sábado, 17 de fevereiro de 2024

Pablo Ortellado - Diferenças superestimadas

O Globo

Temos mais evidências de que as meninas têm se tornado mais de esquerda em alguns lugares

Três semanas atrás, comentei aqui no GLOBO um levantamento feito pelo jornal britânico Financial Times mostrando a crescente disparidade política entre homens e mulheres jovens. A tese do artigo era que a diferença entre eles e elas se tornou mais acentuada, com os meninos mais conservadores e as meninas mais progressistas. O fenômeno era global, aparecendo em países tão diferentes como Estados UnidosReino UnidoChina e Coreia do Sul.

O artigo do Financial Times gerou enorme repercussão na imprensa em todo o mundo. Parecia mostrar, por um lado, o avanço do feminismo nas novas gerações e, por outro, uma espécie de reação machista nos mais jovens, cuja expressão mais extrema seriam os incels (“celibatários involuntários”, jovens misóginos que culpam o feminismo por não conseguirem ter relações sexuais).

A grande repercussão do artigo despertou o interesse de muitos pesquisadores, que tentaram encontrar em seus bancos de dados evidências da divergência política entre homens e mulheres jovens. Um debate frutífero teve início. De maneira geral, ele tem mostrado que talvez existam divergências crescentes entre homens e mulheres jovens em alguns temas, em alguns países, mas a tendência não é tão clara nem tão acentuada.

Sabemos que, em algumas bases de dados, a diferença na identificação como liberal e conservador tem aumentado entre homens e mulheres jovens nos Estados Unidos. Mas isso se deve mais às meninas se identificarem como liberais do que a qualquer mudança significativa na identificação dos meninos. Noutras bases de dados essa mudança nem é capturada ou é bem pequena e, em algumas, os meninos se tornam mais democratas com o tempo. Enfim, a tendência não é clara. No Reino Unido, tampouco. Os dados são um pouco mais consistentes para a Coreia do Sul, que passa por transformações importantes nas relações entre homens e mulheres de todas as idades.

Não houve manipulação dos dados pelo jornalista do Financial Times, um repórter de dados respeitado que se apoiou no trabalho de uma pesquisadora séria: Alice Evans, da Universidade Stanford. O conservadorismo crescente dos meninos jovens pode existir, mas seguramente é mais localizado e mais sutil do que a reportagem sugeria — temos mais evidências de que as meninas têm se tornado mais de esquerda em alguns lugares.

Instigado pelo debate, olhei para dados do Brasil e queria compartilhar os resultados. Trabalhei com a base de dados World Values Survey, uma série de pesquisas de opinião aplicada em todo o mundo, antes coordenada pelo cientista político Ronald Inglehart, sobre quem falei na coluna de 27 de janeiro.

Montei uma escala de machismo a partir de cinco afirmações do questionário com que os respondentes podiam concordar ou discordar (afirmações como: “homens são melhores líderes políticos do que as mulheres” ou “fazer faculdade é mais importante para os homens do que para as mulheres”). A escala tem 7 pontos e, na média, a população pontuou muito baixo. Os resultados separados por gênero e idade para os anos de 2006, 2014 e 2018 estão no primeiro gráfico abaixo.

Como se vê, homens são um pouco mais machistas do que mulheres nas duas faixas de idade, e os mais jovens dos dois sexos são menos machistas que os mais velhos. Nada disso é novidade. São os resultados esperados pelo senso comum. No segundo gráfico vemos que, embora a diferença de homens para mulheres seja mesmo maior entre os mais jovens em 2006, ela se inverte em 2014 e volta a ser maior em 2018 — a tendência não é clara e não é muito significativa. Isso não é o suficiente para dizer que o fenômeno não existe no Brasil. Pode ser que institutos como Datafolha e Quaest o tenham capturado, mas acho improvável que encontremos uma tendência marcante.

 

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