Ao mobilizar tropas federais, Trump extrapola poderes
O Globo
Protestos violentos em Los Angeles devem ser
reprimidos, mas não justificam uso de militares como polícia
É preocupante a escalada da violência
desencadeada pelos protestos contra a deportação de imigrantes em Los Angeles.
Manifestantes atacaram agentes de imigração com toda sorte de objeto — agressão
que não cabe num protesto legítimo. Mais preocupante, porém, é o decreto
assinado pelo presidente Donald Trump determinando
o envio de tropas federais para conter os manifestantes.
Por meio do decreto, Trump mobilizou 4.100 soldados da Guarda Nacional, que, embora formalmente vinculada ao governo federal, só costuma agir por iniciativa dos estados. Também pôs de prontidão 700 fuzileiros navais para entrar em ação caso necessário. A medida abre um precedente perigoso para que forças militares atuem como polícia. Presidentes sempre temeram usar soldados treinados para matar inimigos contra seus próprios cidadãos. Ações de militares na repressão interna são excepcionais na História americana. Por ser movediça, a base legal para elas sempre funcionou como fator de dissuasão. Não para Trump.
Em seu primeiro mandato, quando protestos
contra a morte de George Floyd incendiaram as ruas de Minneapolis, Trump já
manifestara a intenção de usar tropas federais na repressão. “Você não pode
simplesmente atirar neles, apenas atirar nas pernas deles ou algo assim?”,
perguntou ao então chefe do Estado-Maior, Mark Milley, de acordo com o relato
do ex-secretário de Defesa Mark Esper. Na ocasião, Esper dissuadiu Trump de
enviar a Guarda Nacional, depois acabou demitido.
A Califórnia — e Los Angeles em particular —
tem longa tradição em protestos populares. Num estado e numa cidade com grande
concentração de imigrantes, era natural que surgissem manifestações contra a
política de deportação em massa de Trump. Mas os policiais locais teriam sido
suficientes para reprimir qualquer violência, de alcance bastante restrito.
Em 1992, quando amplas áreas da cidade foram
tomadas por protestos violentos desencadeados pela absolvição dos policiais que
haviam espancado o negro Rodney King, o presidente George W. Bush enviou a
Guarda Nacional. Mas só depois do pedido do governador. A última vez em que
houve mobilização à revelia do governo local foi em 1965, quando Lyndon Johnson
mandou proteger ativistas negros em Selma, no Alabama, estado cujo governo se
recusava a acabar com a segregação.
Desta vez, o governador da Califórnia, Gavin
Newsom, não pediu ajuda federal, por julgar que a Guarda Nacional inflamaria
ainda mais as ruas. Trump não lhe deu ouvidos. Para ele, a realidade pouco
importa. “Na medida em que os protestos ou atos de violência inibem diretamente
a execução das leis, constituem uma forma de rebelião contra a autoridade do
governo dos Estados Unidos”,
diz o decreto. Como lembrou o jornal New York Times, o episódio mais recente em
que o país esteve próximo de uma rebelião foi quando apoiadores radicais de
Trump, incitados e depois perdoados por ele, invadiram o Congresso em 2021.
Os protestos já se espalham pelo país, e o
decreto presidencial autoriza repressão federal em qualquer lugar. Desde que
Trump assumiu, o momento atual é um dos mais críticos para quem teme
radicalização autoritária nos Estados Unidos. Da última vez que ele tentou usar
tropas federais em solo americano, felizmente foi contido. Desta vez, todos a
seu redor parecem incentivar suas ideias mais radicais.
Punição a militares por furto em arsenal
expõe risco inerente às armas
O Globo
Armamento furtado do Exército foi oferecido a
facções criminosas. Duas metralhadoras seguem perdidas
A Justiça Militar condenou de modo exemplar
cinco civis e quatro militares acusados de desviar armas do Arsenal de Guerra
do Exército, em Barueri, na Grande São Paulo, em 2023. O furto aconteceu
durante o feriado de 7 de Setembro, quando não havia expediente no quartel. Das
22 armas levadas, 20 foram recuperadas em diferentes pontos do Rio de Janeiro e
de São Paulo. Diante da grande repercussão do caso, apareceram no mês seguinte.
