É incoerente governo americano pressionar STF
O Globo
Trump persegue adversários e corteja
ditadores. Não tem cabimento Rubio tentar dar lições de democracia
O secretário de Estado dos Estados Unidos,
Marco Rubio, afirmou que “há grande possibilidade” de aplicação de sanções
contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre
de Moraes — há estudos para punir também outros ministros do Supremo.
A iniciativa revela a incoerência flagrante da atual diplomacia americana.
Rubio deu a declaração em depoimento à Comissão de Relações Exteriores do Congresso, respondendo à pergunta de um deputado republicano sobre a posição da Casa Branca diante do que chamou de “perseguição política” no Brasil e da “prisão iminente” do ex-presidente Jair Bolsonaro. A justificativa para as sanções é a versão fantasiosa, disseminada entre os trumpistas, segundo a qual o Supremo brasileiro persegue e censura os bolsonaristas. Ora, não há perseguição política aqui. Bolsonaro e os demais denunciados por tentativa de golpe de Estado respondem a processo com todos os direitos constitucionais garantidos aos réus.
É uma situação que contrasta com a dos
Estados Unidos, onde o presidente Donald Trump tomou
sucessivas medidas em desafio às normas democráticas. Seu mandato é marcado por
retaliações contra aqueles que considera inimigos. É o caso de universidades
como Harvard, submetida a suspensão de verbas por desafiar a tentativa de
intervenção do governo em sua gestão e, no último lance de perversidade,
proibida de aceitar alunos estrangeiros (proibição até o momento revertida por
decisão judicial). Ou dos escritórios de advocacia que atendem adversários
políticos ou atuaram em processos contra Trump, alguns deles forçados a
negociar a revogação das penalidades em troca de serviços advocatícios ao
governo (outros também compelidos a recorrer à Justiça). Ou ainda das agências
reguladoras federais, cujos conselheiros ou presidentes Trump tenta demitir em
desafio ao mandato fixo assegurado por lei (entre elas, o Federal Reserve,
banco central americano).
Trump também não disfarça sua simpatia por
déspotas mundo afora. Seu pendor pelas ditaduras é eloquente no caso da guerra
na Ucrânia. Atraiu o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ao Salão Oval da
Casa Branca sob o pretexto de assinar um contrato de acesso americano a jazidas
minerais em troca de garantias de segurança. O democrata Zelensky se viu numa
emboscada, acossado como culpado pela guerra com a Rússia de Vladimir Putin. Ao
mesmo tempo, o autocrata Putin — responsável pelo conflito ao invadir o território
ucraniano — tem sido tratado com deferência singular por Trump.
Outro ditador que Trump cortejou em seu giro
recente pelo Oriente Médio foi o emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani, de
quem ganhou de presente um luxuoso Boeing 747, avaliado em US$ 400 milhões,
logo incorporado às aeronaves presidenciais. Na mesma viagem, visitou a Arábia
Saudita, onde trocou efusivos cumprimentos com o príncipe herdeiro Mohammed bin
Salman (MBS), a cujo governo não poupou elogios. MBS é conhecido pela crueldade
com que trata seus inimigos (o caso mais célebre foi o jornalista dissidente
Jamal Khashoggi, assassinado no consulado saudita de Istambul, depois
esquartejado).
Como se vê, nem a diplomacia nem a atual administração americana têm condições de dar aulas de democracia a ninguém.
Combustível sustentável para a aviação requer agilidade em Brasília
O Globo
Investidores apostam em atender demanda
gerada por substituição do querosene, mas falta regulação
A partir de 2027, as companhias aéreas
deverão cortar 1% das emissões de carbono nos voos domésticos, percentual que
subirá até 10% em 2037. Já começou uma corrida para garantir o cumprimento da
meta. Depois do pioneirismo no álcool, o Brasil tem agora a oportunidade de
tornar-se importante fornecedor de combustível sustentável para a aviação,
conhecido pela sigla SAF, substituto do querosene derivado do petróleo. O
essencial o país tem: tecnologia e grande disponibilidade de biomassa, fonte de
matéria-prima dos biocombustíveis.
