Valor Econômico
O intenso debate atual sobre a necessidade de
reformas nos gastos públicos é um sinal positivo para 2027
O governo enfrenta um impasse em suas contas fiscais. Diante da falta de receitas para cumprir as metas estabelecidas, anunciou um aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o que gerou uma onda de críticas tanto do setor privado quanto do Congresso. A reação levou o governo a recuar e, após negociações com as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, foi anunciada a Medida Provisória 1.303 - que trouxe uma série de alternativas de arrecadação, além de algumas medidas de contenção de gastos. Na última semana, porém, ficou claro que essa saída também encontrará resistência no Congresso.
A resolução desse impasse deve envolver um
acordo sobre a liberação de emendas parlamentares, tema que vem gerando
desgaste no Legislativo, além do provável uso de receitas extraordinárias para
cumprir as metas fiscais de 2025 e 2026. As dificuldades do governo, no
entanto, dizem muito sobre o ajuste que virá em 2027. Por um lado, sugerem que
reformas no controle de gastos virão; por outro, indicam que ainda há espaço
para ajustes pelo lado da receita.
Comecemos pela boa notícia: independentemente
de quem vencer a eleição presidencial de 2026, o país deve caminhar para um
ajuste nas regras fiscais em 2027. A forte reação do setor privado ao aumento
do IOF - e agora às medidas da MP 1.303 - evidencia a dificuldade de promover
ajustes fiscais apenas pelo lado da receita. Dados do Tesouro Nacional mostram
que a carga tributária subiu dois pontos percentuais entre 2023 e 2024,
atingindo 32,3% do PIB - o maior nível dos últimos 15 anos. O governo federal respondeu
por 1,5 ponto percentual desse aumento; os demais 0,5 ponto vieram de Estados e
municípios.
É difícil medir quanto da resistência do
Congresso ao IOF e à MP 1.303 se deve ao desgaste típico de fim de mandato, à
insatisfação com a liberação de emendas parlamentares ou a um verdadeiro
“basta” do setor privado. Mas, com a carga tributária atingindo 32% do PIB e o
setor privado já pressionado por várias medidas de aumento de receita desde
2023, é natural que essa resistência cresça.
Mais relevante é o crescente consenso entre
lideranças políticas sobre a necessidade de ajustar as regras de gastos. A
própria equipe econômica reconhece isso. Segundo a proposta da Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO), caso o ritmo de crescimento dos gastos
obrigatórios persista, a despesa discricionária poderá cair de R$ 221 bilhões
para apenas R$ 9 bilhões entre 2025 e 2029, se mantido o teto atual. Por esta
razão, a equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
chegou a propor ao presidente Lula no fim de 2024 um pacote de medidas para
controle dos gastos obrigatórios. O argumento do ministro era claro: apenas com
o controle das despesas seria possível viabilizar a redução dos juros pelo
Banco Central e o cumprimento das metas fiscais.
Cresce o consenso entre lideranças políticas
sobre a necessidade de ajustar as regras de gastos públicos
O presidente Lula, no entanto, recuou de
iniciativas mais firmes para controle de gastos. Fazer reformas fiscais no meio
do mandato é sempre um desafio - especialmente para este governo. Mas o custo
dessa decisão ficou evidente. Além de enfrentar uma desvalorização cambial após
o recuo (com reflexos sobre a alta de preços de alimentos e o humor popular), o
governo agora enfrenta dificuldades para arrecadar receitas suficientes para
cumprir as metas fiscais.
Ainda assim, o intenso debate sobre a
necessidade de reformas nos gastos públicos é um sinal positivo para 2027.
Reformas estruturais demandam tempo. O fracasso de uma reforma durante um
mandato costuma criar as condições políticas para ela avançar no seguinte. Foi
assim com a reforma da Previdência, proposta no governo Michel Temer e aprovada
no governo Bolsonaro - e pode acontecer novamente em 2027. Caso Lula seja
reeleito, uma reforma pelo lado dos gastos deverá ocorrer - até porque a
ausência de ajustes pode provocar uma nova crise de confiança nas contas
públicas. No caso de vitória da oposição, é provável que o ajuste nas despesas
seja ainda mais profundo.
O impasse em torno do IOF, contudo, também
indica que parte do ajuste de 2027 pode envolver medidas de aumento de receita.
Lideranças partidárias vêm defendendo que a solução inclua medidas
“estruturantes”: tanto o controle de gastos, que enfrenta forte resistência
política, quanto a redução do chamado gasto tributário - as isenções fiscais,
que custam de R$ 500 a R$ 800 bilhões anuais, a depender do cálculo. Reduzir o
gasto tributário tem sido prioridade do governo federal e também foi foco da
gestão de Tarcísio de Freitas em São Paulo. Pelo programa “São Paulo na Direção
Certa”, 14% das isenções de ICMS foram cortadas, gerando economia de R$ 10
bilhões.
Enfrentar o gasto tributário traz desafios
políticos, já que o setor privado resiste ao aumento da carga tributária. No
entanto, o fato de lideranças políticas e o atual governo paulista priorizarem
o tema sugere que o ajuste de 2027 não deverá ficar restrito apenas ao lado do
gasto primário.
*Christopher Garman é
diretor-geral do Eurasia Group
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