Dois ex-cabos, considerados os principais
executores, foram condenados a 17 anos e quatro meses de reclusão em regime
fechado. Um deles era motorista do diretor do arsenal, o outro auxiliar do
setor de transporte. O oficial que chefiava a Seção de Inteligência recebeu
pena de nove meses de detenção por inobservância do regulamento militar e por
ter dado ordem para que carros não fossem revistados. O tenente-coronel que
comandava o arsenal à época foi sentenciado a seis meses de suspensão por
descumprir normas do regulamento interno. Os cinco civis, condenados pelo
comércio ilegal de armas, receberam penas de 14 a 18 anos de prisão. Ao menos
38 militares já haviam sido punidos administrativamente pelo Exército.
Aproveitando-se da falta de expediente, os
dois cabos desativaram o alarme e arrombaram os cadeados e o lacre da Seção de
Recebimento e Expedição de Material. As armas foram colocadas numa caminhonete
coberta com lona, e os dois conseguiram deixar o arsenal sem ser revistados. O
armamento foi entregue a civis para ser negociado com organizações criminosas
do Rio e de São Paulo (foi oferecido ao Comando Vermelho e ao Primeiro Comando
da Capital). O material reunia 21 metralhadoras e um fuzil que, segundo o Exército,
não tinha mecanismo de disparo. Duas metralhadoras Browning com capacidade para
derrubar helicóptero ainda estão desaparecidas.
Era fundamental que o próprio Exército
esclarecesse o furto e identificasse os responsáveis. Não se pode admitir que
armas pesadas sejam levadas com relativa facilidade de uma instalação militar,
para ser revendidas a criminosos. A despeito das investigações exitosas e da
condenação dos culpados em primeira instância, fica claro que havia falhas na
guarda do material. Espera-se que tenham sido corrigidas.
O furto no arsenal de São Paulo expõe o risco
embutido na aquisição e guarda de armas, mesmo as legais. Nos últimos anos,
especialmente durante o governo Jair Bolsonaro, cresceu enormemente a
quantidade de armas em circulação, como resultado da facilitação de compra,
posse e porte. Ainda que tenham sido adquiridas com o objetivo legítimo de
proteção pessoal e cumpram a legislação, nada garante que estejam bem
guardadas, a salvo de criminosos. Como se viu, nem o Exército Brasileiro pode
garantir isso. Que dizer do cidadão comum?
Balança comercial mostra sinais do tarifaço
de Trump
Valor Econômico
As principais commodities estão em queda por
conta da expectativa de desaceleração da economia global e do comércio
internacional, causada pela guerra tarifária de Donald Trump
O tarifaço do presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, começa a afetar a balança comercial brasileira. Mas o pior está
por vir, uma vez que Trump dobrou para 50% a tarifa sobre as importações
americanas de aço e alumínio. O Brasil é um dos principais fornecedores desses
produtos, ao lado do Canadá e do México.
A queda do superávit comercial de maio é
sinal da piora da atuação do Brasil no comércio internacional. No mês passado,
o superávit ficou em US$ 7,2 bilhões, segundo a Secretaria de Comércio Exterior
do Ministério da Indústria e Comércio, resultado 12,8% inferior ao registrado
no mesmo mês de 2024. No acumulado no ano até maio, o superávit despencou 30,6%
na comparação com o mesmo período do ano anterior e foi de US$ 24,4 bilhões.
Apesar do aumento do volume exportado das
principais commodities brasileiras, a receita diminuiu devido à queda de
preços. A Secex informou que o preço da soja, que liderou as exportações em
maio, caiu 8,4% em comparação com o mesmo mês de 2024. Os preços do petróleo e
do minério de ferro tiveram queda de 15,2% e 11,3%, respectivamente, na mesma
base de comparação. Por isso, a receita da soja caiu 3,9%, a do petróleo, 9,7%,
e a do minério de ferro, 4,7%. Os três são os produtos mais exportados pelo
Brasil. Já as importações, apesar de terem desacelerado, continuam crescendo
acima do esperado.
As principais commodities estão em queda por
conta da expectativa de desaceleração da economia global e do comércio
internacional, causada pela guerra tarifária de Donald Trump. O Fundo Monetário
Internacional (FMI) diminuiu a estimativa de expansão da economia mundial de
3,3% em 2025 e 2026 para 2,8% e 3% respectivamente, entre janeiro e o início de
abril. O FMI também prevê uma queda de 7,9% dos preços das commodities
energéticas e aumento de 4,4% das não-energéticas.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) foi
na mesma direção, em tom mais pessimista, com base nas medidas adotadas pelos
EUA até 14 de abril, e reduziu a projeção do avanço do PIB mundial de 2025 de
2,8% para 2,2%, e o de 2026, de 2,6% para 2,4%. Para a OMC, o comércio mundial
de bens pode ter uma contração de 0,2% neste ano, com recuperação e expansão de
2,5% em 2026. Já a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) é um pouco mais otimista. Ela reduziu a projeção de expansão do PIB global
de 2025 de 3,1% para 2,9%. Para os EUA, prevê crescimento do PIB de 1,6% neste
ano (2,8% antes). Para o México, projeta 0,4%, quase um terço do 1,5% anterior;
e, para o Canadá, 1%, abaixo do 1,5% anterior.
