Quem duvidava do compromisso da presidente Dilma Rousseff com a boa gestão do dinheiro público tem mais uma razão, desde a semana passada, para imitar São Tomé e esperar para ver. Consertar as finanças do governo será o primeiro passo para a retomada do crescimento econômico, reconheceu a presidente em seu discurso de posse, mas ninguém pode dizer com segurança, até agora, se ela está mesmo disposta a apoiar medidas de ajuste. As dúvidas aumentaram quando ela, em férias na Bahia, mandou o recém-nomeado ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, desmentir uma declaração sobre mudança na regra de aumento do salário mínimo. Mais que uma ordem, foi uma bronca, segundo a informação vazada certamente com sua autorização. Ao comentar o assunto, o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, descreveu a intervenção presidencial como um puxão de orelha.
O ministro Nelson Barbosa passou pelo governo anterior, teve muito contato com a presidente, deve conhecê-la razoavelmente e jamais foi chamado de ingênuo. Se falou sobre a adoção de nova fórmula para o salário mínimo, a partir de 2016, deve ter sido por se julgar em terreno seguro. Ele já havia defendido a mudança, em maio do ano passado, em estudo apresentado em seminário na Fundação Getúlio Vargas.
O impacto do salário mínimo nas contas federais tem aumentado mais rapidamente que o Produto Interno Bruto (PIB) e essa trajetória é claramente insustentável. Igualmente insustentável é o descompasso entre a rápida elevação do gasto público e a expansão da atividade econômica. O ajuste das contas dependerá da correção dessa anomalia, como indicou o próprio Nelson Barbosa em entrevista à Folha de S.Paulo. A presidente nunca reconheceu publicamente distorções desse tipo. Estará disposta a reconhecê-las ou continuará negando seus erros e atribuindo os males do Brasil à crise internacional?
A promessa de ajuste fiscal foi até agora respaldada por umas poucas ações, como a revisão das normas de acesso a alguns benefícios sociais e a revisão da meta de superávit primário para 2015. Seria difícil de esperar mais que isso, dirão os mais compreensivos, porque o novo governo apenas começa. Mas a herança do governo recém-terminado contamina perigosamente as condições de execução da política econômica.
Essa herança inclui compromissos de cerca de R$ 6 bilhões vinculados à política energética. Nos últimos dias do último governo foram liberados mais R$ 30 bilhões para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e já se fala sobre a necessidade de mais dinheiro para os desembolsos contratados. É difícil de dizer, neste momento, se a nova equipe conseguirá, já neste ano, mudar o esquema de relações do Tesouro com os bancos federais. Além disso, a estratégia de pedaladas financeiras - atraso em pagamentos e transferências - deve ter deixado outras bombas para explodir nos próximos meses. O potencial de estragos ainda será determinado e nenhum esquadrão antibombas poderá evitar os estouros.
A primeira grande missão atribuída oficialmente à equipe econômica está muito longe de qualquer padrão rotineiro. O conserto das contas públicas, danificadas por muitos anos de populismo, incompetência e irresponsabilidade, dependerá em primeiro lugar do comprometimento da presidente Dilma Rousseff com o trabalho saneador. Ela terá de mostrar sua disposição nos próximos meses, contra fortes pressões políticas, e o teste poderá ser muito severo em alguns momentos.
Mas também a equipe será testada. Os ministros da Fazenda e do Planejamento, Joaquim Levy e Nelson Barbosa, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, terão de mostrar o empenho necessário a um trabalho politicamente difícil. Todos têm as condições técnicas indispensáveis, conhecem os problemas e são capazes de apontar as políticas adequadas à arrumação das contas, ao controle da inflação e à retomada do crescimento. Se demonstrarem mais apego ao cargo do que à missão assumida, fracassarão. O voluntarismo da presidente mais uma vez prevalecerá e o grande perdedor será o Brasil.
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