- O Globo
Tomara que o próximo governante saiba como resolver o nó energético do país, porque até agora o debate passou apenas pela superfície de uma crise que não tem tamanho. O governo ficou tão temeroso de admitir riscos de falta suprimento em ano de eleição que aprofundou o problema. Se tivesse havido esforço para economizar energia, a tarifa a pagar em 2015 seria menor.
Com campanhas de redução de consumo de luz, racionalização de uso, o país teria diminuído o consumo de energia em 2014. Isso teria poupado água nos reservatórios e menos termelétricas teriam sido usadas. Com menos geração térmica, a conta a pagar seria menor. Porque é assim: quanto mais se usa hoje, mais se paga amanhã. Pelas normas da Aneel, o custo de um ano vai para o seguinte.
A teimosia do governo aumentou a conta do futuro. O especialista Mário Veiga alertou para isso em entrevista que me concedeu no começo deste ano: como choveu bem menos que a média histórica todos os meses, o mais correto do ponto de vista da gestão do setor elétrico seria reduzir o consumo para poupar o bolso e para se prevenir contra o cenário pior.
Quanto maior o consumo das famílias e das empresas, maior é a necessidade de se usar térmicas. Isso eleva o custo das empresas distribuidoras na compra da energia. Outro problema é o das geradoras. Como choveu pouco, as hidrelétricas tiveram menos água nos reservatórios. O ONS mandou que elas gerassem o pico da sua capacidade, mas elas não conseguiram, por falta de água, e foram obrigadas a comprar das térmicas e arcar com a enorme diferença de custos.
O governo é culpado pelo agravamento da crise, por vários motivos. Primeiro, reduziu o preço da energia no momento errado e pelos motivos errados; segundo, adiou o programa de bandeiras tarifárias que entraria em vigor este ano. Será só no ano que vem, porque o governo não quer dar má notícia ao eleitor. O sistema de bandeiras tarifárias funcionaria como um sinal amarelo, o preço subiria quando fosse usada mais energia térmica, que é mais cara. Terceiro, em vez de avaliar sinceramente a grave crise financeira das distribuidoras, preferiu inventar a fórmula do empréstimo via CCEE para empurrar o problema para a conta do ano que vem; quarto, foi ele que, por imperícia nos leilões, deixou empresas descontratadas. Quinto: um empréstimo de R$ 10 bilhões dado pelo Tesouro em 2013 às distribuidoras deveria ter sido pago em 2014, mas foi adiado para depois da eleição.
Ficou conta demais para depois das eleições. As tarifas terão que compensar o empréstimo do Tesouro, os dois empréstimos tomados pela CCEE, os aumentos de custos das empresas e, além disso, entrará em vigor o sistema das bandeiras tarifárias. Como desarmar essa bomba? Ela foi jogada no colo de quem governar o Brasil a partir de 2015.
As geradoras estão arcando com um custo despropositado por não poderem gerar o que lhes manda o ONS. Elas simplesmente não têm água para gerar. E o custo delas não poderá ser repassado porque não está previsto em lei. O governo disse que faz parte do “risco do negócio”. Ora, nenhum setor tem que arcar com um rombo que pode chegar a R$ 20 bilhões por problemas que não foram criados por ele. Isso não é risco do negócio, é erro de gestão governamental.
O Brasil está em uma situação esquisita. Apesar de não ter crescido, foi o país no qual mais aumentou a taxa de carbono na economia, segundo uma pesquisa da consultoria PwC, que acompanha há anos seis anos o grau de “carbonização” dos países. A carbonização da economia brasileira aumentou 5,5% entre 2012 e 2013, pelo uso maior das térmicas, que já começou no ano passado. A nossa matriz está ficando mais suja, apesar de o Brasil estar crescendo pouco.
É muito mais fácil para o governo dizer que tudo que está acontecendo é provocado pela falta das chuvas. A imprevidência da gestão hídrica provocou problemas de abastecimento de água em São Paulo na administração tucana, e isso calou uma parte da oposição. De qualquer maneira, no pouco tempo de um debate, em uma entrevista ou na propaganda eleitoral, é difícil explicar a sucessão de erros do governo na área de energia. Esses quatro anos de Dilma deixam uma pesada herança que será um desafio enfrentar.
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