O Brasil também teve as previsões de
crescimento reduzidas, não só pelos problemas no comércio global, como pelas
questões internas fiscais e dos juros elevados. O FMI estima que o PIB do país
vai desacelerar para 2% neste ano, percentual que deve ser mantido em 2026. Já
a OCDE manteve a expectativa de aumento de 2,1% em 2025 e elevou a taxa
esperada para 2026 de 1,4% para 1,6%.
Essas previsões não levam em conta o fato de
Trump ter dobrado as apostas nas tarifas para o aço e o alumínio no início
deste mês, nem o impacto da chegada da gripe aviária ao país. Mesmo quando a
alíquota sobre o aço e o alumínio subiram para 25%, o impacto foi
significativo. Em abril, um mês após o início de sua vigência, as exportações
de produtos semiacabados de ferro e aço brasileiros caíram 30,7% em relação ao
mesmo mês de 2024. Estatísticas da Aço Brasil, entidade que representa o setor,
mostram que as exportações de semiacabados caíram 14,2%, as de aços longos,
10,4% e as de aços especiais, 19,1% no primeiro quadrimestre em relação ao
mesmo período de 2024.
Agora, com a alíquota de 50%, o efeito será
mais dramático. Os EUA são o destino de 73,7% das exportações brasileiras de
aço. Os países da América Latina, com 19,3% do total, são o segundo maior
destino, e nela o Mercosul tem fatia de 7,9%. Brasil, Canadá e México juntos
forneceram 15,5 milhões do total de 26,2 milhões de toneladas de aço e alumínio
importados pelo mercado americano em 2024, quase um terço da produção
doméstica.
O Brasil perde também no campo do alumínio. O
Canadá é o principal fornecedor para os EUA e compra do Brasil 70% da
matéria-prima utilizada. Nos dois casos, a indústria brasileira sofre, pois as
usinas chinesas vêm despejando aqui seu excedente, ao mesmo tempo em que
despencam os preços mundiais. As importações brasileiras de aço subiram 21% em
volume e 7,1% em valor no primeiro quadrimestre, e mais da metade veio da
China.
Como se tudo isso não bastasse, a balança
comercial brasileira refletiu o impacto da chegada da gripe aviária ao país.
Restrições ao frango brasileiro, principalmente de China, África do Sul e
México, causaram a queda nas exportações de aves de 12,9% em valor e 14,4% em
volume, em maio, em comparação com o mesmo mês de 2024.
Não se sabem os próximos passos de Trump, embora se saiba a direção - mais protecionismo. As negociações com o governo americano, para obter cotas para aço e alumínio, não prosperaram. O Brasil está certo em insistir nesse caminho.
Folha de S. Paulo
Protestos violentos contra política
anti-imigração criam oportunidade para republicano atropelar federalismo
americano
O trumpismo, de certa forma uma mutação
radicalizada de ideias condensadas por Richard Nixon há quase 60 anos, sempre
lutou contra autonomias —de estados, universidades, do Judiciário. No mundo
ideal de Donald Trump e
seus seguidores mundo afora, a autoridade central deve ser soberana.
Isso ajuda a explicar a atração do presidente
americano por autocratas, como se observa na guinada russófila dos EUA no
conflito de Vladimir
Putin contra a Ucrânia. Em
casa, não é diferente.
Desde que voltou ao poder, o republicano
empreende cruzadas contra o que percebe como obstáculo à sua visão de
mundo, de
juízes que barraram iniciativas do Executivo a até um ícone do
progressismo que Nixon já combatia, a Universidade Harvard.
Em comum nessas duas campanhas há a rejeição
ao assim chamado outro, encarnado hoje pelos trumpistas nos imigrantes.
Sejam miseráveis ilegais jogados em aviões
para prisões em El Salvador ou
alunos sofisticados que frequentam o Olimpo intelectual do país, tanto faz. Sob
a lente distorcida de quem apoia o mandatário, são todos ameaças.
Nesse contexto, a mais nova crise no país
criou uma oportunidade para a Casa Branca. Para começar, ela se desenrola
na Califórnia,
o estado mais rico do país e fortaleza tradicional do oposicionista Partido
Democrata.