O projeto da Petrobras é o mais avançado. Ele
parte do coprocessamento de óleos vegetais em refinarias de São Paulo, Rio e
Minas Gerais. A Acelen, braço do fundo Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos,
controlador da refinaria de Mataripe, na Bahia, prevê para o ano
que vem o início da produção de SAF no estado, a partir da macaúba, fruto de
uma palmeira nativa. A Acelen constrói sua biorrefinaria integrada a 180 mil
hectares dessa palmeira de sete a dez vezes mais produtiva que a soja — outra
matéria-prima do SAF — e também mais sustentável (além de ser usada na
recuperação de áreas degradadas). Há também o projeto da Brasil BioFuels (BBF),
em Manaus, maior produtora de óleo de palma da América Latina.
As três empresas investem R$ 28 bilhões para
produzir o biocombustível para aviação no Brasil, de acordo com relatório da
consultoria britânica L.E.K. Consulting produzido a pedido do GLOBO. Há grande
interesse de investidores. Em chamada feita pela Finep e pelo BNDES, foram
apresentadas 76 propostas de biorrefinarias destinadas à produção de combustíveis sustentáveis
para aviação e navegação, representando investimento total de R$ 167 bilhões.
Segundo o presidente da Finep, Celso Pansera, 43 das propostas são para
produzir SAF.
A demanda por SAF, diz o relatório da L.E.K.,
atingirá 126 milhões de litros em 2027 e chegará a 1,75 bilhão de litros anuais
na década seguinte. As companhias aéreas terão um gasto adicional de US$ 140
milhões no primeiro ano da transição, até chegar a US$ 1,4 bilhão. Mas é
primeiro preciso resolver uma equação financeira para tornar o SAF viável. Seu
custo de produção é, em média, de 2,5 a três vezes superior ao do querosene. É
preciso baixá-lo por meio de ganhos de produtividade. “Se não houver mandatos dos
governos, incentivos para a cadeia de produção e taxação de carbono, a conta
não para em pé, sob uma ótica puramente econômica”, diz Clayton Souza, sócio no
Brasil da L.E.K.
A Gol, que participa das discussões, afirma
que não há espaço para que o aumento de custo seja absorvido pelos passageiros
e pelas companhias. Diz acreditar que o governo está atento à questão. Para a
Latam, o maior desafio é a regulamentação da Lei de Combustíveis do Futuro,
para dar segurança jurídica a todo o negócio. O Brasil tem condições de ser uma
plataforma de exportação do produto. Será inaceitável se a lentidão de Brasília
prejudicar atividade tão promissora.
Governo dá mau passo com IOF e amplia
descrédito fiscal
Valor Econômico
Para evitar cortes de despesas, mais uma vez
o governo mete os pés pelas mãos, cria muita confusão e permite que a imagem
positiva de alguns bons passos no controle do orçamento se dissolva em uma
nuvem de insatisfação
Os anúncios da performance fiscal da União, e
as formas de corrigi-la para atingir a meta, têm causado surpresas e espanto.
Em novembro, um pacote de corte de gastos frouxo veio acompanhado de medida de
redução da arrecadação, a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil. O dólar
disparou. Na divulgação na quinta-feira da revisão bimestral de receitas e
despesas, com a decisão de contenção de despesas até mais forte que o esperado,
a novidade foi o aumento de receitas via IOF, que atingiu aplicações de investidores
brasileiros no exterior e remessas destinadas a investimentos, entre outros,
com forte reação negativa nas bolsas e no mercado de câmbio. Em ambas as
situações, as medidas tomadas foram mal costuradas, indicando descoordenação,
divergências no governo ou ambas. À noite, horas depois, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, recuou de parte das medidas de arrecadação, como elevar o IOF
a 3,5% nas movimentações de investidores e fundos.
A repercussão negativa do aumento do IOF em
geral, e da taxação das remessas para investimentos em particular, se sobrepôs
à sóbria e realista contenção de despesas de R$ 31,3 bilhões anunciada. Ao
excesso de despesas primárias sobre o limite, foi aplicado bloqueio de R$ 10,64
bilhões.
