segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Enem vira caso de polícia e pode acabar na Justiça

DEU EM O GLOBO

Marcado por erros no primeiro dia, o Enem terminou ontem em meio ao risco de uma guerra judicial. O exame já virou caso de polícia: uma aluna, em Salvador, entrou com queixa-crime requerendo a anulação do teste, e o Ministério da Educação (MEC) chamou a Polícia Federal para apurar o uso de celulares e do Twitter durante a prova. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) considerou as falhas um "desastre" e anunciou que vai pedir ao Ministério Público Federal (MPF) que apure o caso. Os promotores devem analisar o caso hoje. O MEC admitiu que poderá aplicar novas provas para dois mil alunos. São os que responderam as questões do caderno amarelo, que continha erros.

Enem é concluído em meio a dúvidas

Possibilidade de novas provas e risco de anulação geram insegurança sobre teste

Demétrio Weber, Gustavo Paul e Patrícia Duarte

BRASÍLIA E RIO - O segundo e último dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) terminou ontem em meio a ameaças de uma guerra judicial e dúvidas sobre quais serão as consequências dos erros ocorridos nas provas de sábado — em todo o país, o cabeçalho dos cartões de resposta estava invertido, enquanto parte das provas do modelo de cor amarela tinha questões duplicadas ou inexistentes.

Neste último caso, a probabilidade maior é de que um novo teste seja realizado para os cerca de dois mil alunos que foram prejudicados.

O novo teste poderia ocorrer nos dias 6 e 7 de dezembro, quando será realizado o Enem para presídios, repetindo a solução dada em 2009 no Espírito Santo, onde as provas não foram ser aplicadas por causa das chuvas.

Ao todo, segundo números extraoficiais do Ministério da Educação (MEC), aproximadamente 20 mil provas amarelas apresentaram defeitos de impressão e foram distribuídas em pelo menos setes estados, entre eles Santa Catarina, Paraná, Distrito Federal, Minas Gerais, Mato Grosso e Sergipe.

Mas, segundo o reitor da Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo de Sousa Jr., teriam sido 30 mil com defeito.

A gráfica informou a organização do Enem sobre a destinação das provas erradas no sábado à tarde. O Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe), que com a Fundação Cesgranrio foi contratado para aplicar e corrigir a prova, é um órgão da UnB.

Problemas serão tratados caso a caso

Porém, mais de 90% dos alunos teriam percebido o problema a tempo e tiveram suas provas trocadas por outras com dados corretos. O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Joaquim José Soares Neto, disse que nenhum estudante será prejudicado, mas ainda não sabe quando os problemas serão totalmente apurados e solucionados.

— Não posso descartar nenhuma possibilidade — afirmou Soares Neto, ao ser questionado se haveria a necessidade de realizar uma nova prova.

O secretário-executivo do MEC, José Henrique Paim Fernandes, disse ontem que a situação de quem recebeu as provas amarelas com erros está sendo levantada caso a caso, já que se trata de um número “residual”: — A gente não sabe o número residual.
Vai ser apurado. Só aí vamos ver se é necessário (aplicar novo teste).

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) considerou as falhas um “desastre” e anunciou que pedirá ao Ministério Público Federal (MPF) que investigue o caso. Em São Paulo, o MPF já anunciou que fará isso, enquanto participantes do Enem avaliavam a possibilidade de ingressar com ações pedindo a anulação do exame.

O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, disse que ainda é cedo para se pedir o cancelamento. Primeiro, segundo ele, é preciso ter clareza sobre a extensão do problema: — Temos que ver a repercussão que teve no rendimento dos candidatos.

Ele criticou o MEC, lembrando que o Enem de 2009 acabou adiado por causa do vazamento da prova e que o gabarito da edição daquele ano foi divulgado com erros, levando à demissão do então presidente do Inep, Reynaldo Fernandes.

— É um erro que se repete e, por isso mesmo, deve ser apurada a responsabilidade — disse Cavalcante.

Sobre isso, Soares Neto disse que a realização das provas do Enem teve “padrão bastante bom” e que não existe “qualquer possibilidade” de se realizar um novo teste para todos os alunos.

Ele defendeu que o Inep não tem “poder de polícia” e se esquivou das perguntas sobre quem teria responsabilidade sobre as falhas.

O reitor da UnB disse que o erro só pode ter ocorrido na gráfica. Ainda assim, o Inep tem responsabilidades sobre as provas. O edital do processo que escolheu as empresas participantes da preparação dos exames prevê que o instituto tem de “acompanhar e fiscalizar a execução dos serviços, por meio dos servidores designados como representantes da administração, exigindo seu fiel e total cumprimento”.

A estratégia do Inep para contornar o problema no cabeçalho nos cartões de resposta também foi alvo de críticas.

No sábado, o Inep divulgou que quem preencheu o cartão de forma invertida poderá solicitar que a prova seja corrigida também ao contrário, a partir desta quarta-feira, 10 de novembro, e até o dia 16, pelo site http://www.enem.inep.gov.br/.

Para o secretário-executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Gustavo Balduíno, isso cria um problema jurídico. Segundo ele, até quem foi avisado e preencheu corretamente o cartão poderá solicitar a correção na ordem invertida. Ainda mais que, com a divulgação extraoficial dos gabaritos, os candidatos poderão fazer as contas e verificar de qual maneira obtêm mais acertos: na ordem prevista ou na ordem invertida.

Presidente da Cesgranrio, que integra o consórcio responsável pela realização do Enem, Carlos Alberto Serpa de Oliveira, se esquivou das críticas ao exame.

— A Cesgranrio não tem nada a ver com isso. Cabe a ela aplicar e corrigir as provas. Não temos nem acesso às provas impressas.

Segundo o Inep, a abstenção no Enem, no domingo, foi de 29,19% dos candidatos.

O ministro da Educação, Fernando Haddad, esteve no Palácio do Alvorada à tarde para encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A assessoria do MEC negou que ele tenha ido prestar esclarecimentos sobre os problemas.

Haddad acompanhará Lula, hoje, na viagem a Moçambique.

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