Lá, protestos contra a política
anti-imigratória tornaram-se violentos, e a polícia interveio. Já o presidente
atropelou o governador democrata Gavin Newsom, enviando a Guarda Nacional para
enfrentar a situação.
O emprego das forças de reserva militares não
é de todo inédito. Em 1992, George H.W. Bush enviou a guarda para ajudar a
suprimir uma revolta causada pelo espancamento de um negro pela polícia —mas o
fez em consonância com o governo local.
A última vez em que isso ocorreu de forma
unilateral foi em 1965, para proteger ativistas de direitos civis. Ainda pior,
alegando uma imaginária invasão de estrangeiros, Trump
mobilizou fuzileiros navais da ativa.
A
Califórnia foi à Justiça contra a iniciativa, que Newsom vê como forma
fabricada de ampliar a revolta. Ato contínuo, o presidente defendeu que o
governador fosse preso, escalando ainda mais a crise institucional.
Costuma-se dizer que há 50 Estados
Unidos, em referência ao federalismo que marca a nação. Assim, o
republicano volta a atacar um dos pilares de um edifício democrático fundado há
dois séculos e meio, como de resto já havia tentado em seu primeiro mandato sem
sucesso.
Ele conta com a percepção que Nixon teve em
1968, quando universidades se converteram em campos de batalha devido à Guerra
do Vietnã —a de que a população não gosta de bagunça. Ao menos entre os
trumpistas, a ideia tende a ter ressonância.
Trump reforça seu descompromisso com a
institucionalidade e, a depender do curso do imbróglio, abre perigoso
precedente.
Esforço para diminuir filas no SUS
Folha de S. Paulo
Governo declara situação de urgência para
implementar programa que visa agilizar serviços contratando empresas privadas
Uma portaria do Ministério
da Saúde, publicada na segunda (9), declarou situação de urgência em saúde pública
em razão das longas filas de espera no SUS. A ação, à
primeira vista extremada, é condição para que seja executada a medida
provisória 1.301, de 30 de maio, que cria o programa Agora Tem Especialistas.
Isso porque a MP altera a lei que regulou o
SUS em 1990, ao permitir
que a União contrate serviços em estados e municípios só em situações
de urgência devido a grande tempo de espera na rede. Tal exceção é necessária,
já que o sistema se baseia na autonomia das unidades federativas.
Tamanho esforço de reordenamento legal já
indica a importância do Agora Tem Especialistas para Luiz Inácio Lula da
Silva. O programa de redução de filas é a grande aposta do petista para criar
de fato uma marca no setor.
Na verdade, reformulação do programa, dado
que o anterior, instituído em abril de 2024 por Nísia
Trindade, não agradou ao presidente porque estaria demorando para
apresentar resultados —o que contribuiu para a queda da ministra em fevereiro.
Agora, o Ministério da Saúde também pode
contratar clínicas e hospitais privados tanto diretamente quanto por meio de
abatimentos de dívidas com a União ou de descontos dos valores dos serviços
prestados em futuras cobranças de impostos.
Parcerias público-privadas em saúde não são
novidade e contribuem, assim como em outros setores, para eficiência em gestão.
Nesse sentido, é sensata a declaração do ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, em
entrevista para a Folha: "Quem está esperando o atendimento
especializado não quer saber se ele vai ser atendido num hospital estatal ou
privado. Ele quer ser atendido".
Como a maioria dos especialistas atua no
setor privado, parcerias são capazes, em tese, de ampliar o acesso da população
de baixa renda a esses profissionais.
O programa também prevê ações para alcançar
regiões distantes dos grandes centros, como realização de mutirões com uso de
carretas, a abertura de edital para 500 vagas no Mais Médicos Especialistas e
oferta de 3.000 bolsas de residência médica.
No caso dos mutirões, é preciso cuidado
extra, dados os problemas vistos em ações
recentes do tipo no país para realizar cirurgias de catarata.
Resta acompanhar a execução do programa, e o compromisso assumido na MP, de que o governo divulgará relatórios de avaliações e promoverá transparência ativa dos dados, é fundamental para o escrutínio da sociedade.