Depois de ficar sem orçamento até março, a
segunda avaliação (não houve a primeira) foi mais fiel ao desempenho tanto de
despesas como de receitas. No primeiro caso, a projeção de gastos com
benefícios da Previdência cresceu em R$ 16,7 bilhões, em linha com cálculos de
analistas privados, retirando um dos principais fatores de subestimação
orçamentária. O excesso de despesas total, de R$ 25,8 bilhões, contou com
ajuste dos dispêndios com o BPC (R$ 2,76 bilhões) e com subvenções, subsídios e
Proagro, de R$ 5,78 bilhões.
Nas receitas, o governo decidiu praticamente
não contar mais com as extraordinárias. É certo que colocou R$ 22,1 bilhões
relativos ao aumento do IOF, mas foram eliminadas as projeções de ganhos com a
mudança da forma de decisão do Carf, com a qual o governo estimava em 2024
receber R$ 52 bilhões - recebeu pouco mais de R$ 380 milhões. As transações
tributárias com a Receita saíram do cálculo, assim como a ficção da CSLL sobre
instituições financeiras (R$ 14,8 bilhões), não aprovada pelo Congresso, e estimativas
com concessões e permissões (R$ 9,3 bilhões).
No total, saíram R$ 60,2 bilhões de
expectativas de receitas, que foram parcialmente compensadas por um aumento da
arrecadação líquida da Previdência, de R$ 11,84 bilhões. No resultado final, as
receitas líquidas, livres de transferências, encolheram R$ 41,7 bilhões.
O realismo não elimina o fato de que a
contenção de despesas é apenas suficiente para atingir o limite inferior da
meta fiscal, de -0,25% do PIB, de R$ 31 bilhões, que não computa, até 2026, os
gastos com precatórios, de R$ 45,323 bilhões. Na prática, o déficit primário
real será de R$ 76,3 bilhões, já com IOF maior. O correto seria cortar mais
despesas, mas o presidente Lula pensa diferente.
Apesar de o déficit primário ter caído a 0,4%
do PIB em 2024, o déficit primário estrutural, que desconsidera receitas
atípicas e leva em conta o ciclo econômico, piorou no ano passado, segundo a
Instituição Fiscal Independente do Senado. Ele passou de 1,4% do PIB a 1,7% do
PIB, cifra que sugere o ajuste necessário para que as contas públicas entrem em
equilíbrio. Como a conta de juros é enorme (7,8% do PIB nos 12 meses findos em
março, ou R$ 935 bilhões), a dívida pública só declinará com superávits mínimos
entre 1% e 1,5% do PIB. Isso não ocorrerá neste governo.
Para não cortar gastos, o governo optou mais
uma vez por elevar a arrecadação com algo que lhe permitisse cobrança imediata,
o IOF, que atingiu cartões de crédito, débito, compra de moeda estrangeira e
rubricas que implicam saída de divisas. Com isso, criou grandes problemas e
deixou margem a dúvidas sobre suas reais intenções. Fundos de investimento e
investidores nacionais com aplicações no exterior, pegos de surpresa, teriam de
mudar suas estratégias diante da rentabilidade agora comida pelo IOF. O custo
do crédito para empresas, já opressivo com a elevada taxa de juros, subirá 1,5
ponto percentual com o novo IOF.
Como o IOF é uma arma geralmente usada menos
para arrecadação e mais para controle do câmbio e do fluxo de divisas, veio a
sensação de que essa fosse a intenção. O país não precisa disso, e mexer nas
remessas afetaria os ingressos, em um momento em que Donald Trump se empenha
para afastar os investidores dos EUA e em que o Brasil pode ser beneficiado.
Mais descabida ainda foi a suspeita de que o
governo assumiu funções que são do Banco Central (BC) e aumentou o custo do
crédito para reduzir juros. Todo o esforço do Planalto tem sido o contrário,
criar programas e abrir torneiras de crédito para que a economia não
desacelere, o oposto do que pretende o BC. Para evitar cortes de despesas, mais
uma vez o governo mete os pés pelas mãos, cria muita confusão e permite que a
imagem positiva de alguns bons passos no controle do orçamento se dissolva em
uma nuvem de insatisfação, formada por medidas mal pensadas, com penalidade
dupla: em seu anúncio e no recuo posterior.
