segunda-feira, 26 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É incoerente governo americano pressionar STF

O Globo

Trump persegue adversários e corteja ditadores. Não tem cabimento Rubio tentar dar lições de democracia

O secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, afirmou que “há grande possibilidade” de aplicação de sanções contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STFAlexandre de Moraes — há estudos para punir também outros ministros do Supremo. A iniciativa revela a incoerência flagrante da atual diplomacia americana.

Rubio deu a declaração em depoimento à Comissão de Relações Exteriores do Congresso, respondendo à pergunta de um deputado republicano sobre a posição da Casa Branca diante do que chamou de “perseguição política” no Brasil e da “prisão iminente” do ex-presidente Jair Bolsonaro. A justificativa para as sanções é a versão fantasiosa, disseminada entre os trumpistas, segundo a qual o Supremo brasileiro persegue e censura os bolsonaristas. Ora, não há perseguição política aqui. Bolsonaro e os demais denunciados por tentativa de golpe de Estado respondem a processo com todos os direitos constitucionais garantidos aos réus.

É uma situação que contrasta com a dos Estados Unidos, onde o presidente Donald Trump tomou sucessivas medidas em desafio às normas democráticas. Seu mandato é marcado por retaliações contra aqueles que considera inimigos. É o caso de universidades como Harvard, submetida a suspensão de verbas por desafiar a tentativa de intervenção do governo em sua gestão e, no último lance de perversidade, proibida de aceitar alunos estrangeiros (proibição até o momento revertida por decisão judicial). Ou dos escritórios de advocacia que atendem adversários políticos ou atuaram em processos contra Trump, alguns deles forçados a negociar a revogação das penalidades em troca de serviços advocatícios ao governo (outros também compelidos a recorrer à Justiça). Ou ainda das agências reguladoras federais, cujos conselheiros ou presidentes Trump tenta demitir em desafio ao mandato fixo assegurado por lei (entre elas, o Federal Reserve, banco central americano).

Trump também não disfarça sua simpatia por déspotas mundo afora. Seu pendor pelas ditaduras é eloquente no caso da guerra na Ucrânia. Atraiu o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ao Salão Oval da Casa Branca sob o pretexto de assinar um contrato de acesso americano a jazidas minerais em troca de garantias de segurança. O democrata Zelensky se viu numa emboscada, acossado como culpado pela guerra com a Rússia de Vladimir Putin. Ao mesmo tempo, o autocrata Putin — responsável pelo conflito ao invadir o território ucraniano — tem sido tratado com deferência singular por Trump.

Outro ditador que Trump cortejou em seu giro recente pelo Oriente Médio foi o emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani, de quem ganhou de presente um luxuoso Boeing 747, avaliado em US$ 400 milhões, logo incorporado às aeronaves presidenciais. Na mesma viagem, visitou a Arábia Saudita, onde trocou efusivos cumprimentos com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (MBS), a cujo governo não poupou elogios. MBS é conhecido pela crueldade com que trata seus inimigos (o caso mais célebre foi o jornalista dissidente Jamal Khashoggi, assassinado no consulado saudita de Istambul, depois esquartejado).

Como se vê, nem a diplomacia nem a atual administração americana têm condições de dar aulas de democracia a ninguém.

Combustível sustentável para a aviação requer agilidade em Brasília

O Globo

Investidores apostam em atender demanda gerada por substituição do querosene, mas falta regulação

A partir de 2027, as companhias aéreas deverão cortar 1% das emissões de carbono nos voos domésticos, percentual que subirá até 10% em 2037. Já começou uma corrida para garantir o cumprimento da meta. Depois do pioneirismo no álcool, o Brasil tem agora a oportunidade de tornar-se importante fornecedor de combustível sustentável para a aviação, conhecido pela sigla SAF, substituto do querosene derivado do petróleo. O essencial o país tem: tecnologia e grande disponibilidade de biomassa, fonte de matéria-prima dos biocombustíveis.

O projeto da Petrobras é o mais avançado. Ele parte do coprocessamento de óleos vegetais em refinarias de São Paulo, Rio e Minas Gerais. A Acelen, braço do fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos, controlador da refinaria de Mataripe, na Bahia, prevê para o ano que vem o início da produção de SAF no estado, a partir da macaúba, fruto de uma palmeira nativa. A Acelen constrói sua biorrefinaria integrada a 180 mil hectares dessa palmeira de sete a dez vezes mais produtiva que a soja — outra matéria-prima do SAF — e também mais sustentável (além de ser usada na recuperação de áreas degradadas). Há também o projeto da Brasil BioFuels (BBF), em Manaus, maior produtora de óleo de palma da América Latina.