Trump fabrica uma guerra interna
O Estado de S. Paulo
Ao declarar emergências artificiais, Trump
distorce a lei para transformar a política migratória em arma, inflamar bases
radicais, demonizar a oposição e consolidar um poder sem freios
O envio de milhares de soldados a Los
Angeles, ordenado unilateralmente pelo presidente Donald Trump, não responde a
uma crise real, mas a uma estratégia política. A intervenção não visa a
restaurar a ordem pública. Seu propósito é simbólico: provocar confronto com
lideranças democratas, intimidar centros urbanos refratários ao trumpismo,
mobilizar suas bases e consolidar uma nova doutrina, o uso militarizado do
Poder Executivo contra os próprios americanos.
A retórica de “invasão” e “insurreição” não
corresponde aos fatos. As manifestações em Los Angeles, majoritariamente
pacíficas, eram respostas previsíveis às operações do Serviço de Imigração,
conduzidas em bairros latinos e operários e calculadas para despertar
indignação por meio da detenção de imigrantes irregulares, mas pacíficos,
trabalhadores e integrados à vida cívica. A cidade dispunha de recursos para
manter a ordem. A mobilização militar não foi solicitada, foi imposta.
O padrão é claro: o governo anuncia operações
ostensivas em cidades resistentes, aguarda reações populares, envia tropas e
transforma o episódio em palanque. O objetivo não é conter o caos, é
fabricá-lo. Ao provocar líderes locais e retratá-los como cúmplices da
desordem, Trump reforça a narrativa de que só ele pode restaurar a “ordem” e dá
um recado às demais cidades: resistir trará consequências.
A tática não é só eleitoral, mas
institucional. Ao usar tropas contra protestos, Trump testa os limites da
autoridade federal, contorna os governadores e explora brechas legais – como
dispositivos vagos de legislações arcaicas – para justificar ações desproporcionais.
Em contraste com precedentes raros, como em 1965 ou 1992, quando a força
federal foi usada para proteger manifestantes de direitos civis ou conter
distúrbios graves a pedido do governo local, a ação atual é fabricada,
oportunista e unilateral.
O pano de fundo é o projeto de poder que
estrutura o segundo mandato de Trump, uma reengenharia institucional com quatro
eixos: um projeto sociocultural moldado por valores nacionalistas e
anti-igualitários; a subversão da ordem liberal a favor de uma economia
protecionista e clientelista; uma estratégia política de concentração de poder
no Executivo, com erosão dos freios e contrapesos; e uma política externa
transacional e mercantilista, desconectada de compromissos com alianças
tradicionais e valores universais. A militarização da política migratória é só
a face mais visível e truculenta desse movimento revolucionário.
O projeto tem método. Ele não se limita ao
desprezo por convenções democráticas, mas procura esmagá-las. Ao usar o poder
federal para intervir em Estados opositores, desmantelar instituições
independentes, desacreditar tribunais e ampliar o controle pessoal sobre o
aparato militar, Trump sinaliza que seu objetivo é menos governar dentro das
regras do jogo do que reescrevê-las a seu favor. A retórica extrema –
“rebelião”, “invasão”, “emergência nacional” – prepara o terreno para ações
ainda mais agressivas, como a possível invocação do Insurrection Act (lei
de insurreição de 1807), que autoriza o presidente a usar as Forças Armadas
para conter rebeliões internas.
A reação democrática deve ser firme, mas
estratégica. É fundamental condenar os abusos federais e defender a autonomia
estadual. Mas os democratas não podem cair na armadilha de Trump. Reações
descoordenadas, discursos ambíguos ou conivência com episódios de vandalismo só
reforçam a caricatura que ele deseja fixar: a de uma esquerda antiamericana e
violenta. É assim que ele mobiliza sua base e justifica a escalada autoritária.
O risco é real. O uso do Exército para fins
políticos sempre foi um tabu na democracia americana. O que está em jogo não é
apenas a política migratória, mas a integridade do pacto constitucional. O
federalismo americano reserva ao governo central poderes limitados para
intervir em assuntos locais. Trump está rompendo essa barreira e testando a
complacência do país.
Superar esse teste exige mais do que
indignação. Exige estratégia, união e prudência. A democracia não se defende
com slogans nem com confrontos. E muito menos com tropas nas ruas.
A ocupação política da Telebras
O Estado de S. Paulo
Estatal que depende de recursos públicos
reserva quase 20% de seus cargos para indicação de apadrinhados políticos como
resultado de acordos de Lula com o Centrão de Alcolumbre
O aumento de quase 58% no número de cargos
por indicação política na Telebras, já aprovado por conselhos e comitês
internos da estatal, é o espelho da degradação política de um governo fraco,
porém obstinado em se manter no poder. Como mostrou o Estadão, está em
gestação o aumento dos cargos comissionados de 56 para 88, nos quais serão
abrigados apadrinhados e parentes de políticos do Centrão, que já domina a
Telebras.
