Na falta da pedra filosofal, com poder para transformar qualquer metal em ouro, vários economistas brasileiros tiveram de se contentar com o câmbio filosofal, conhecido pela propriedade notável de tornar competitiva qualquer indústria e, mais que isso, qualquer economia, bem ou mal administrada. Mas pode ser difícil encontrar esse câmbio maravilhoso. O dólar subiu quase 20% em relação ao real só neste ano -19,68% entre o fim de 2012 e a quinta-feira passada, quando foi vendido a R$ 2,446 no fechamento das operações. Em um ano, a alta foi de 21%, levando-se em conta os valores médios divulgados pelo Banco Central (BC). Maxidesvalorização, ou simplesmente máxi, na linguagem coloquial, seria a palavra usada, em outros tempos, para designar essa variação. Mas o dólar cada vez mais caro foi acompanhado, desta vez, de um rombo cada vez maior nas contas externas.
O déficit em conta corrente acumulado de janeiro a julho chegou a US$ 52,472 bilhões, 81% maior que o de igual período de 2012, US$ 28,990 bilhões. Dóís terços dessa diferença, US$ 15 bilhões, resultaram da piora da balança comercial, como ressaltou em entrevista coletiva o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel. Para chegár à diferença de cerca US$ 15 bilhões basta somar o superávit de US$ 9,930 bilhões obtido no ano passado na conta de mercadorias, nesses meses, e o déficit de US$ I 4,989 bilhões acumulado em 2013 até o mês passado. A soma desses dois valores corresponde à piora do saldo comercial de um ano para outro.
A depreciação do real, já perceptível no ano passado, foi insuficiente para elevar as vendas âo exterior e conter a ocupação crescente do mercado interno por produtores estrangeiros. Algum fator muito mais importante que o cambio deve ter prejudicado o comercio brasileiro, já com sinais de problemas nos anos anteriores.
A deterioração ocorreu dos dois lados da balança de mercadorias. De janeiro a jujho o valor exportado este ano, US$ 135,231 bilhões, foi 2,16% menor que o de um ano antes. O valor importado, US$ 140,220 bilhões, foi, no entanto, 9,3% maior que o de janeiro a julho de 2012. O quadro pareceria melhor se fossem descontadas as compras de combustíveis realizadas no ano passado e só registradas este ano. Mas seria preciso corrigir para menos o saldo comercial do ano anterior, US$ 19,415 bilhões.
De toda forma, o quadro seria ruim, como continuou sendo até a terceira semana deste mês. Incorporado esse período, o déficit no comércio de bens fica um pouco menor, US$ 4,686 bilhões. As exportações, US$ 46,693bilhões, continuam menores que as de um ano antes (1,6%) e as importações, bem maiores (10,4%), com base na comparação das médias diárias.
Só em parte esses números são explicáveis pela crise internacional e pela depreciação das commodities. A piora do comércio exterior brasileiro começou antes da crise. No fim de 2007, a fatia dos importados no consumo nacional de produtos industriais correspondia a cerca de 17%, segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Chegou a 20% no trimestre final de 2008, diminuiu em 2009, quando houve recessão e a demanda encolheu. Voltou a crescer em seguida, bateu em 20,5% no segundo trimestre de 2012 e alcançou 21,1% no período entre abril e junho deste ano.
Seria uma evolução facilmente compreensível, se o mercado brasileiro se tivesse tomado mais aberto nos últimos anos. Mas ocorreu o contrário: houve aumento de barreiras e, apesar disso, as importações cresceram - tanto de bens finais quanto de produtos intermediários. Desde 2007-2008, as importações tenderam a crescer mais velozmente que as exportações. Esse movimento só foi interrompido brevemente na recessão. Detalhe importante: até 2012, as vendas externas foram amplamente favorecidas pela valorização das commodities.
Durante esse período o governo estimulou muito mais o consumo que a produção. A maior parte do financiamento de longo prazo, sustentado em parte com transferências do Tesouro, foi destinada a poucas grandes empresas, incluídas algumas estatais e umas tantas selecionadas para ser campeãs.
O investimento público permaneceu empacado. O total investido pelo governo e por empresas em máquinas, equipamentos, construções e obras de infraestrutura ficou pouco acima de 19% do produto interno bruto (PIB) nos melhores momentos. Diminuiu em 2012 e mal entrou em recuperação neste ano. O programa de logística anunciado há um ano continua no papel, como lembrou esta semana o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. No mesmo pronunciamento ele cobrou a manutenção, além deste ano, do Reintegra, um programa remendo de compensação fiscal às empresas exportadoras.
Nesta sexta-feira, reportagem do Valor mostrou as deficiências do Porto de Paranaguá, líder na exportação de grãos e na importação de fertilizantes. Só na parte de grãos a capacidade do porto continua 30% inferior à necessária. Em alguns momentos, usuários têm de fazervaquinha para bancar pequenas manutenções, segundo um dos entrevistados.
Até o fim do ano o câmbio poderá proporcionar alguma melhora às contas externas, disse na sexta-feira Túlio Maciel. Pode ser. Mas nenhum ajuste cambial dura muito tempo quando a inflação é elevada. Os brasileiros deveriam ter apreendido esse dado elementar há muito tempo. Além disso, nenhuma taxa de câmbio substituiu até hoje, de forma segura e duradoura, a administração competente, o investimento em máquinas, equipamentos e infraestrutura, a formação de mão de obra, a produtividade e uma tributação adequada. Só o câmbio filosofal deve ter essas virtudes. Mas como encontrá-lo?
*Jornalista
Fonte: O Estado de S. Paulo
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