PEC do fim da reeleição só piora a democracia
brasileira
Folha de S. Paulo
Proposta, que ainda unifica calendário
eleitoral, traz prejuízos e nenhum benefício, razão pela qual deve ser
descartada
Ideias de reforma política existem aos
montes, e muitas delas têm a característica de reunir, a um só tempo, vantagens
e desvantagens. É surpreendente, desse ponto de vista, que a Comissão de Constituição e
Justiça do Senado tenha aprovado
uma com diversos aspectos negativos e nenhum positivo.
Sob relatoria do senador Marcelo Castro (MDB-PI), a proposta
de emenda à Constituição pretende acabar com a reeleição para os cargos do
Executivo, alterar a duração de todos os mandatos eletivos para cinco anos e
unificar a data de todas as eleições.
Por se tratar de PEC, a iniciativa precisa
ser aprovada em dois turnos por 60% dos senadores e, depois, receber o mesmo
apoio mínimo entre os deputados. Segundo consta, como a deliberação não é
prioritária no Senado, ainda não há data para acontecer —e é bom que continue
assim.
De saída porque, quando se trata de um
sistema tão importante quanto o eleitoral, reformas radicais devem ser
descartadas. A estabilidade e a previsibilidade das regras fortalecem o regime
democrático, na medida em que sedimentam, para candidatos e eleitores, as
condições em que se dá a disputa pelo poder.
Não que inexista a necessidade de aperfeiçoar
mecanismos institucionais; mas as mudanças, quando feitas, devem ser
incrementais, para que a emenda não saia pior que o soneto. Um bom exemplo de
melhoria pontual seria a limitação de dois mandatos para o mesmo cargo no
Executivo —consecutivos ou não.
Essa medida fomentaria o rodízio de
lideranças, mas não tiraria da população o direito de reconduzir um bom
governante —direito exercido pelo voto e que constitui um dos elementos
basilares da democracia.
De resto, o principal problema atribuído à
reeleição —a vantagem de um concorrente poder utilizar a máquina pública— é
superestimado. Jair
Bolsonaro (PL),
por exemplo, sabe disso muito bem; além dele, desde 1998, inúmeros prefeitos e
governadores amargaram derrotas ao tentar um segundo mandato sucessivo.
Tais argumentos seriam suficientes para
enterrar a PEC, já que o fim da reeleição, com a adoção de mandatos de cinco
anos como espécie de compensação, representa a proposta central.
A
unificação do calendário eleitoral, porém, merece crítica ainda mais dura.
A realização das votações oferece à população a oportunidade de debater os
rumos do país e escolher os responsáveis por aprovar leis e executar programas
de governo.
Hoje, essas ocasiões se dão a cada dois anos,
e a alternância do tipo de cargo em disputa permite constante reequilíbrio de
inclinações políticas. Se a PEC for aprovada, o intervalo aumentaria para cinco
anos, sem chance de correção de rota durante o caminho.
Em outras palavras, o que se propõe não é
melhorar a qualidade da nossa democracia, e sim restringi-la. Caso algum
senador não saiba, diga-se com todas as letras: isso é inaceitável.
Conta de luz eleitoreira
Folha de S. Paulo
MP estabelece gratuidade a 60 milhões de
consumidores, onerando os demais; foco em 2026 deixa de lado reforma do setor
A medida provisória 1.300, assinada em 21 de
maio, foi apresentada como uma reforma do setor elétrico, mas é sobretudo outra
iniciativa eleitoreira do governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT). Ao lado dos
avanços sociais, o texto se arrisca a elevar ainda mais os custos para a
produção nacional.
A MP abarca três temas principais —o aumento
de subsídios para a baixa renda, a
liberdade de escolha para o consumidor e normas que pretendem trazer maior
equilíbrio ao setor.
Quanto ao primeiro, será garantida gratuidade
para cerca de 60 milhões de pessoas com consumo de até 80 kWh por mês. São as
famílias inscritas no cadastro único de programas sociais, com renda per capita
de até meio salário
mínimo, idosos que recebem o benefício de prestação continuada (BPC) e
comunidades indígenas e
quilombolas.
Adicionalmente, famílias com renda per capita
entre meio e um salário mínimo e que consomem até 120 kWh/mês terão desconto
estimado de 12% na conta de luz.
O custo projetado pelo governo é de R$ 3,6
bilhões anuais e será absorvido pela CDE, um fundo que financia políticas
públicas do setor elétrico, o que pode elevar a conta em 1,5% para o restante
da população. Mas agentes privados calculam impacto maior, de até R$ 10
bilhões. O problema é que a CDE já representa cerca de 15% do valor das
tarifas.