O clima de vale-tudo em uma trama tão
explícita comprova que a busca por apoio político a Lula da Silva na campanha
de 2026 está a pleno vapor. Acordos que, na verdade, começaram a ser costurados
ainda em 2023. Antes mesmo de ocupar a presidência do Senado, Davi Alcolumbre
(União-AP) obteve do Planalto o salvo-conduto das indicações para a estatal,
vinculada ao Ministério das Comunicações, que também está em sua área de
influência.
Deficitária, a Telebras é uma das estatais
classificadas como dependentes do Tesouro Nacional, ou seja, precisa do
dinheiro arrecadado do contribuinte para sobreviver. E é com esses recursos que
o governo deve contar para bancar o custo extra de R$ 12,3 milhões com os novos
cargos, cujos titulares vão receber salário em torno de R$ 30 mil mensais.
Entre eles, como mostrou a reportagem, há parentes, contraparentes e
apadrinhados de políticos. Em nota, a Telebras informa que tudo isso é para
fortalecer a governança da empresa, uma evidente afronta à inteligência alheia.
Até o final dos anos 1990, a Telebras operava
o monopólio da União nas telecomunicações, que respondia pela telefonia fixa, a
incipiente rede celular e transmissão de dados. Com a privatização do sistema,
ficou inativa por mais de uma década até ser reativada em 2010 – não por
coincidência também num governo de Lula da Silva, o segundo mandato do PT,
partido que capitaneou uma verdadeira guerra contra a privatização da empresa,
em 1998. Lula ressuscitou a Telebras para gerir o Programa Nacional de Banda
Larga (PNBL), que tinha metas específicas de universalização do acesso à
internet e redução de preços.
O fato de as metas não terem sido cumpridas
parece ser, na visão lulopetista, um mero detalhe. Dilma Rousseff sucedeu a
Lula, obviamente, com a mesma linha de atuação e somente em 2017, no governo
Michel Temer, quando os cargos comissionados já somavam 76, foi elaborado um
cronograma de redução para eliminar 50 deles até 2020. Em 2019, chegaram a ser
reduzidos a 51, até que o então presidente, Jair Bolsonaro, pediu adiamento do
prazo para 2023, sob o argumento de que o Programa Nacional de Desestatização,
no qual a empresa foi inserida, exigia “perfis profissionais”, um paradoxo
diante de ocupação político-partidária da estatal.
De volta à Presidência, Lula da Silva, além
de descartar a privatização, dizendo que nada mais seria privatizado no País,
tratou de ampliar novamente os cargos de barganha da Telebras, desta vez para
56, sem encontrar resistências. Agora, com a proposta de subir para quase 90 o
batalhão de indicados políticos, a Secretaria de Coordenação e Governança das
Empresas Estatais (Sest), que controla recursos e dispêndios das estatais,
classificou a medida como “temerária”, mas ficou por isso mesmo.
Um parecer técnico da Sest, de caráter apenas
consultivo, alerta que com o aumento os funcionários comissionados
representarão quase um quinto (19%) do quadro total de funcionários da estatal,
cerca de quatro vezes a média das empresas sob alçada da administração federal.
A ocupação política da Telebras é tão
preocupante quanto suas dificuldades financeiras. Em 2024, o prejuízo líquido
da empresa, de R$ 252,1 milhões, foi mais do que o dobro do registrado em 2023,
e a estatal admitiu ao Tribunal de Contas da União ter feito uma “pedalada
fiscal” de R$ 77 milhões, rolando despesas de 2023 para 2024. No Congresso, um
projeto enviado em 2024 pelo Executivo tenta mudar as regras de contabilização
de empresas que, como a Telebras, dependem do Tesouro. O Planalto, espertamente,
quer que passem do orçamento fiscal para o orçamento de investimento. Melhor
seria chamar de “orçamento de campanha eleitoral”.
Universidades em queda livre
O Estado de S. Paulo
Em ranking, 87% das brasileiras perdem
posição. Expansão universitária não significa qualidade
A falta de investimento e o atual quadro da
pesquisa científica nacional derrubaram as universidades brasileiras num
ranking com as 2 mil melhores instituições de ensino superior do mundo. Segundo
o levantamento do Centro para Rankings Universitários Mundiais (CWUR, na sigla
em inglês), nada menos que 46 das 53 instituições brasileiras presentes na
lista de 2025 caíram de posição em relação à edição passada.
