sexta-feira, 27 de setembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

A garantia da democracia – Editorial | O Estado de S. Paulo

O jornalismo está sob ataque em quase todo o mundo, numa ofensiva de proporções e intensidade inéditas na história. Trata-se de um fenômeno particularmente dramático por ocorrer não apenas em países com escassa tradição de liberdade, mas também em nações que se orgulham de seu patrimônio democrático.

Há um sem-número de países cujos governantes vêm se empenhando em desacreditar a imprensa e os jornalistas de forma sistemática, numa campanha que tem como propósito aniquilar o entendimento comum sobre o que é a verdade e o que é a realidade. O objetivo, a esta altura óbvio, é desqualificar as críticas aos que exercem o poder e dar a esses líderes condições de construir sua própria “verdade” – com a qual todos têm de concordar, sob pena de serem considerados “inimigos do povo”.

Essa expressão, comum em regimes autoritários para calar a oposição e justificar a segregação e a aniquilação física dos dissidentes, foi usada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para se referir a jornalistas, como lembrou, em artigo publicado recentemente, o publisher do jornal The New York Times, Arthur Gregg Sulzberger.

Talvez seja esse o aspecto mais dramático dessa ofensiva mundial contra o jornalismo: sua inspiração vem justamente do país que fez da liberdade de expressão e de imprensa o cerne de sua democracia. Mais do que isso: como escreveu Sulzberger, os Estados Unidos sempre foram vistos como grandes exportadores da ideia de que não há democracia sem jornalismo livre, mas agora, graças a Trump, passaram a servir de modelo para autocratas dispostos a calar a imprensa.

O principal alvo de Trump é a imprensa profissional, cujo objetivo é informar de modo independente e acurado. Sistematicamente, o presidente dos Estados Unidos acusa essa imprensa de publicar mentiras ou distorções a respeito de seu governo, rotulando as notícias como “fake news”. É evidente, como demonstra Sulzberger, que o objetivo de Trump não é denunciar erros de fato, mas sim “tirar a legitimidade da notícia real, rejeitando a reportagem factual e imparcial como mentira politicamente motivada”.

Assim, Trump não desmente esta ou aquela reportagem por eventuais problemas, e sim toda e qualquer reportagem que aponte os desarranjos de sua administração e revele as falcatruas em que esteve ou está envolvido. Desde a posse, segundo informou Sulzberger, Trump usou a expressão “fake news” quase 600 vezes em sua conta no Twitter. E de nada adianta demonstrar que as reportagens que Trump denunciou como “falsas” eram corretas e precisas. Segundo o publisher, uma pesquisa mostrou que mais de 80% dos eleitores republicanos confiam mais em Trump do que na imprensa.

O presidente norte-americano tem sido tão bem-sucedido em sua ofensiva contra a imprensa que se tornou modelo para líderes com vocação liberticida ao redor do mundo. O presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, usa o mesmo vocabulário de Trump para se referir aos jornais e aos jornalistas. Já se referiu a “parte da grande imprensa” como “inimiga” e qualifica o noticiário que lhe é desfavorável como “fake news” – no que é ecoado por seus fervorosos seguidores nas redes sociais.

Tudo isso impõe enormes desafios para o jornalismo profissional e independente. Ante a tentativa de Trump e de seus aprendizes mundo afora de relativizar a verdade dos fatos e desacreditar aqueles que se dedicam a reportá-la de maneira rigorosa, mais do que nunca é preciso revigorar a prática jornalística, livrando-a do imediatismo superficial e irresponsável das redes sociais e restituindo-lhe o sentido de serviço público. Nas palavras de Sulzberger, deve-se ir “em busca das histórias que importam, independentemente de serem ou não tendência no Twitter”. Mais do que isso: “Não podemos nos permitir ser atraídos ou aplaudidos para nos tornarmos oposição ou ‘claques’ de alguém. Nossa lealdade tem de ser para com os fatos, não um partido ou um líder, e temos de seguir a verdade aonde ela nos leve, sem medo ou favor”. Essa determinação certamente será apreciada por leitores dispostos a se informar por meio do jornalismo sério – aquele que é desconfortável justamente porque desfaz ilusões sobre os falsos Messias que escarnecem da democracia.

Trump na mira – Editorial | Folha de S. Paulo

Contra impeachment, republicano conta com maioria no Senado e economia forte

Desde sua posse, em janeiro de 2017, o presidente dos EUA, Donald Trump, tem motivado especulações sobre uma eventual interrupção de seu mandato por um processo de impeachment.

Estimuladas pelo perfil populista, um tanto anárquico e com traços antidemocráticos do mandatário, tais conjecturas sempre esbarraram, no entanto, na realidade política do país.

Trump contava e ainda conta com apoio parlamentar mais do que suficiente para afastar a ameaça —apesar de seu partido ter perdido a maioria na Câmara. Além disso, supostos desvios, como a alegada colaboração com agentes russos para se eleger, não se mostraram sólidos o suficiente para motivar uma proposta nesse sentido.