As três empresas investem R$ 28 bilhões para produzir o biocombustível para aviação no Brasil, de acordo com relatório da consultoria britânica L.E.K. Consulting produzido a pedido do GLOBO. Há grande interesse de investidores. Em chamada feita pela Finep e pelo BNDES, foram apresentadas 76 propostas de biorrefinarias destinadas à produção de combustíveis sustentáveis para aviação e navegação, representando investimento total de R$ 167 bilhões. Segundo o presidente da Finep, Celso Pansera, 43 das propostas são para produzir SAF.

A demanda por SAF, diz o relatório da L.E.K., atingirá 126 milhões de litros em 2027 e chegará a 1,75 bilhão de litros anuais na década seguinte. As companhias aéreas terão um gasto adicional de US$ 140 milhões no primeiro ano da transição, até chegar a US$ 1,4 bilhão. Mas é primeiro preciso resolver uma equação financeira para tornar o SAF viável. Seu custo de produção é, em média, de 2,5 a três vezes superior ao do querosene. É preciso baixá-lo por meio de ganhos de produtividade. “Se não houver mandatos dos governos, incentivos para a cadeia de produção e taxação de carbono, a conta não para em pé, sob uma ótica puramente econômica”, diz Clayton Souza, sócio no Brasil da L.E.K.

A Gol, que participa das discussões, afirma que não há espaço para que o aumento de custo seja absorvido pelos passageiros e pelas companhias. Diz acreditar que o governo está atento à questão. Para a Latam, o maior desafio é a regulamentação da Lei de Combustíveis do Futuro, para dar segurança jurídica a todo o negócio. O Brasil tem condições de ser uma plataforma de exportação do produto. Será inaceitável se a lentidão de Brasília prejudicar atividade tão promissora.

Governo dá mau passo com IOF e amplia descrédito fiscal

Valor Econômico

Para evitar cortes de despesas, mais uma vez o governo mete os pés pelas mãos, cria muita confusão e permite que a imagem positiva de alguns bons passos no controle do orçamento se dissolva em uma nuvem de insatisfação

Os anúncios da performance fiscal da União, e as formas de corrigi-la para atingir a meta, têm causado surpresas e espanto. Em novembro, um pacote de corte de gastos frouxo veio acompanhado de medida de redução da arrecadação, a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil. O dólar disparou. Na divulgação na quinta-feira da revisão bimestral de receitas e despesas, com a decisão de contenção de despesas até mais forte que o esperado, a novidade foi o aumento de receitas via IOF, que atingiu aplicações de investidores brasileiros no exterior e remessas destinadas a investimentos, entre outros, com forte reação negativa nas bolsas e no mercado de câmbio. Em ambas as situações, as medidas tomadas foram mal costuradas, indicando descoordenação, divergências no governo ou ambas. À noite, horas depois, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recuou de parte das medidas de arrecadação, como elevar o IOF a 3,5% nas movimentações de investidores e fundos.

A repercussão negativa do aumento do IOF em geral, e da taxação das remessas para investimentos em particular, se sobrepôs à sóbria e realista contenção de despesas de R$ 31,3 bilhões anunciada. Ao excesso de despesas primárias sobre o limite, foi aplicado bloqueio de R$ 10,64 bilhões.

Depois de ficar sem orçamento até março, a segunda avaliação (não houve a primeira) foi mais fiel ao desempenho tanto de despesas como de receitas. No primeiro caso, a projeção de gastos com benefícios da Previdência cresceu em R$ 16,7 bilhões, em linha com cálculos de analistas privados, retirando um dos principais fatores de subestimação orçamentária. O excesso de despesas total, de R$ 25,8 bilhões, contou com ajuste dos dispêndios com o BPC (R$ 2,76 bilhões) e com subvenções, subsídios e Proagro, de R$ 5,78 bilhões.

