domingo, 19 de dezembro de 2021

Eliane Cantanhêde: Quem ‘ripa’ poderá ser ‘ripado’

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro ‘ripou’ quem lhe desagradou e está sendo ‘ripado’ pelo eleitor

Ao assumir a Presidência, uma das primeiras providências de Jair Bolsonaro foi punir o fiscal do Ibama que o multou por pesca ilegal em santuário ecológico. Uma mesquinharia e o prenúncio de que estava disposto a fazer o que bem entendesse, impor suas próprias convicções e visões de mundo e usar os instrumentos de poder em favor dele e dos filhos, amigos e aliados e contra quem lhe desagradasse.

Não sossegou até tirar o delegado Maurício Valeixo da direção-geral da PF e o ex-juiz Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Moro, bem mais popular do que ele, não admitia a ingerência política do presidente na PF, órgão de Estado, armado e responsável por investigações, logo, autônomo por definição.

Valeixo foi apenas a vítima mais lustrosa na PF. Remoendo desde 2018 a antipatia pelo primeiro delegado responsável por sua campanha, Bolsonaro tratou de afastá-lo ao descobrir, no tenso 7 de Setembro, que ele ocupava uma função chave na PF, onde a lista de perseguidos é grande.

Mas não para aí. Bolsonaro “ripou” o presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) após o embargo de uma obra do bolsonarista Luciano Hang. Como “ripou” a cúpula do Inmetro e um candidato ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) para nomear quem fizesse o jogo das empresas. Não dá uma palavra sobre desemprego e fome, mas cuida bem dos endinheirados.

Os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich caíram por não se sujeitarem a um presidente que dá de ombros para a ciência e os órgãos técnicos do governo e que pôs um capacho no Ministério da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello, até achar Marcelo Queiroga, um médico disposto a adotar a máxima de que “um manda, o outro obedece”.

Em vez de comemorar a vacinação de 67% dos brasileiros com a dose completa, Queiroga titubeia e tropeça no passaporte de vacinas, na imunização de crianças e no apagão do Conecte SUS. Por quê? “O que manda” combate a vacina, não o vírus.

Na contramão de Pazuello e Queiroga, o contra-almirante médico Antonio Barra Torres descolou-se das guerras pessoais de Bolsonaro contra máscaras e vacinas e a favor da cloroquina, transformando-se no novo alvo n.º 1. Mas não pode ser “ripado”. Bolsonaro pediu os nomes dos técnicos da Anvisa que deram parecer pela vacinação de crianças, como nos EUA e em 30 outros países, e Barra Torres reagiu: lideraria a lista.

É fácil, portanto, entender por que a aprovação, o apoio e os votos de Bolsonaro esfarinham e ele é o grande eleitor de Luiz Inácio Lula da Silva. Quem está sendo “ripado” é Jair Messias Bolsonaro.

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