Prevê-se a retirada de subsídios para fontes
renováveis, hoje em 50%, para novos contratos após 2025, o que será mais uma
fonte de pressão de custos.
Um ponto mais positivo é a abertura gradual
do mercado livre, no qual os pequenos consumidores poderão escolher o
fornecedor —regra que valerá, a partir de agosto de 2026, para indústria e
comércio e, no fim de 2027, para residências.
O aumento da concorrência é bem-vindo, sendo
o único dispositivo da MP que talvez compense parcialmente a alta de preços de
energia para os consumidores de maior porte, embora o efeito seja incerto e de
médio prazo.
Na soma geral, a MP não lida com uma
infinidade de questões
estruturais do setor elétrico, caso da concentração de produção renovável
no Nordeste sem que haja estrutura adequada de transmissão para outras regiões,
o que tem provocado cortes forçados prejudiciais às geradoras.
A abertura do mercado livre promete modernizar o setor e reduzir custos a partir de 2028. Contudo ao preço de maior ônus para a classe média e a produção no curto prazo. Lula, porém, está mais preocupado com as eleições gerais do próximo ano.
O impensável lulopetismo sem Lula
O Estado de S. Paulo
Estando ou não na disputa eleitoral em 2026,
o presidente e seu partido já começaram a preparar o terreno para a batalha
ferocíssima pelo posto de herdeiro político do demiurgo
Morubixabas e militantes petistas começam a
admitir em voz alta o que muitos apenas murmuravam: o ciclo político do
presidente Lula da Silva está perto do fim e, diante da inexorabilidade do
tempo e da idade, é hora de encontrar um nome capaz de sucedê-lo
eleitoralmente.
Desafiadora para a constelação de lideranças
que até aqui jamais pensou na hipótese de um projeto eleitoral sem o demiurgo
petista, essa constatação independe do que Lula fará em 2026. Estando ou não na
disputa eleitoral no ano que vem, o presidente e o PT já começaram a traçar os
caminhos da sucessão – ou preparar o terreno para a ferocíssima batalha pelo
posto de herdeiro.
Por ora, há uma pletora de nomes que nem de
longe fazem sombra à importância que, bem ou mal, Lula representa para a
história política brasileira. Mas ninguém imagina que o nome escolhido não será
um fiel seguidor da cartilha lulista, tampouco que não seguirá as mais estritas
exigências do chefe. Ou alguém acredita que Dilma Rousseff teria sido eleita e
reeleita presidente da República não fosse seu padrinho? Eis aí o perigo.
A bolsa de apostas tem incluído, com alguma
frequência, os ministros petistas Fernando Haddad, Rui Costa e Camilo Santana.
A referência de uma eventual ida do deputado federal Guilherme Boulos para o
governo ressuscitou antiga desconfiança entre petistas de que Lula pode estar
emitindo o sinal de que o psolista deve ser incluído como um de seus possíveis
legatários. Quem nutre ilusões de que o PT abdicará do protagonismo num projeto
pós-Lula menciona ainda o vice-presidente, Geraldo Alckmin, e o prefeito de
Recife, João Campos, ambos do PSB. O apetite de alguns é notório, ainda que,
por enquanto, essa seja uma disputa silenciosa e disfarçada, até para não
passar a impressão de insurgência.
Os embates e suas consequências ficariam
restritos às inquietações internas do lulopetismo se não tivessem impacto
relevante sobre a qualidade do debate público no País. Refletir sobre o nome
que substituirá a liderança política de Lula é também refletir sobre como a
esquerda pensará e agirá, sobretudo quando se sabe que seus erros e vícios – no
exercício do poder ou na oposição – têm influência direta sobre a vida de
milhões de brasileiros. Afinal, a liderança de Lula está datada por sua própria
idade, mas não apenas: não é de hoje a falta de norte da esquerda tradicional
lulopetista, tisnada pela desorientação ideológica, pelo envelhecimento de suas
ideias e pela incapacidade de interpretar o Brasil e os brasileiros de hoje. A
condição é agravada pela malaise provocada pelo atual mandato, uma
soma perturbadora de mediocridade e falta de projeto para o País.
