Correio Braziliense
O general Walter Braga Netto, ex-ministro e
candidato a vice na chapa de Bolsonaro, fazia parte de um grupo que tentava
agir contra o resultado das eleições
Quem esperava um ambiente tenso e cheia de
surpresas na primeira sessão de tomada depoimentos dos acusados de tentativa de
golpe de Estado, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), ficou
decepcionado. O que houve nesta segunda-feira (9) foi uma oitiva em que o
ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, durante os interrogatórios,
deixou muito à vontade o tenente-coronel Mauro Cid, delator do caso, e os
advogados de defesa dos réus que também os inquiriram.
O clima era de muita cordialidade, a ponto de o ex-presidente Jair Bolsonaro, o principal acusado, apertar a mão de seu ex-ajudante de ordens e principal acusador, Mauro Cid, que também bateu continência para os generais Paulo Sérgio, ex-ministro da Defesa, e Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, seus superiores hierárquicos. Entretanto, Cid confirmou que Bolsonaro recebeu, leu e sugeriu alterações na chamada minuta do golpe, que previa medidas autoritárias para reverter o resultado das eleições de 2022.
Segundo ele, Bolsonaro solicitou, entre
outros pontos, a retirada do trecho que previa a prisão de outras autoridades,
mas não a de Moraes, que presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na época
da eleição. "Em termos de data, não me lembro bem. Foram duas, no máximo
três reuniões em que esse documento foi apresentado ao presidente",
afirmou Cid.
"A primeira parte eram os
'considerandos', cerca de 10 páginas, muito robustas. Essa parte listava
possíveis interferências do STF e do TSE no governo Bolsonaro e no processo
eleitoral", explicou. A segunda parte trazia uma fundamentação jurídica
com propostas como estado de defesa, estado de sítio, prisão de autoridades e a
criação de um conselho eleitoral para refazer as eleições. A minuta foi
encontrada pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson
Torres, durante operação autorizada pelo próprio Moraes.
"Só o senhor continuaria preso",
disse Cid ao ser inquerido por Moraes. "O documento mencionava vários
ministros do STF, o presidente do Senado, o presidente da Câmara… eram várias
autoridades, tanto do Judiciário quanto do Legislativo", relatou. "O
presidente recebeu e leu. Ele, de certa forma, enxugou o documento, basicamente
retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor (Moraes) ficaria como
preso. O resto, não", completou Cid.
Moraes questionou o militar sobre informações
de que teria sido alvo de monitoramento ilegal. O tenente-coronel confirmou que
havia verificações de movimentação de autoridades a pedido de Bolsonaro, feitas
por meio informal, com consultas à Força Aérea ou a ministros. Ele relatou que,
em dezembro de 2021, houve um monitoramento solicitado pelo major Rafael de
Oliveira e, posteriormente, outro pedido feito por Marcelo Câmara, ex-assessor
especial de Bolsonaro e militar do Exército.
Braga Netto
Cid foi sereno durante o depoimento, porém
respondeu perguntas com ambiguidade em alguns casos, com propósito de
relativizar a participação dos generais Paulo Sérgio e Augusto Heleno. Mas não
sofreu pressões de Moraes por causa disso. Não negou informações que já
constavam de sua delação. Cid afirmou que o ex-presidente pressionou o então
ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira para que o relatório das Forças
Armadas sobre o sistema eleitoral fosse "duro" contra as urnas
eletrônicas.
Segundo o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro,
após as eleições, o ministro chegou a marcar uma reunião com o TSE para
entregar o documento, mas desmarcou o compromisso por pressão de Bolsonaro. O
relatório final das Forças Armadas, entregue dias depois, não apontou fraudes,
mas também não descartou completamente falhas, o que, segundo a PGR, serviu
como parte de uma estratégia para desacreditar o processo eleitoral.
Cid declarou que Bolsonaro foi pressionado
para decretar estado de sítio: "Tinha-se uma pressão grande se os generais
que estavam, se o general Freire Gomes não fosse fazer nada, uma das
alternativas seria trocar os comandantes para que o próximo comandante do
Exército assinasse ou tomasse uma medida mais dura e radical. Isso estava
dentro daquele contexto de pressionar o presidente a assinar um decreto",
disse.
O general Walter Braga Netto, ex-ministro e
candidato a vice na chapa de Bolsonaro, fazia parte de um grupo que tentava
pressionar Bolsonaro a agir contra o resultado das eleições e atuava como elo
entre o ex-presidente e os acampamentos em frente a quartéis-generais pelo
país. Segundo Cid, o general também lhe entregou uma caixa de vinho com
dinheiro, que ele repassou ao major Rafael de Oliveira, um dos militares
investigados por integrar um grupo radical conhecido como "kids
pretos".
Disse não saber o valor dentro da embalagem,
mas confirmou que o repasse foi feito no Palácio da Alvorada. O major Rafael é
apontado como um dos participantes do suposto plano chamado "Punhal Verde
e Amarelo", que previa o assassinato de autoridades como o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e Moraes, caso o golpe
de Estado fosse consumado. Cid, porém, disse que só tomou conhecimento do plano
pela imprensa, após a prisão dos envolvidos.
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