Folha de S. Paulo
Ataque ao Irã agrava cenário, enquanto segue
a campanha criminosa contra palestinos e a sabotagem ao multilateralismo
O ataque "preventivo" contra o Irã
determinado pelo premiê de Israel, Binyamin
Netanyahu, com a ajuda do presidente dos EUA, Donald Trump,
é um sonoro e perigoso desastre.
Em
desrespeito às regras do direito internacional, um país foi agredido sob a
alegação de que estaria prestes a produzir um artefato nuclear —paradoxalmente,
no transcorrer de um processo de negociações diplomáticas a respeito do
assunto.
Os dois líderes, notórios trampolineiros à frente de países com poderio nuclear, investiram numa ação irresponsável, acenando com resultados que não foram atingidos. O cenário global poderá agravar-se, oferecendo ao regime iraniano mais motivos para buscar a bomba, que lhe daria capacidade de defesa e influência regional.
Netanyahu justificou os ataques ao considerar
que o Irã representa ameaça
existencial a seu país.
Como deveria então ser classificada a
operação genocida em Gaza, que já vai muito além do que seria uma resposta
legítima ao atentado terrorista do Hamas? "Ameaça existencial" parece
pouco para designar a campanha criminosa contra o povo palestino, que o
palavreado oficialista chama de "obliteração" de Gaza —a destruição,
a matança indiscriminada de civis, crianças e mulheres e a inominável tortura
pela supressão de víveres. E o que dizer da colonização da Cisjordânia? Algum
adulto na sala realmente acredita que Netanyahu tem em mente uma "solução
de dois Estados"?
Trump, que tende a considerar as
manifestações de exaustão de boa parte da sociedade americana com guerras
longínquas e injustificáveis, deixou-se
atrair para a aventura, quem sabe por não resistir à tentação de
exibir mais uma vez ao mundo o falo geopolítico e militar de seu pais, que
agora se confunde com o seu.
Os dois colegas de supremacismo e inclinações
autocráticas são na realidade uma ameaça existencial a um mundo melhor. O
republicano do
movimento Maga (Make America Great Again) investe contra a ordem
liberal, o livre comércio, as instituições democráticas e os direitos civis.
Netanyahu é um criminoso de guerra, que coloca suas ambições acima de tudo.
Nada disso faz da teocracia
que substituiu o regime do xá Reza Pahlavi alguma coisa menos sinistra
do que sempre foi. O mundo não é um lugar de líderes virtuosos com índole
secular e democrática.
A realidade, para chover no molhado, é
complexa, e o caminho da diplomacia e do multilateralismo seria o mais
razoável, embora —ou por isso mesmo— poucas vezes tenha sido tão sabotado.
São sugestivos os sinais de que a ordem
mundial de Trump leve em conta, do ponto de vista militar, o respeito às áreas
de influência das superpotências —Russia, China e sua America.
A Europa, ainda um polo de defesa de direitos
e princípios civilizatórios, é empurrada para um limbo geopolítico —e o
resultado será investir mais em militarização.
No Oriente Médio,
Trump tenta dar as mãos para a ditadura monárquica da Arábia Saudita e o
governo da extrema direita de Israel. Rússia e China se manifestam
discretamente e não se metem.
Sendo assim, enquanto o conflito na Ucrânia
prossegue e a guerra liderada por Israel também, não é improvável que a China
logo se sinta mais à vontade para realizar seu projeto de anexação de Taiwan.
Ameaça é o que não falta.
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