Decisão, por maioria de votos, de indenizar com dinheiro preso mantido em cadeia sem ‘condições mínimas de humanidade’ cairá sobre quem paga impostos
Guarda uma certa coerência com a cultura de um país em que há uma miríade de bolsas sociais e similares a decisão tomada pelo Supremo, por maioria de votos, na quinta-feira, de estabelecer uma indenização financeira a preso que esteja na cadeia “sem condições mínimas de humanidade”. Por exemplo, com superlotação — a maioria delas.
O veredito foi dado em processo movido por Anderson Nunes da Silva, condenado a 20 anos de prisão por latrocínio (roubo seguido de morte). Nos oito anos passados em regime fechado, na penitenciária de Corumbá, Mato Grosso do Sul — Nunes está em liberdade condicional —, onde não havia as tais condições mínimas de humanidade, ele, devido à superlotação, foi obrigado a dormir com a cabeça no vaso sanitário, alegou.
O primeiro voto a favor de Anderson Nunes foi proferido por Teori Zavascki, recém-falecido, em dezembro de 2014, antes de pedido de vista de Luís Barroso. No fim do julgamento, quinta, Barroso se opôs à indenização financeira — citou as implicações fiscais —, e, junto com Celso de Mello e Luiz Fux, foi voto vencido, porque sete ministros acolheram a tese do pagamento ao preso, fixado em R$ 2 mil (a presidente do STF, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio e Dias Toffoli). Para aumentar a ameaça ao caixa do poder público, a decisão tem repercussão geral, ou seja, terá de ser seguida por todos os tribunais.
O desfecho do processo terminou sendo, infelizmente, um exemplo de falibilidade do juiz. É correta a preocupação de Barroso com o impacto fiscal do veredito. Daí ter proposto redução de pena como indenização básica nesses casos.
Para se ter uma dimensão do número potencial de processos com o mesmo objetivo pecuniário do ex-presidiário de Corumba, considere-se que existem 622 mil presos no país, num sistema penitenciário com apenas 371 mil vagas. Poderão ser, então, dezenas de milhares de indenizações despachadas para estados já deficitários.
Não se defende que a Justiça se omita. O problema é que o único punido com esta decisão é o contribuinte, já sobrecarregado sob a mais pesada carga tributária do bloco dos países emergentes, e uma das mais elevadas do mundo. O culpado pelas más condições das penitenciárias são governos de estados, onde se encontram os estabelecimentos. Na área federal, são poucas as cadeias.
Recente reportagem do GLOBO revelou que, desde 2007, o governo federal foi forçado a cancelar 72 obras no sistema de penitenciárias. O recordista é o Rio de Janeiro, com 12 contratos rompidos, que resultariam na criação de 1.499 vagas. Em seguida, vem o Rio Grande do Sul, com nove contratos. Entre as causas, atrasos, falta de documentos, todos problemas de má gestão.
De tudo resulta que deve nascer mais uma indústria de indenizações, agravando a falta de dinheiro para reforma, ampliação ou construção de cadeias. Um círculo vicioso sem fim.
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