Nas receitas, o governo decidiu praticamente não contar mais com as extraordinárias. É certo que colocou R$ 22,1 bilhões relativos ao aumento do IOF, mas foram eliminadas as projeções de ganhos com a mudança da forma de decisão do Carf, com a qual o governo estimava em 2024 receber R$ 52 bilhões - recebeu pouco mais de R$ 380 milhões. As transações tributárias com a Receita saíram do cálculo, assim como a ficção da CSLL sobre instituições financeiras (R$ 14,8 bilhões), não aprovada pelo Congresso, e estimativas com concessões e permissões (R$ 9,3 bilhões).

No total, saíram R$ 60,2 bilhões de expectativas de receitas, que foram parcialmente compensadas por um aumento da arrecadação líquida da Previdência, de R$ 11,84 bilhões. No resultado final, as receitas líquidas, livres de transferências, encolheram R$ 41,7 bilhões.

O realismo não elimina o fato de que a contenção de despesas é apenas suficiente para atingir o limite inferior da meta fiscal, de -0,25% do PIB, de R$ 31 bilhões, que não computa, até 2026, os gastos com precatórios, de R$ 45,323 bilhões. Na prática, o déficit primário real será de R$ 76,3 bilhões, já com IOF maior. O correto seria cortar mais despesas, mas o presidente Lula pensa diferente.

Apesar de o déficit primário ter caído a 0,4% do PIB em 2024, o déficit primário estrutural, que desconsidera receitas atípicas e leva em conta o ciclo econômico, piorou no ano passado, segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado. Ele passou de 1,4% do PIB a 1,7% do PIB, cifra que sugere o ajuste necessário para que as contas públicas entrem em equilíbrio. Como a conta de juros é enorme (7,8% do PIB nos 12 meses findos em março, ou R$ 935 bilhões), a dívida pública só declinará com superávits mínimos entre 1% e 1,5% do PIB. Isso não ocorrerá neste governo.

Para não cortar gastos, o governo optou mais uma vez por elevar a arrecadação com algo que lhe permitisse cobrança imediata, o IOF, que atingiu cartões de crédito, débito, compra de moeda estrangeira e rubricas que implicam saída de divisas. Com isso, criou grandes problemas e deixou margem a dúvidas sobre suas reais intenções. Fundos de investimento e investidores nacionais com aplicações no exterior, pegos de surpresa, teriam de mudar suas estratégias diante da rentabilidade agora comida pelo IOF. O custo do crédito para empresas, já opressivo com a elevada taxa de juros, subirá 1,5 ponto percentual com o novo IOF.

Como o IOF é uma arma geralmente usada menos para arrecadação e mais para controle do câmbio e do fluxo de divisas, veio a sensação de que essa fosse a intenção. O país não precisa disso, e mexer nas remessas afetaria os ingressos, em um momento em que Donald Trump se empenha para afastar os investidores dos EUA e em que o Brasil pode ser beneficiado.

Mais descabida ainda foi a suspeita de que o governo assumiu funções que são do Banco Central (BC) e aumentou o custo do crédito para reduzir juros. Todo o esforço do Planalto tem sido o contrário, criar programas e abrir torneiras de crédito para que a economia não desacelere, o oposto do que pretende o BC. Para evitar cortes de despesas, mais uma vez o governo mete os pés pelas mãos, cria muita confusão e permite que a imagem positiva de alguns bons passos no controle do orçamento se dissolva em uma nuvem de insatisfação, formada por medidas mal pensadas, com penalidade dupla: em seu anúncio e no recuo posterior.

PEC do fim da reeleição só piora a democracia brasileira

Folha de S. Paulo

Proposta, que ainda unifica calendário eleitoral, traz prejuízos e nenhum benefício, razão pela qual deve ser descartada

Ideias de reforma política existem aos montes, e muitas delas têm a característica de reunir, a um só tempo, vantagens e desvantagens. É surpreendente, desse ponto de vista, que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado tenha aprovado uma com diversos aspectos negativos e nenhum positivo.

Sob relatoria do senador Marcelo Castro (MDB-PI), a proposta de emenda à Constituição pretende acabar com a reeleição para os cargos do Executivo, alterar a duração de todos os mandatos eletivos para cinco anos e unificar a data de todas as eleições.

Por se tratar de PEC, a iniciativa precisa ser aprovada em dois turnos por 60% dos senadores e, depois, receber o mesmo apoio mínimo entre os deputados. Segundo consta, como a deliberação não é prioritária no Senado, ainda não há data para acontecer —e é bom que continue assim.

