sexta-feira, 6 de junho de 2025

Blasfêmias! - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Condenação de comediante por piadas preconceituosas e prisão de músico por apologia do crime mostram nossa involução na liberdade de expressão

A Justiça condenou o comediante Leo Lins a oito anos de reclusão por causa de suas piadas preconceituosas.

Da mesma forma que a sociedade não deve meter o bedelho no que adultos fazem consensualmente entre quatro paredes em matéria de sexo, ela deveria se abster de interferir no conteúdo das piadas que um humorista conta ao público que deseja ouvi-lo.

Se cabe alguma ação do poder estatal aqui é cuidar para que haja alertas sobre a natureza potencialmente ofensiva do espetáculo, a fim de que ninguém o acesse inadvertidamente.

De modo análogo, parece-me complicada a prisão do cantor MC Poze do Rodo por apologia do crime ou de criminoso. Inúmeras condutas hoje perfeitamente aceitáveis já foram consideradas crime no passado. Deveríamos ter posto na cadeia todos os que contestaram tais normas?

O problema aqui é a própria existência desse tipo penal. Faz sentido em certos contextos criminalizar a incitação a um delito, mas não a apologia. Se alguém acha que Robin Hood, um criminoso, é bacana, deve ser livre para dizê-lo. Lula já foi dado como criminoso e Bolsonaro está prestes a sê-lo. Idem para quem defende que o tráfico de drogas deixe de ser crime.

É verdade que a pseudodefesa que a direita radical faz da liberdade de expressão não ajuda esse conceito. Mas isso não é motivo para a descartarmos ou para relativizá-la. Ela continua sendo um pilar da democracia e tem valor inestimável para a sociedade.

John Stuart Mill pode ter se precipitado ao sugerir que, no embate entre as boas e as más ideias, são sempre as boas as que triunfam, mas segue válida a noção de que as sociedades ganham quando têm a oportunidade de examinar criticamente seus pressupostos e leis e eventualmente modificá-los. A liberdade de expressão torna essa tarefa menos custosa, facilitando o balanço entre conservação e mudança.

É triste ver que não só descuidamos da liberdade de expressão como também que estamos promovendo a volta de dispositivos que têm cor, cheiro e gosto das velhas leis antiblasfêmia.

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