O presidente do CWUR, Nadim Mahassen, disse
que, “enquanto vários países colocam o desenvolvimento da educação e da ciência
no topo de suas agendas, o Brasil luta para acompanhar o ritmo”. Em comunicado
à imprensa, ele afirmou ser “alarmante” que esse recuo das universidades
brasileiras seja motivado pelo “enfraquecimento do desempenho em pesquisa e o
apoio financeiro limitado do governo”.
Das instituições citadas, 43 são federais,
que estão em crise praticamente permanente, com risco de cortes de serviços,
necessidade de renegociação de dívidas com fornecedores e ameaça à qualidade do
ensino e da pesquisa. O governo Lula correu para anunciar medidas a fim de
evitar o colapso, como a destinação de R$ 400 milhões, o que provavelmente será
insuficiente para lidar com os múltiplos problemas – cuja origem tem vinculação
direta justamente com o modelo de expansão universitária desenfreada dos governos
de Lula e de Dilma Rousseff. Esse modelo era e ainda é movido pelo ânimo
eleitoreiro. A intenção é mostrar a abertura de vagas em universidades federais
como sinal da preocupação dos governos petistas com a formação superior de
jovens de baixa renda. Ocorre que somente a abertura de vagas, sem que venha
acompanhada de condições objetivas para sua manutenção (que inclui investimento
em estrutura e salário de professores e funcionários), resulta em universidades
que lutam para sobreviver, e não para produzir ciência e conhecimento.
Apesar desse modelo falido, há instituições
que resistem. Marcada por eternas crises, a Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) subiu da 401.ª posição para a 331.ª no ranking do CWUR. Dentre
os quatro quesitos avaliados, a instituição ficou à frente da Universidade de
São Paulo, a brasileira mais bem colocada, na 118.ª posição, em qualidade da
educação e do corpo docente. Foram, portanto, os professores e os alunos da
UFRJ, com o reconhecimento externo de sua excelência em capacitação e
aprendizado, que empurraram a instituição para cima no ranking.
Capital humano, portanto, não falta. Mas o
Brasil precisa de um novo modelo de financiamento do ensino superior, que
estreite os elos com o setor privado, de modo a preservar os talentos do País
da inação estatal. É típica ilusão lulopetista acreditar que o Estado dará
conta dessa missão sozinho. Ademais, mas não menos importante, são necessários
mecanismos de estímulo à produção de conhecimento relevante, com o
aprimoramento da avaliação dos docentes e dos alunos e a valorização das
pesquisas de impacto.
Jactar-se de fazer a “filha da empregada entrar na universidade”, como faz Lula, pode até render votos, mas não muda a essência do problema: se a universidade é apenas uma fachada eleitoreira, seu diploma terá pouca serventia para a “filha da empregada”.
O mau uso da IA precisa ser contido
Correio Braziliense
O potencial da inteligência artificial é
transformador, com um leque de benefícios ampliado. Os impactos do mau uso,
também
O mundo da tecnologia repercutiu ontem a
oscilação na operação do ChatGPT, a inteligência artificial generativa
desenvolvida pela empresa estadunidense OpenAI. O site DownDetector, que
monitora instabilidades em portais da internet por meio de manifestações do
próprio usuário, registrou o pico de reclamações no início da manhã. As
manifestações nas redes sociais mesclaram os conhecidos memes e
lamentações de quem usa a plataforma no expediente laboral. Uma problemática,
no entanto, chama a atenção: os brasileiros estão muito dependentes da
inteligência artificial (IA)? Ainda conseguem executar o trabalho com a mesma
qualidade de outrora sem esse auxílio tecnológico? E mais: têm consciência dos
efeitos devastadores que esses recursos podem produzir?
A discussão sobre a IA merece cada vez mais
espaço na sociedade. Em primeiro lugar, é preciso entender que ela existe para
otimizar os trabalhos, não substituir o raciocínio que somente os humanos
possuem. O bom dessa tecnologia passa diretamente pela elaboração de prompts
(as requisições que fazemos na caixa de busca de cada IA) eficientes. A receita
ideal exige um detalhamento do problema que a maioria dos usuários dispensa,
optando por perguntas rápidas e superficiais. O resultado trazido é superficial
na mesma proporção e leva o usuário a cometer erros que, sem a expertise
necessária, podem custar retrabalho, dinheiro, demissão, entre outros
prejuízos.
Por isso, a urgência do chamado
"letramento digital", expressão cada vez mais presente nas empresas,
mas ainda distante do cidadão comum e de outras instituições, como as escolas.