De saída porque, quando se trata de um sistema tão importante quanto o eleitoral, reformas radicais devem ser descartadas. A estabilidade e a previsibilidade das regras fortalecem o regime democrático, na medida em que sedimentam, para candidatos e eleitores, as condições em que se dá a disputa pelo poder.

Não que inexista a necessidade de aperfeiçoar mecanismos institucionais; mas as mudanças, quando feitas, devem ser incrementais, para que a emenda não saia pior que o soneto. Um bom exemplo de melhoria pontual seria a limitação de dois mandatos para o mesmo cargo no Executivo —consecutivos ou não.

Essa medida fomentaria o rodízio de lideranças, mas não tiraria da população o direito de reconduzir um bom governante —direito exercido pelo voto e que constitui um dos elementos basilares da democracia.

De resto, o principal problema atribuído à reeleição —a vantagem de um concorrente poder utilizar a máquina pública— é superestimado. Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, sabe disso muito bem; além dele, desde 1998, inúmeros prefeitos e governadores amargaram derrotas ao tentar um segundo mandato sucessivo.

Tais argumentos seriam suficientes para enterrar a PEC, já que o fim da reeleição, com a adoção de mandatos de cinco anos como espécie de compensação, representa a proposta central.

A unificação do calendário eleitoral, porém, merece crítica ainda mais dura. A realização das votações oferece à população a oportunidade de debater os rumos do país e escolher os responsáveis por aprovar leis e executar programas de governo.

Hoje, essas ocasiões se dão a cada dois anos, e a alternância do tipo de cargo em disputa permite constante reequilíbrio de inclinações políticas. Se a PEC for aprovada, o intervalo aumentaria para cinco anos, sem chance de correção de rota durante o caminho.

Em outras palavras, o que se propõe não é melhorar a qualidade da nossa democracia, e sim restringi-la. Caso algum senador não saiba, diga-se com todas as letras: isso é inaceitável.

Conta de luz eleitoreira

Folha de S. Paulo

MP estabelece gratuidade a 60 milhões de consumidores, onerando os demais; foco em 2026 deixa de lado reforma do setor

A medida provisória 1.300, assinada em 21 de maio, foi apresentada como uma reforma do setor elétrico, mas é sobretudo outra iniciativa eleitoreira do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ao lado dos avanços sociais, o texto se arrisca a elevar ainda mais os custos para a produção nacional.

A MP abarca três temas principais —o aumento de subsídios para a baixa renda, a liberdade de escolha para o consumidor e normas que pretendem trazer maior equilíbrio ao setor.

Quanto ao primeiro, será garantida gratuidade para cerca de 60 milhões de pessoas com consumo de até 80 kWh por mês. São as famílias inscritas no cadastro único de programas sociais, com renda per capita de até meio salário mínimo, idosos que recebem o benefício de prestação continuada (BPC) e comunidades indígenas e quilombolas.

Adicionalmente, famílias com renda per capita entre meio e um salário mínimo e que consomem até 120 kWh/mês terão desconto estimado de 12% na conta de luz.

O custo projetado pelo governo é de R$ 3,6 bilhões anuais e será absorvido pela CDE, um fundo que financia políticas públicas do setor elétrico, o que pode elevar a conta em 1,5% para o restante da população. Mas agentes privados calculam impacto maior, de até R$ 10 bilhões. O problema é que a CDE já representa cerca de 15% do valor das tarifas.

Prevê-se a retirada de subsídios para fontes renováveis, hoje em 50%, para novos contratos após 2025, o que será mais uma fonte de pressão de custos.

Um ponto mais positivo é a abertura gradual do mercado livre, no qual os pequenos consumidores poderão escolher o fornecedor —regra que valerá, a partir de agosto de 2026, para indústria e comércio e, no fim de 2027, para residências.

O aumento da concorrência é bem-vindo, sendo o único dispositivo da MP que talvez compense parcialmente a alta de preços de energia para os consumidores de maior porte, embora o efeito seja incerto e de médio prazo.

Na soma geral, a MP não lida com uma infinidade de questões estruturais do setor elétrico, caso da concentração de produção renovável no Nordeste sem que haja estrutura adequada de transmissão para outras regiões, o que tem provocado cortes forçados prejudiciais às geradoras.

A abertura do mercado livre promete modernizar o setor e reduzir custos a partir de 2028. Contudo ao preço de maior ônus para a classe média e a produção no curto prazo. Lula, porém, está mais preocupado com as eleições gerais do próximo ano.

