Na entrega do Camões, escritor foi rebatido pelo ministro Roberto Freire
Ubiratan Brasil | O Estado de S.Paulo
O escritor Raduan Nassar fez um discurso explosivo e anti governo ao receber o Prêmio Camões na manhã desta sexta-feira, 17, em São Paulo. "Não podia ficar calado" , disse ele depois de, entre outros assuntos, criticar a indicação de Alexandre de Moraes para o Supremo Tribunal Federal - corte que, para ele, ainda mantém uma rotina da época da ditadura militar. Presente à cerimônia, o ministro da Cultura, Roberto Freire, respondeu às críticas, insinuando que Nassar deveria devolver o prêmio oferecido pelo governo - o Camões, na verdade, é outorgado pelos governos do Brasil e de Portugal. Em meio à troca de alfinetadas, a plateia também participou de forma agressiva, com interrupções ao discurso do ministro e a réplicas da parte dele.
"O Supremo nada fez para impedir que Eduardo Cunha instaurasse o processo de impeachment que derrubou a presidente Dilma, mulher digna. Foi um golpe", disse Nassar que, ovacionado, foi aclamado também com gritos de "Fora, Temer", vindos de uma plateia formada, em sua maioria, por editores, escritores e representantes do mercado editorial.
O discurso de Freire inverteu a ordem natural da cerimônia - esperava-se que Nassar fosse o último a discursar. Assim, depois de ouvir a presidente da Biblioteca Nacional, Helena Severo (que, em dois momentos, referiu-se a Raduan como Nasser), ao próprio escritor e ao embaixador de Portugal no Brasil, Jorge Cabral, Freire respondeu que só os mais velhos realmente sabem o que foi viver durante o regime militar. "Que os jovens critiquem hoje, não há perplexidade, mas quem dá prêmio ao adversário não é representante da ditadura." "É fácil fazer crítica durante um regime democrático", continuou.
Nesse momento, o crítico literário Augusto Massi interrompeu a fala do ministro e disse: "O senhor não tem direito de estar aqui - deixe a obra de Raduan falar". A reação provocou tanto apoio como apupos. A fervura política se espalhava pela plateia e houve até uma ameaça de troca de sopapos, interrompida pelo bom senso dos próprios envolvidos.
"Passei a noite em claro, revisando o discurso. Eu o mudei ao menos três vezes", disse Raduan ao Estado, que criticou a nomeação de Alexandre de Moraes para o STF, a prisão recente de Guilherme Boulos e a diplomacia de Temer. Também questionou a provoção de Moreira Franco a ministro, medida ratificada pelo STF. "Em sua decisão, o ministro Celso de Mello acrescentou um elogio superlativo a Gilmar Mendes por ter barrado Lula para a Casa Civil. Dois pesos e duas medidas."
Ao Estado, Freire disse que esperava tal reação acalorada que marcou a cerimônia. "As pessoas que agora chamam esse governo democrático de autoritário só podem fazer isso porque vivemos em uma democracia. Se fosse durante a ditadura, nada disso seria possível."
À tarde, o Ministério da Cultura emitiu um comunicado com os seguintes dizeres: "“O Ministério da Cultura (MinC) lamenta, mais uma vez, a prática do Partido dos Trabalhadores em aparelhar órgãos públicos e organizar ataques para tentar desestabilizar o processo democrático. Durante a cerimônia de entrega do Prêmio Camões de Literatura, em São Paulo, o ministro da Cultura, Roberto Freire, teve sua fala interrompida por manifestantes partidários, sinal de desrespeito à premiação oficial dos governos de Brasil e Portugal".
"Lamentei que tudo isso tenha acontecido", comentou o editor Luiz Schwarcz, diretor presidente do Grupo Companhia das Letras. "Claro que Raduan poderia dizer o que bem entendesse, mas seria melhor deixar seu discurso por último. Também não posso aprovar a reação da plateia, que interrompeu um discurso."
No meio de tudo isso, Raduan Nassar deixou o local depois de muitos abraços, beijos, selfies e autógrafos, além de um diploma que representa o prêmio de 100 mil euros, valor arcado igualmente pelos governos brasileiro e português. Roberto Freire, depois de tomar uma água e distribuir abraços, deixou o local antes do final da festa.
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