É preciso entender que os modelos de inteligência artificial são matemáticos e
trabalham com probabilidades para alcançar respostas para problemas com base no
imenso mundo dos dados. O potencial é transformador, com um leque de benefícios
ampliado. Os impactos do mau uso, também.
Ontem, por exemplo, o Google anunciou que vai
oferecer previsões do tempo de maneira muito mais assertiva por meio de um
modelo de IA. A tecnologia será capaz de antecipar chuvas de alta intensidade
12 horas antes, a partir de uma atualização a cada 15 minutos. Se bem usada
pelo poder público, poderá ajudar a evitar tragédias que assolam
recorrentemente cidades brasileiras e abastecer comunidades de regiões remotas
com dados meteorológicos estratégicos.
Por outro lado, a mesma ferramenta tem sido
usada em novas manifestações de violência de gênero — com a criação de vídeos
falsos que, por exemplo, mostram mulheres e meninas em situações humilhantes —
e há uma preocupação real em torno dos desdobramentos do seu uso nas disputas
eleitorais. Não à toa, o presidente Lula afirmou, na última sexta-feira, que,
sem regulação para o uso de IA, a campanha eleitoral será "100% de
mentira".
Para além da boa vontade do usuário em procurar informações confiáveis e usar a IA corretamente, parte das políticas de letramento digital depende do próprio poder público. É importante que estados, municípios e a União pensem em parcerias com entidades e especialistas para educar a população. A velocidade com que essas ferramentas têm se aperfeiçoado e entrado na rotina das pessoas está muito além do ritmo das respostas de gestores pelo bom uso desses recursos tecnológicos.
SOS Santa Casa de Misericórdia
O Povo (CE)
Déficit faz hospital filantrópico suspender
atendimento a novos pacientes
É imensurável a importância da Santa Casa de
Misericórdia de Fortaleza, que atende à população vulnerável desde a sua
fundação, há 164 anos.
No entanto, a instituição vive em constantes
crises financeiras, devido à diferença entre suas receitas e as despesas
realizadas para garantir a assistência a quem não pode pagar por um atendimento
médico-hospitalar.
A edição de ontem do O POVO trouxe a notícia
de que a Santa Casa foi obrigada a suspender provisoriamente o atendimento de
novos pacientes. A medida drástica foi tomada pela absoluta falta de recursos,
mas pode ser traduzida também como um pedido de socorro à sociedade e
autoridades municipais, estaduais e federais, pois a saúde pública no Brasil é
obrigação desses três níveis de governo.
Milhares de pessoas por mês são atendidas na
Santa Casa, com consultas, exames e cirurgias. A aparente contradição é que —
diferentemente de uma empresa privada — a cada procedimento realizado, as
dívidas aumentam.
O provedor da Santa Casa, Vladimir Spinelli,
diz que a decisão de interromper o atendimento foi um "imperativo",
até conseguir que o "poder público" ajude a cobrir os déficits
provocados pela tabela do Sistema Único de Saúde (SUS).
A tabela do SUS não é atualizada há 20 anos,
baixando a valores irreais, em comparação com os custos dos procedimentos. Com
um déficit mensal de R$ 3,2 milhões, o hospital vem atrasando o pagamento de
seus funcionários.
Spinelli cita como exemplo os R$ 10
reembolsados pelo SUS para uma consulta médica. Para uma cirurgia de vesícula,
o SUS paga R$ 996,34, procedimento que custa R$ 2.413,20 ao hospital. Ou seja,
242% a mais em comparação com a tabela do SUS. A situação se repete, segundo o
provedor, a cada procedimento de média complexidade, a maioria dos
atendimentos.
Uma reunião entre representantes da Santa
Casa e a então ministra da Saúde, Nísia Trindade, foi realizada no fim do ano
passado, quando foi pedido um aporte para compensar os valores defasados.
Segundo Spinelli, após a mudança de titularidade, o assunto não foi retomado.
A reportagem entrou em contato com as
Secretarias de Saúde do Município e do Estado, recebendo respostas
burocráticas. Ambas informaram, por meio de notas oficiais, que cumprem as
obrigações com a instituição, inclusive quanto ao repasse de recursos. No entanto,
nada comentam sobre a defasagem da tabela.
Corrigir a tabela do SUS, que cabe ao governo federal, é a medida que resolveria grande parte dos problemas dos hospitais filantrópicos. Mas até lá, governos e políticos têm a obrigação de se engajarem em busca de soluções, ainda que emergenciais, para manter esses hospitais em funcionamento.
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