O impensável lulopetismo sem Lula

O Estado de S. Paulo

Estando ou não na disputa eleitoral em 2026, o presidente e seu partido já começaram a preparar o terreno para a batalha ferocíssima pelo posto de herdeiro político do demiurgo

Morubixabas e militantes petistas começam a admitir em voz alta o que muitos apenas murmuravam: o ciclo político do presidente Lula da Silva está perto do fim e, diante da inexorabilidade do tempo e da idade, é hora de encontrar um nome capaz de sucedê-lo eleitoralmente.

Desafiadora para a constelação de lideranças que até aqui jamais pensou na hipótese de um projeto eleitoral sem o demiurgo petista, essa constatação independe do que Lula fará em 2026. Estando ou não na disputa eleitoral no ano que vem, o presidente e o PT já começaram a traçar os caminhos da sucessão – ou preparar o terreno para a ferocíssima batalha pelo posto de herdeiro.

Por ora, há uma pletora de nomes que nem de longe fazem sombra à importância que, bem ou mal, Lula representa para a história política brasileira. Mas ninguém imagina que o nome escolhido não será um fiel seguidor da cartilha lulista, tampouco que não seguirá as mais estritas exigências do chefe. Ou alguém acredita que Dilma Rousseff teria sido eleita e reeleita presidente da República não fosse seu padrinho? Eis aí o perigo.

A bolsa de apostas tem incluído, com alguma frequência, os ministros petistas Fernando Haddad, Rui Costa e Camilo Santana. A referência de uma eventual ida do deputado federal Guilherme Boulos para o governo ressuscitou antiga desconfiança entre petistas de que Lula pode estar emitindo o sinal de que o psolista deve ser incluído como um de seus possíveis legatários. Quem nutre ilusões de que o PT abdicará do protagonismo num projeto pós-Lula menciona ainda o vice-presidente, Geraldo Alckmin, e o prefeito de Recife, João Campos, ambos do PSB. O apetite de alguns é notório, ainda que, por enquanto, essa seja uma disputa silenciosa e disfarçada, até para não passar a impressão de insurgência.

Os embates e suas consequências ficariam restritos às inquietações internas do lulopetismo se não tivessem impacto relevante sobre a qualidade do debate público no País. Refletir sobre o nome que substituirá a liderança política de Lula é também refletir sobre como a esquerda pensará e agirá, sobretudo quando se sabe que seus erros e vícios – no exercício do poder ou na oposição – têm influência direta sobre a vida de milhões de brasileiros. Afinal, a liderança de Lula está datada por sua própria idade, mas não apenas: não é de hoje a falta de norte da esquerda tradicional lulopetista, tisnada pela desorientação ideológica, pelo envelhecimento de suas ideias e pela incapacidade de interpretar o Brasil e os brasileiros de hoje. A condição é agravada pela malaise provocada pelo atual mandato, uma soma perturbadora de mediocridade e falta de projeto para o País.

Para completar, o PT ainda padece de certos vícios de origem: arvora-se como o único e legítimo intérprete dos interesses do “povo”, enxerga-se como alvo permanente de um complô das “elites” e acha que os eleitores que divergem da realidade petista são meras vítimas engambeladas pelos algoritmos, pela mídia e por liberais “entreguistas” que não toleram a ideia de justiça social. Entre petistas, é tido como verdade incontestável que Dilma Rousseff foi cassada por um “golpe” e Lula foi preso, ora vejam, por contrariar forças malignas que dominam o País. No evangelho dessa seita, inclui-se ainda o identitarismo que separa os muitos oprimidos brasileiros em grupos maiores ou menores de vítimas, conforme a cor da pele, gênero ou orientação sexual – e excluem-se os anseios de prosperidade da classe média e das novas classes trabalhadoras, desejosas de um Estado que não lhes atrapalhe a vida.

Eis por que está em jogo muito mais do que um nome em disputa. É a quadratura do círculo de um lulopetismo sem Lula: caberá ao nome ungido pelo demiurgo repensar o projeto que sempre o constituiu e organizar uma esquerda progressista, não estatista, não radical e não dependente de Lula. Uma contradição em si mesma.

