Valor Econômico
Episódio da alta do tributo escancara os riscos da falta de uma estratégia para enfrentar os problemas estruturais das contas públicas
A elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), anunciada na quinta-feira, foi marcada por confusões, levando o governo a recuar horas depois da taxação de aplicações de fundos brasileiros no exterior e no aumento do tributo nas remessas destinadas a investimentos. Com a avaliação de que poderiam ser um passo na direção do controle de capitais, as medidas provocaram uma reação negativa imediata do mercado. O episódio, porém, não mostra apenas o improviso na elaboração e divulgação de uma iniciativa voltada para o cumprimento das regras e das metas arcabouço fiscal. Ele evidencia também os riscos da falta de uma estratégia para enfrentar os problemas estruturais das contas públicas, o que faz o governo optar por uma série de medidas de curto prazo, como um aumento do IOF para elevar rapidamente a arrecadação.
“A majoração do IOF é sinal de desespero,
refletindo a exaustão de mecanismos usuais que permitam acomodar a ânsia por
mais gastos da União”, dizem os economistas da BRCG Consultoria Livio Ribeiro,
também pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getulio Vargas (FGV Ibre), e Matheus Rosa Ribeiro. “Medidas distorcivas, como o
aumento do IOF, nos afastam de um sistema tributário eficiente e promotor do
crescimento econômico, além de introduzir barreiras ao livre trânsito de capitais
pela fronteira brasileira”, escrevem eles, em relatório.
Na visão dos economistas da BRCG, “os
expedientes usuais para obtenção de receita parecem se exaurir” e o espaço para
gastos discricionários, como o custeio da máquina pública e o investimento,
“flerta com limites operacionais mínimos”. É um cenário preocupante, observam
eles, lembrando que serão necessários esforços fiscais significativos nos
próximos anos. “E a sinalização das medidas implementadas, em seu atropelo e
falta de coordenação, foi basicamente tudo o que não precisávamos em momento de
reconstrução da credibilidade fiscal e necessidade de atração de capital
externo”, apontam os analistas.
Para eles, há importantes implicações das
mudanças no IOF sobre a percepção fiscal. “Nas contas oficiais, novos
contingenciamentos serão necessários para acomodar o decreto modificado do IOF,
com potencial arrecadatório menor - o governo sinaliza impacto contido, mas
ainda não há uma nova estimativa oficial”, escrevem. A previsão inicial era
arrecadar R$ 20,5 bilhões neste ano com a alta do tributo, que envolve taxação
de operações de crédito, câmbio e previdência. A revogação das duas medidas
implica perda de R$ 2 bilhões, segundo cálculos do Ministério da Fazenda.
Para além desse ponto, dizem os analistas da
BRCG, “é necessário perceber que aumentar a tributação sobre transações
financeiras costuma estar associado a paliativos para a nossa crônica
insuficiência fiscal, sem atacar as questões estruturais”.
Esse é o problema principal da política
fiscal do atual governo, baseada no esforço de curto prazo para cumprir as
exigências do arcabouço. Isso evita um quadro explosivo no curto prazo, mas não
afasta as incertezas sobre a trajetória das contas públicas em períodos mais
longos. Não há expectativa de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva pretenda enfrentar os mais do que conhecidos problemas estruturais das
contas públicas, que fazem os gastos obrigatórios crescerem a um ritmo elevado.
É o caso da vinculação de benefícios previdenciários e assistenciais ao salário
mínimo e da correção de gastos com saúde e educação pela variação da receita.
Também não está no radar do governo uma revisão mais ampla dos gastos
tributários, os subsídios e renúncias fiscais que devem custar R$ 544,5 bilhões
neste ano à União, o equivalente a 4,4% do PIB.
Além do anúncio atabalhoado da elevação da
IOF, o governo também divulgou na quinta-feira o congelamento de R$ 31,3
bilhões de gastos no relatório bimestral de reavaliação de despesas e receitas.
A contenção de dispêndios superou as estimativas do mercado e o governo foi
mais conservador nas projeções de receita, indicando uma reprogramação mais
realista do orçamento. Ainda assim, o governo desistiu de mirar o centro da
meta fiscal deste ano, que prevê zerar o resultado primário (exclui gastos com
juros). Mesmo com o congelamento de gastos e o aumento de receitas a ser gerado
pelo aumento do IOF, a expectativa é de um déficit de R$ 31 bilhões, o limite
inferior da meta de 2025, que permite um rombo de 0,25% do PIB. Além disso, o
pagamento de R$ 44,1 bilhões em precatórios (dívidas decorrentes de sentenças
judiciais) é excluído dos gastos, não sendo contabilizado para o cálculo da
meta.
Em resumo, o governo não vai zerar o
resultado primário nem mesmo com uma contenção de R$ 31,3 bilhões de despesas e
um aumento de receitas de cerca de R$ 20 bilhões, devido à elevação do IOF. Se
o relatório mostrou um quadro mais realista das projeções para a situação das
contas públicas em 2025, também indicou que, mesmo com um congelamento de
despesas acima do que o mercado projetava e com uma medida de aumento da
arrecadação que não se esperava, ainda haverá déficit primário. O mais
preocupante, porém, foi de fato a decisão sobre o IOF, apontando “atropelo e
falta de coordenação na equipe econômica”, como dizem os economistas da BRCG.
Para eles, “são crescentes os sinais de exaustão na política fiscal
brasileira”. Difícil discordar.
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