segunda-feira, 26 de maio de 2025

Aumento do IOF evidencia sinais de exaustão da política fiscal - Sergio Lamucci

Valor Econômico

Episódio da alta do tributo escancara os riscos da falta de uma estratégia para enfrentar os problemas estruturais das contas públicas

A elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), anunciada na quinta-feira, foi marcada por confusões, levando o governo a recuar horas depois da taxação de aplicações de fundos brasileiros no exterior e no aumento do tributo nas remessas destinadas a investimentos. Com a avaliação de que poderiam ser um passo na direção do controle de capitais, as medidas provocaram uma reação negativa imediata do mercado. O episódio, porém, não mostra apenas o improviso na elaboração e divulgação de uma iniciativa voltada para o cumprimento das regras e das metas arcabouço fiscal. Ele evidencia também os riscos da falta de uma estratégia para enfrentar os problemas estruturais das contas públicas, o que faz o governo optar por uma série de medidas de curto prazo, como um aumento do IOF para elevar rapidamente a arrecadação.

“A majoração do IOF é sinal de desespero, refletindo a exaustão de mecanismos usuais que permitam acomodar a ânsia por mais gastos da União”, dizem os economistas da BRCG Consultoria Livio Ribeiro, também pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), e Matheus Rosa Ribeiro. “Medidas distorcivas, como o aumento do IOF, nos afastam de um sistema tributário eficiente e promotor do crescimento econômico, além de introduzir barreiras ao livre trânsito de capitais pela fronteira brasileira”, escrevem eles, em relatório.

Na visão dos economistas da BRCG, “os expedientes usuais para obtenção de receita parecem se exaurir” e o espaço para gastos discricionários, como o custeio da máquina pública e o investimento, “flerta com limites operacionais mínimos”. É um cenário preocupante, observam eles, lembrando que serão necessários esforços fiscais significativos nos próximos anos. “E a sinalização das medidas implementadas, em seu atropelo e falta de coordenação, foi basicamente tudo o que não precisávamos em momento de reconstrução da credibilidade fiscal e necessidade de atração de capital externo”, apontam os analistas.

Para eles, há importantes implicações das mudanças no IOF sobre a percepção fiscal. “Nas contas oficiais, novos contingenciamentos serão necessários para acomodar o decreto modificado do IOF, com potencial arrecadatório menor - o governo sinaliza impacto contido, mas ainda não há uma nova estimativa oficial”, escrevem. A previsão inicial era arrecadar R$ 20,5 bilhões neste ano com a alta do tributo, que envolve taxação de operações de crédito, câmbio e previdência. A revogação das duas medidas implica perda de R$ 2 bilhões, segundo cálculos do Ministério da Fazenda.

Para além desse ponto, dizem os analistas da BRCG, “é necessário perceber que aumentar a tributação sobre transações financeiras costuma estar associado a paliativos para a nossa crônica insuficiência fiscal, sem atacar as questões estruturais”.

Esse é o problema principal da política fiscal do atual governo, baseada no esforço de curto prazo para cumprir as exigências do arcabouço. Isso evita um quadro explosivo no curto prazo, mas não afasta as incertezas sobre a trajetória das contas públicas em períodos mais longos. Não há expectativa de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretenda enfrentar os mais do que conhecidos problemas estruturais das contas públicas, que fazem os gastos obrigatórios crescerem a um ritmo elevado. É o caso da vinculação de benefícios previdenciários e assistenciais ao salário mínimo e da correção de gastos com saúde e educação pela variação da receita. Também não está no radar do governo uma revisão mais ampla dos gastos tributários, os subsídios e renúncias fiscais que devem custar R$ 544,5 bilhões neste ano à União, o equivalente a 4,4% do PIB.

Além do anúncio atabalhoado da elevação da IOF, o governo também divulgou na quinta-feira o congelamento de R$ 31,3 bilhões de gastos no relatório bimestral de reavaliação de despesas e receitas. A contenção de dispêndios superou as estimativas do mercado e o governo foi mais conservador nas projeções de receita, indicando uma reprogramação mais realista do orçamento. Ainda assim, o governo desistiu de mirar o centro da meta fiscal deste ano, que prevê zerar o resultado primário (exclui gastos com juros). Mesmo com o congelamento de gastos e o aumento de receitas a ser gerado pelo aumento do IOF, a expectativa é de um déficit de R$ 31 bilhões, o limite inferior da meta de 2025, que permite um rombo de 0,25% do PIB. Além disso, o pagamento de R$ 44,1 bilhões em precatórios (dívidas decorrentes de sentenças judiciais) é excluído dos gastos, não sendo contabilizado para o cálculo da meta.

Em resumo, o governo não vai zerar o resultado primário nem mesmo com uma contenção de R$ 31,3 bilhões de despesas e um aumento de receitas de cerca de R$ 20 bilhões, devido à elevação do IOF. Se o relatório mostrou um quadro mais realista das projeções para a situação das contas públicas em 2025, também indicou que, mesmo com um congelamento de despesas acima do que o mercado projetava e com uma medida de aumento da arrecadação que não se esperava, ainda haverá déficit primário. O mais preocupante, porém, foi de fato a decisão sobre o IOF, apontando “atropelo e falta de coordenação na equipe econômica”, como dizem os economistas da BRCG. Para eles, “são crescentes os sinais de exaustão na política fiscal brasileira”. Difícil discordar.

 

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