A fila da vergonha

Folha de S. Paulo

Represamento de cerca de 2,7 milhões de pedidos de benefícios no INSS se junta às fraudes dos descontos para escancarar o desrespeito do governo com aposentados e pensionistas

Quando tomou posse no Ministério da Previdência Social, em janeiro de 2023, na primeira leva de nomeações do presidente Lula da Silva, Carlos Lupi afirmou que “a Previdência não é deficitária” e que provaria isso “com números, dados e informações”. O ex-ministro disse ainda não se conformar com “a humilhação de aposentados e pensionistas” e prometeu zerar a fila de pedidos de benefícios “em tempo recorde”. O sr. Lupi deixou o governo no início do mês, na esteira da descoberta da tunga bilionária nos benefícios do INSS, e, hoje, a falsidade daquele discurso do então ministro soa como tragicomédia.

Na época, Lupi situou a fila de espera para concessão de benefícios em “mais de 1,3 milhão”; em abril último, de acordo com o Portal da Transparência Previdenciária, 2,6 milhões pessoas, o dobro, aguardavam a análise de seus requerimentos. Formado em fila indiana em que cada pessoa ocupasse meio metro, esse contingente ultrapassaria a distância entre São Paulo e Rio de Janeiro mais de três vezes. Em março, o estoque era ainda maior, com 2,7 milhões de pedidos represados, recorde do governo Lula da Silva.

Desnorteado, o presidente editou uma medida provisória autorizando o pagamento de bonificação pela análise e conclusão de cada processo em espera por mais de um mês e meio, o que hoje corresponde a algo em torno de 60% dos casos. Servidores têm direito a R$ 68 e peritos a R$ 75 de bônus por cada desbloqueio. Se a medida não for aprovada pelo Congresso até agosto, perde a validade. Logo, é esperada a abertura de mais uma frente de barganha entre o Executivo e o Legislativo do qual é refém.

Desde quando a Operação Sem Desconto revelou o desvio estimado em, no mínimo, R$ 6,3 bilhões em descontos irregulares de associações e sindicatos na folha de pagamentos dos benefícios do INSS, o governo acumula desgastes no tratamento aos aposentados sem conseguir apontar um caminho para uma solução célere. A bem da verdade, ainda não há indicação de solução nem sequer em médio e longo prazo. A “fila” dos lesados pela fraude que buscam ressarcimento chegou a 2 milhões em pouco mais de uma semana da abertura dos pedidos.

A frágil estratégia política do lulopetismo tem sido a de atribuir ao governo de Jair Bolsonaro a facilitação dos descontos irregulares, mas não há como impedir, com isso, o estrago na reputação de uma gestão que permitiu a explosão de casos a um nível ainda não totalmente dimensionado. Assim como não há como ignorar o atual estoque abarrotado de requerimentos de benefícios que esperam análise por mais de seis meses.

O descontrole em relação ao INSS deve degradar ainda mais a combalida popularidade de Lula da Silva, empenhado em preparar sua campanha à reeleição em 2026. Em abril, quando as fraudes do INSS ainda não eram conhecidas, pesquisa realizada pela Quaest revelou que a desaprovação do presidente chegou a 56%, o pior patamar desde o início do mandato; a aprovação caiu para 41%, o menor resultado.

Para além da presumível deterioração da imagem de Lula num escândalo que afeta uma faixa tão sensível da população, há ainda o efeito prático para as contas do governo. Tanto a solução para acelerar o trâmite da fila de pedidos quanto o necessário ressarcimento dos lesados em seus benefícios gera custos extras, com juros e correção monetária. Em abril, na divulgação de seu Relatório de Acompanhamento Fiscal, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado destacou que a “recorrente subestimação” de despesas previdenciárias e de benefícios assistenciais contribui para fragilizar o arcabouço fiscal. No documento, a IFI projetou as despesas com benefícios previdenciários em R$ 1,031 trilhão, o que corresponde a mais de 8% do PIB nacional. O cálculo ficou R$ 16 bilhões acima da previsão orçamentária feita pelo governo.

Há um problema fiscal grave num governo que não consegue, ou não quer, contabilizar da forma correta o quanto irá gastar durante o ano – e que, costumeiramente, superestima o quanto irá arrecadar. Não surpreende o descrédito.

