- O Estado de S. Paulo
No dia 1.º de janeiro, em seu discurso de posse, a presidente Dilma Rousseff anunciou um Brasil próspero, uma pátria educadora e um País imune à corrupção. De lá para cá, dela não se ouviu mais palavra.
Há no mundo político aqui e ali registro de estranheza com tal recolhimento. Diante de tantos acontecimentos e anúncios importantes, a presidente da República tem se limitado a se manifestar por intermédio da assessoria de comunicação ou de notas oficiais.
Comportamento oposto - natural que assim seja - ao da candidata sempre disponível aos microfones. Mas, diferente também da presidente reeleita; primeiro, conciliatória, oferecendo-se ao diálogo e depois, na ofensiva, exortando a oposição a descer do palanque eleitoral sem, no entanto, dar o primeiro passo na direção sugerida.
Depois da posse, Dilma calou-se. A despeito da estranheza acima referida, se examinadas as razões sob a ótica da conveniência dela é possível concluir que nada de estranho ocorre. Afinal de contas, tudo o que aconteceu nesse breve período justifica - repetindo, do ponto de vista da presidente - o recolhimento.
As medidas anunciadas contrariam tudo o que disse a candidata na campanha e o cenário que se desenha é o oposto ao apresentado no discurso de posse.
Há aumento de tarifas, taxa de juros, perspectiva de elevação de impostos, restrição de investimentos, alteração em regras que mexem nos direitos trabalhistas e corte pesado no orçamento do Ministério da Educação, justamente a pasta a que ela se referiu como destinatária de "cada vez mais recursos" ao anunciar o lema "Brasil, pátria educadora".
Quanto ao tema da corrupção que a presidente abordou com tanta ênfase avocando para si não apenas a defesa da Petrobrás como a descoberta e punição de todos os ilícitos ocorridos na estatal, os fatos seguintes não corroboraram suas afirmações. Os procuradores responsáveis pelo caso recentemente declararam que "o esquema" não foi estancado.
Diante de tantas contradições, vamos e venhamos, à presidente só restava se recolher. Caso optasse por falar, correria o risco de não parar de se desmentir.
Último tango. A comoção que tomou conta da Argentina e a repercussão no continente e no mundo da morte do promotor Alberto Nisman, antes mesmo de esclarecidas as circunstâncias, já aponta para um condenado político: o governo de Cristina Kirchner.
Era o alvo das acusações que o promotor apresentaria em detalhes nesta segunda-feira ao Congresso argentino. A hipótese de suicídio voluntário não se encaixa na jornada em que Nisman estava empenhado.
Foi encontrado morto com um tiro horas antes do momento em que mostraria as provas que recolheu durante anos para demonstrar sua tese de que as autoridades argentinas obstruem as investigações do atentado a entidade da comunidade israelita há 20 anos em Buenos Aires, em troca de acordos comerciais com o governo iraniano suspeito de planejar o crime.
Trazendo para nossa realidade e guardando as proporções, é como se um procurador-geral da República aparecesse morto na véspera de apresentar uma denúncia ao Supremo Tribunal Federal ou se o mesmo acontecesse a uma testemunha que fosse apresentar provas contra governantes numa CPI. De acordo com a imprensa argentina, não há uma terceira hipótese: ou foi suicídio induzido ou assassinato.
Ainda que a Casa Rosada esteja diretamente isenta de responsabilidade, o custo político para a presidente da Argentina será pesado. Voltemos à história do Brasil para lembrar que Getúlio Vargas pagou pelo gesto de Gregório Fortunato na tentativa de assassinato de Carlos Lacerda que acabou na morte no major Rubens Vaz, no atentado da Rua Tonelero.
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