- Folha de S. Paulo
A tese essencial de Edson Fachin, felizmente, saiu derrotada
Já se formou uma maioria no Supremo em favor da Constituição e do Estado de Direito. A frase deveria soar estranha, absurda, mas vivemos tempos em que tudo é permitido. A Lava Jato perdeu mais uma.
A questão agora é saber quais condenações serão anuladas.
Por 6 votos a 3, os ministros decidiram que as alegações finais do réu delatado têm de ser entregues depois das do réu delator. Divergiram, para a surpresa de ninguém, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.
Marco Aurélio ausentou-se da sessão, e Dias Toffoli, presidente da corte, preferiu suspendê-la. Ainda não votaram. Leiam nas reportagens deste jornal com os devidos detalhes. Quero aqui chamar a atenção para argumentos que invadem o terreno do surrealismo jurídico.
A tese essencial de Edson Fachin, felizmente, saiu derrotada. O relator se agarra ao fato de que inexiste lei que discipline a questão. É verdade! Ocorre que o inciso LV do artigo 5º da Constituição prevê o princípio da ampla defesa.
Como exercer a ampla defesa aquele que nem sabe exatamente do que está sendo acusado? Fachin poderia estar brincando, mas não está. Sua luta contra fundamentos do Estado de Direito é para valer.
E tem parceiros de ofício, como Luiz Fux, próximo presidente da corte, e Roberto Barroso. Ora, ignorar cláusula pétrea da Constituição alegando inexistência de uma lei beira o deboche.
Já vimos leis que foram declaradas inconstitucionais pelos senhores ministros. Mas é a primeira vez que vejo ministros a declarar que parte da Constituição é ilegal. No mundo desse trio exótico, é o rabo que balança o cachorro, não o contrário.
Extrai-se do voto de Barroso esta preciosidade: “O legislador deveria ter feito. É uma interpretação criativa, construtiva, defensável. Se a maioria assim defender, não me oponho. Mas penso que não se pode fazer isso retroativamente, anular com base numa norma processual nova”.
Trata-se de uma abordagem intelectualmente delinquente. Interpretação criativa da Constituição, isto sim, é impedir a ampla defesa. Em especial quando o réu delator será beneficiário da acusação que fizer contra o réu delatado.
Mais do que isso: o réu delator acertou com o órgão acusador os benefícios da delação, que passam pela qualidade da acusação que fizer contra o delatado. Afirmar, como quer Fachin, que estão garantidos o amplo direito de defesa e o contraditório corresponde a uma agressão, antes de mais nada, à verdade.
Chego quase a ficar comovido quando vejo Barroso a atacar o direito criativo. Esse é o ministro que, a partir de um simples habeas corpus, decidiu ignorar a Constituição e o Código Penal para legalizar por ofício o aborto até o terceiro mês de gravidez.
Pouco importa o que você pensa a respeito. Isso não vem ao caso agora. Também exercitando o direito criativo, o doutor resolveu votar pela proibição da vaquejada. Se querem saber, não gosto da coisa. Mas é inconstitucional?
Sob certo ponto de vista, pode-se dizer que o nosso humanista, na sua criatividade sem limites, enxerga uma Carta que protege o rabo da vaca, mas não o feto.
Vamos ver. O voto de Cármen Lúcia, que ficou com a maioria na tese geral, mas contra o caso julgado no dia, abre a janela para que os senhores ministros modulem a decisão. É pouco provável que todas as condenações sejam automaticamente anuladas, voltando à primeira instância.
Em sua fala, Dias Toffoli acenou com a modulação. Uma das possibilidades é haver a anulação quando a defesa, de forma tempestiva, acusou o prejuízo do réu delatado.
Outra, mais trabalhosa, seria rever um a um os casos já julgados e anular apenas aqueles em que o delator apresentou acusações novas contra o delatado na alegação final.
Deixo claro. Entendo que a forma no direito é tão importante como o conteúdo. Defendo que se anule tudo porque se trata de direito fundamental, assegurado pelo artigo 5º da Carta. Mas deve prevalecer alguma acomodação.
Dos males, o menor. O importante é resgatar o princípio e conter os golpistas do Estado de Direito. E isso foi feito.
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