Na terça (24), contudo, o cenário mudou. A democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara, anunciou a abertura de um processo de impeachment contra o republicano.

O motivo é uma conversa telefônica, ocorrida em julho, na qual Trump sugere ao novo presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, que o país investigue Hunter Biden, filho de Joe Biden, vice-presidente no governo de Barack Obama e pré-candidato dos democratas à corrida presidencial de 2020.

O líder americano teria, ademais, interrompido ajuda financeira à Ucrânia como forma de pressão.

Hunter faz parte do conselho de uma empresa de gás que esteve na mira da promotoria ucraniana.

Quando no poder, Joe teria pressionado o então presidente Petro Poroshenko a demitir o procurador-geral Viktor Shokin, que investigava a empresa —um tipo de interferência semelhante à que agora se atribui a Trump.

No entendimento de Pelosi, o uso da condição de presidente para coagir um governante a investigar o filho de um adversário político configura violação à Constituição. “O presidente precisa ser responsabilizado. Ninguém está acima da lei”, disse a parlamentar.

Em que pese o clima de acirramento de ânimos que antecede o ano eleitoral, o ato de Trump não parece, ao menos até aqui, potente o bastante para provocar uma reviravolta de tal monta.

Mesmo na hipótese de a proposta prosperar na Câmara, o julgamento é atribuição do Senado. A Casa, que tem maioria republicana, precisa de dois terços dos votos para concretizar o afastamento.

Embora processos tenham sido instaurados, jamais um presidente dos EUA foi deposto por meio de impeachment. Andrew Johnson, em 1868, e Bill Clinton, em 1998, foram absolvidos. Já Richard Nixon, que provavelmente seria condenado, renunciou em 1974.

Salvo novidades acachapantes, tudo indica que Trump continuará contando com o apoio de seu partido e de suas bases eleitorais —num momento em que as condições ainda bastante favoráveis da economia atuam a seu favor.

Algum otimismo com o mercado de trabalho – Editorial | O Globo

Mas nada estará minimamente consolidado enquanto a reforma da Previdência não for aprovada

Mesmo que ainda haja pessimismo com a retomada em breve do crescimento econômico a taxas capazes de reduzir em ritmo razoável o contingente de 12 milhões de desempregados, as mais recentes estatísticas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) justificam algum otimismo.

Em agosto, pelo quinto mês consecutivo, a economia abriu vagas no mercado de trabalho formal, aquele com carteira assinada: 121.387, o melhor resultado desde o mesmo mês de 2013, na véspera do início da perda de velocidade do PIB, que geraria a maior recessão de que se tem registro, no biênio 2015/16. A produção de bens e serviços encolheu mais de 7%, causa da demissão de centenas de milhares de pessoas. A taxa de desemprego, no nível de 5%, na média de 2013, ultrapassaria os 12% em 2017. Mantém-se nesta faixa, também devido à regra estatística seguida internacionalmente que retira do contingente dos desempregados quem desistiu de procurar recolocação no mercado de trabalho. Aos primeiros sinais de retomada, as pessoas voltam a procurar e, por isso, pode haver elevação do índice de desemprego antes que ele comece a cair.

No período de janeiro a agosto, houve um saldo líquido de 593.497 novos empregos. Um crescimento de 1,5% em relação também aos primeiros oito meses do ano passado. Números modestos, mas animadores, diante da devastação econômica e social promovida pela heterodoxia petista adotada a partir do final do segundo mandato de Lula e aprofundada por Dilma Rousseff. Até que os malabarismos contábeis executados por ela e equipe, para não expor a desobediência a regras constitucionais de responsabilidade fiscal, deram as bases para seu impeachment.

Do ponto de vista macroeconômico, há condições favoráveis à retomada: o Conselho de Política Monetária (Copom), do Banco Central, acaba de cortar a taxa básica de juros de 6% para 5,5%, e ainda sinalizou em sua ata que existe margem para um “ajuste adicional no grau de estímulo monetário”. Traduzindo, pelo menos mais um corte até o final do ano. A inflação continua “ancorada” — os analistas do mercado financeiro, consultados semanalmente pelo BC (Relatório Focus), projetam uma inflação de 3,44% para este ano, abaixo da meta de 4,25%, fixada pelo Conselho Monetário Nacional para este ano.

Mas não existe crescimento por geração espontânea. No caso da economia brasileira, sem o restabelecimento da confiança na solvência do Estado, a ser feita pela reforma da Previdência, seguida de outras, não haverá segurança para a realização dos grandes investimentos de que o país necessita, fator-chave na aceleração do crescimento.

Os bons sinais emitidos por vários setores da economia devem seren tendidos como estímulo para que Congresso e governo federal possam avançar no projeto de ajuste amplo da economia. Nada está resolvido.

