
hoje perfeitamente aceitáveis já foram consideradas crime no passado.
Deveríamos ter posto na cadeia todos os que contestaram tais normas?
O problema aqui é a própria existência desse
tipo penal. Faz sentido em certos contextos criminalizar a incitação a um
delito, mas não a apologia. Se alguém acha que Robin Hood, um criminoso, é
bacana, deve ser livre para dizê-lo. Lula já foi
dado como criminoso e Bolsonaro está
prestes a sê-lo. Idem para quem defende que o tráfico de drogas deixe de ser
crime.
É verdade que a pseudodefesa que a direita
radical faz da liberdade de expressão não ajuda esse conceito. Mas isso não é
motivo para a descartarmos ou para relativizá-la. Ela continua sendo um pilar
da democracia e tem valor inestimável para a sociedade.
John
Stuart Mill pode ter se precipitado ao sugerir que, no embate entre as
boas e as más ideias, são sempre as boas as que triunfam, mas segue válida a
noção de que as sociedades ganham quando têm a oportunidade de examinar
criticamente seus pressupostos e leis e eventualmente modificá-los. A liberdade
de expressão torna essa tarefa menos custosa, facilitando o balanço entre
conservação e mudança.
É triste ver que não só descuidamos da
liberdade de expressão como também que estamos promovendo a volta de
dispositivos que têm cor, cheiro e gosto das velhas leis antiblasfêmia.
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