Inteligência contra o PCC

O Estado de S. Paulo

Sem disparar um tiro, Brasil e Bolívia recapturaram um dos principais líderes da facção

Um dos principais líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, foi localizado na Bolívia e já está preso no Brasil, após a realização de um bem-sucedido trabalho conjunto entre a Fuerza Especial de Lucha contra el Crimen e a Polícia Federal (PF). Assim chegou ao fim em Santa Cruz de la Sierra a fuga de cinco anos de um dos mais perigosos integrantes da facção nascida no sistema penitenciário paulista há mais de três décadas e que hoje atua em quase todo o território nacional e também no exterior.

A força boliviana prendeu Tuta quando o criminoso tentou renovar sua carteira de identidade de estrangeiro passando-se por Maycon Gonçalves da Silva. Em razão de inconsistências na documentação, as autoridades locais acionaram imediatamente a PF, a quem coube a conferência dos dados biométricos e dos registros faciais do bandido nas bases de dados do Brasil e da Interpol.

A rapidez com que a estrutura boliviana detectou as falhas e concertou com as autoridades brasileiras a checagem dos dados de Tuta é um exemplo de como o diálogo institucional, o intercâmbio de informações e o uso da inteligência são as melhores ferramentas no combate ao crime organizado. Essa articulação mostrou que se estava diante de um integrante do alto escalão de uma das mais poderosas organizações criminosas do Brasil e do mundo.

A eficiência estatal na captura de Tuta causou um inequívoco abalo na estrutura de poder do PCC. Nas ruas, o criminoso era um dos responsáveis por cuidar dos negócios ilícitos da facção no país vizinho. O Brasil, como se sabe, é uma das principais rotas de escoamento da cocaína produzida na Bolívia, que em parte fica no País, em parte é enviada para a Europa em transações milionárias.

O passado de Tuta também era motivo de preocupação por causa de sua atuação violenta. Afinal, segundo autoridades policiais, trata-se de um dos bandidos que estiveram à frente dos ataques de maio de 2006, quando uma onda de atentados contra as forças de segurança do Estado de São Paulo deixou o saldo de 564 mortos, entre eles 59 agentes públicos. O criminoso teria participado ainda de um plano para resgatar da prisão Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo do PCC. Em 2024, Tuta foi condenado por associação criminosa e lavagem de dinheiro, em um esquema que teria movimentado nada menos que R$ 1 bilhão.

Foi justamente o temor de uma nova fuga que levou os representantes dos dois países a, acertadamente, optarem pela expulsão de Tuta da Bolívia, e não a sua extradição para o Brasil, caminho jurídico que certamente seria mais lento e, consequentemente, mais favorável à preparação de um plano de resgate por seus comparsas. Desde o dia 18 passado, Tuta ocupa uma das celas da Penitenciária Federal de Brasília, o mesmo presídio de segurança máxima onde está Marcola.

Por tudo isso, essa prisão deve ser reconhecida como uma vitória da inteligência no combate ao crime organizado. Sem que um tiro sequer fosse disparado, Tuta agora está onde deveria estar, sob custódia do Estado brasileiro.

A educação superior e o desenvolvimento do país

Correio Braziliense

A qualificação é que o vai credenciar os brasileiros e o Brasil a fazer parte do progresso que o mundo de hoje busca

Na última semana, o governo federal publicou decreto com novas regras para o ensino superior na modalidade de educação a distância (EaD). O marco regulatório determina que nenhum curso de bacharelado, licenciatura e tecnologia poderá ser totalmente virtual. A mudança é positiva, já que leva ao estabelecimento de uma estrutura para as aulas presenciais, por parte das instituições, e também ao melhor aprendizado dos estudantes e, consequentemente, em qualidade maior. Mas muitas questões cruciais que envolvem essa fase acadêmica no Brasil ainda demandam intervenções, apesar de existirem há anos.

Nas duas pontas do novelo, o ingresso e a evasão continuam dando um nó na formação profissional no país, embolando o desenvolvimento. Afinal, as conquistas sociais — que vêm do acesso ao estudo — e o avanço econômico  — derivado das ideias, da inovação e da competência  — são pontos fundamentais para o crescimento de uma nação.    

De acordo com o Mapa do Ensino Superior no Brasil, os números indicam que, de 2022 para 2023, o aumento nas matrículas foi de 5,6%, com o acréscimo concentrado na rede privada, que registrou um incremento de 7,3%. Segundo o Ministério da Educação (MEC), com base no Censo de Educação Superior, em 2023 havia 9,98 milhões de alunos em faculdades, centros universitários e universidades.