Ritmo da economia permite juro baixo por longo tempo – Editorial | Valor Econômico

Se tudo se mantiver como está hoje, hipótese pouco provável, mas admissível, os juros poderão se manter razoavelmente estáveis até meados de 2021

Parece não haver espaço para surpresas positivas sobre o desempenho da economia brasileira no futuro próximo, embora haja lugar para as negativas, vindas do cenário externo. Em seu Relatório de Inflação, de setembro, o Banco Central manteve a perspectiva de crescimento gradual, um pouco melhor em relação à projeção anterior para o ano corrente (de 0,8% para 0,9%) e ligeiramente mais pessimista para 2020 (1,8%) em relação às projeções feitas para o boletim Focus. Serão mais dois anos de expansão medíocre.

No curto prazo, o crescimento acima do esperado no segundo trimestre do ano (0,4%) aumentou, segundo o BC, o carregamento estatístico para os próximos trimestres. A economia mostra avanço lento no terceiro trimestre, que deverá se acelerar na última quadra do ano. Além disso, contribuíram para a projeção maior o comportamento mais positivo da agricultura (1,8% ante 1,1%), um resultado agora positivo (0,1%) da construção civil, ante a perspectiva bastante negativa anterior e a melhora das vendas do comércio. Pelo lado da demanda, o consumo das famílias foi revisado para cima (1,6%) e o dos investimentos, para baixo (2,6%).

Alguns fatores permitem prever uma aceleração (se comparada à lentidão exasperante dos últimos três anos) da atividade econômica. O desemprego tem diminuído e o aumento da ocupação, mesmo que esteja se dando predominantemente no setor informal, é superior ao declínio do rendimento médio real dos trabalhadores. Com isso, a massa salarial real também cresceu no trimestre encerrado em julho (0,2%), como ocorrera no trimestre encerrado em abril (0,7%). Ainda que o desemprego recue lentamente, o aumento da massa salarial favorece o consumo das famílias, que poderá crescer 2,2% em 2020, segundo projeções do BC.

Boa parte da evolução do consumo estará apoiada na expansão do crédito com recursos livres, que cresceu 11,5% nos doze meses encerrados em agosto - o crédito direcionado caiu 2,7% no período - e está sendo destinado mais para pessoas físicas, (14,5%), do que para as empresas (7,5%). O crédito total, para o BC, aumentará menos que o imaginado no início do ano, 5,7% em relação à projeção anterior, de 6,5%. No entanto, em 2020 será bem mais vigoroso, evoluindo 8,1%.

A formação bruta de capital fixo crescerá marginalmente em relação a 2019 (2,9%), e sua recuperação do ciclo recessivo é bem mais lenta do que foi em recessões anteriores. Do pico pré-recessão, no segundo trimestre de 2013, até o fim do período recessivo no quarto trimestre de 2016, a FBCF declinou 32%.

De lá até o segundo trimestre deste ano, cresceu apenas 8,6%. A taxa de investimento, que é a divisão da FBCF pelo PIB, caiu no período 5 pontos percentuais (de 20% para 15%, a grosso modo). Para se ter ideia do estrago, e do longo caminho a percorrer até voltar ao pico de 2013, a demanda aparente de máquinas e equipamentos está hoje 35,4% menor, a de veículos, 43% menor e a de caminhões e ônibus, 41,8% inferior.

Pela letargia econômica, a inflação caminha para ficar mais uma vez abaixo do centro da meta de inflação. Se o BC estiver certo na previsão de evolução do IPCA nos próximos três meses, a inflação em doze meses cairá, de 3,43% para 3,17% em novembro. A média dos sete núcleos de inflação calculados pelo BC, nos doze meses encerrados em agosto a 3,04%, ante 3,41% em maio.

Estes números dão respaldo à decisão do Comitê de Política Monetária de reduzir a Selic de 6% para 5,5% em sua reunião do mês e sinalizar para um corte adicional no curto prazo. O BC fez simulações com juros a 5% e taxa de câmbio a R$ 4,05 e o resultado foi um IPCA de 3,4% em 2019, longe da meta de 4,25%, e de 3,8% em 2020, já próximo da meta de 4%. O relatório traz novos exercícios para prazos mais longos, embora em dois deles, que usam a Selic constante, a taxa seja de 6% e não 5,5% atuais. Com essa taxa e câmbio a R$ 4,05, a inflação não ultrapassaria a meta até o último trimestre de 2021.

No cenário de mercado, em que o juro começa a subir em 2021 e para em 7%, embora a um câmbio mais apreciado do que hoje, a inflação não supera a meta até o terceiro trimestre de 2022. O cenário que menos se desvia para cima do centro da meta de 2022, de 3,5%, considera juros a 7% e câmbio a R$ 4,05.

Resumindo, se tudo se mantiver como está hoje, hipótese pouco provável, mas admissível, os juros poderão se manter razoavelmente estáveis até meados de 2021. Pelos padrões brasileiros, seriam juros reais bem baixos por um período longo de tempo.

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