Porém, na busca para concretizar o sonho do diploma, a desistência é uma barreira a ser superada — em alguns cursos, a taxa chega a ultrapassar 60%, apontando a escassez de políticas robustas que favoreçam a permanência até a conclusão da formação.

A rede privada abre vagas e impulsiona a expansão do acesso, só que apresenta a dificuldade dos custos das mensalidades. A oferta pública, por sua vez, segue com capacidade limitada para receber toda a população. Nessa conta, quem perde é a parcela de brasileiros que precisa de financiamento para pagar os estudos.

Diante desse cenário, ações como o ProUni (Programa Universidade para Todos) e o Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior) ganham importância. Iniciativas de auxílio, desde que desenvolvidas com critérios e submetidas à fiscalização ideal, precisam ser consideradas com a relevância que merecem na complexa realidade do ensino no Brasil. 

A adequada distribuição das instituições pelo território nacional — criando mais polos em regiões carentes — é outra medida necessária, embora a possibilidade de EaD reduza justamente esse gargalo.

 Em tempos de mudanças rápidas, relacionadas especialmente à forma como as tecnologias afetam o cotidiano das pessoas e o mercado de trabalho, a educação não pode ficar presa a moldes do passado. O investimento e a modernização são essenciais para o país, que, além dos desafios atuais, tem a superar uma histórica baixa escolarização superior. 

A representatividade nas graduações está diretamente ligada ao desenvolvimento. A qualificação é que o vai credenciar os brasileiros e o Brasil a fazer parte do progresso que o mundo de hoje busca: com sustentabilidade, ciência, inclusão e qualidade de vida. O país precisa assumir as deficiências do ensino superior com responsabilidade e comprometimento para não ficar de fora do desenho que se coloca para o futuro.

PL da Devastação fere a Constituição Federal

O Povo (CE)

PL 2.159/2021 viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental e escancara o descaso da classe política brasileira com a Constituição Federal

A aprovação do Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, conhecido como PL da Devastação, pelo Senado Federal já é um dos maiores retrocessos ambientais brasileiros da última década. Com 54 votos a favor e 13 contra, os senadores rejeitaram toda a jurisprudência constitucional e aceitaram que empreendimentos podem se autolicenciar, minando o poder de prevenção e fiscalização dos órgãos ambientais competentes.

A Constituição Federal de 1988 tem a proteção ao meio ambiente como clara prioridade, impondo-a também como responsabilidade das empresas e limitando o próprio princípio da livre iniciativa. Assim, o licenciamento ambiental é essencial para garantir que os impactos ambientais diretos ou indiretos de empreendimentos sejam analisados, avaliados, prevenidos e mitigados. Todas as empresas são obrigadas a passar pelo escrutínio dos órgãos competentes — a nível municipal, estadual ou federal —, estando passíveis do indeferimento das obras.

Com o PL da Devastação, as empresas passam a dominar o processo. Se forem consideradas de "baixo ou médio risco", basta preencherem a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um formulário autodeclaratório, sem estudos prévios de impacto ambiental, nem medidas compensatórias.

Em nota técnica de novembro de 2021, o Instituto Socioambiental apontou que a própria alteração do termo "impacto" para "risco" no PL enfraquece a legislação e vulnerabiliza a proteção ambiental. Enquanto impacto é "qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente", risco é "a possibilidade da materialização do perigo ou de um evento indesejado ocorrer".

De acordo com o Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), o texto "viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental", "segundo o qual o Estado não pode adotar medidas que enfraqueçam direitos".

O texto volta para a Câmara dos Deputados após receber várias emendas, incluindo a emenda 198, de autoria do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil). Por ela, ficaria criada a Licença Ambiental Especial (LAE), um procedimento que autoriza o Governo Federal a acelerar o licenciamento de empreendimentos tidos como estratégicos, independente dos impactos ambientais deles. Exemplo prático seria evitar o "lenga-lenga" — como definido pelo presidente Lula (PT) — de órgãos ambientais na viabilização de grandes obras federais, como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Pressa que Lula demonstrou ter ao pressionar o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, a ignorar os consecutivos pareceres técnicos do órgão e autorizar licenciamento da exploração no bloco FZA-M-59.

Após apreciação dos deputados, cabe ao presidente Lula, com o poder de veto, demonstrar a quem respeita mais: se a Constituição Federal, ou os interesses privados. 

 

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