Para completar, o PT ainda padece de certos
vícios de origem: arvora-se como o único e legítimo intérprete dos interesses
do “povo”, enxerga-se como alvo permanente de um complô das “elites” e acha que
os eleitores que divergem da realidade petista são meras vítimas engambeladas
pelos algoritmos, pela mídia e por liberais “entreguistas” que não toleram a
ideia de justiça social. Entre petistas, é tido como verdade incontestável que
Dilma Rousseff foi cassada por um “golpe” e Lula foi preso, ora vejam, por contrariar
forças malignas que dominam o País. No evangelho dessa seita, inclui-se ainda o
identitarismo que separa os muitos oprimidos brasileiros em grupos maiores ou
menores de vítimas, conforme a cor da pele, gênero ou orientação sexual – e
excluem-se os anseios de prosperidade da classe média e das novas classes
trabalhadoras, desejosas de um Estado que não lhes atrapalhe a vida.
Eis por que está em jogo muito mais do que um
nome em disputa. É a quadratura do círculo de um lulopetismo sem Lula: caberá
ao nome ungido pelo demiurgo repensar o projeto que sempre o constituiu e
organizar uma esquerda progressista, não estatista, não radical e não
dependente de Lula. Uma contradição em si mesma.
A fila da vergonha
Folha de S. Paulo
Represamento de cerca de 2,7 milhões de
pedidos de benefícios no INSS se junta às fraudes dos descontos para escancarar
o desrespeito do governo com aposentados e pensionistas
Quando tomou posse no Ministério da
Previdência Social, em janeiro de 2023, na primeira leva de nomeações do
presidente Lula da Silva, Carlos Lupi afirmou que “a Previdência não é
deficitária” e que provaria isso “com números, dados e informações”. O ex-ministro
disse ainda não se conformar com “a humilhação de aposentados e pensionistas” e
prometeu zerar a fila de pedidos de benefícios “em tempo recorde”. O sr. Lupi
deixou o governo no início do mês, na esteira da descoberta da tunga bilionária
nos benefícios do INSS, e, hoje, a falsidade daquele discurso do então ministro
soa como tragicomédia.
Na época, Lupi situou a fila de espera para
concessão de benefícios em “mais de 1,3 milhão”; em abril último, de acordo com
o Portal da Transparência Previdenciária, 2,6 milhões pessoas, o dobro,
aguardavam a análise de seus requerimentos. Formado em fila indiana em que cada
pessoa ocupasse meio metro, esse contingente ultrapassaria a distância entre
São Paulo e Rio de Janeiro mais de três vezes. Em março, o estoque era ainda
maior, com 2,7 milhões de pedidos represados, recorde do governo Lula da Silva.
Desnorteado, o presidente editou uma medida
provisória autorizando o pagamento de bonificação pela análise e conclusão de
cada processo em espera por mais de um mês e meio, o que hoje corresponde a
algo em torno de 60% dos casos. Servidores têm direito a R$ 68 e peritos a R$
75 de bônus por cada desbloqueio. Se a medida não for aprovada pelo Congresso
até agosto, perde a validade. Logo, é esperada a abertura de mais uma frente de
barganha entre o Executivo e o Legislativo do qual é refém.
Desde quando a Operação Sem Desconto revelou
o desvio estimado em, no mínimo, R$ 6,3 bilhões em descontos irregulares de
associações e sindicatos na folha de pagamentos dos benefícios do INSS, o
governo acumula desgastes no tratamento aos aposentados sem conseguir apontar
um caminho para uma solução célere. A bem da verdade, ainda não há indicação de
solução nem sequer em médio e longo prazo. A “fila” dos lesados pela fraude que
buscam ressarcimento chegou a 2 milhões em pouco mais de uma semana da abertura
dos pedidos.
A frágil estratégia política do lulopetismo
tem sido a de atribuir ao governo de Jair Bolsonaro a facilitação dos descontos
irregulares, mas não há como impedir, com isso, o estrago na reputação de uma
gestão que permitiu a explosão de casos a um nível ainda não totalmente
dimensionado. Assim como não há como ignorar o atual estoque abarrotado de
requerimentos de benefícios que esperam análise por mais de seis meses.
O descontrole em relação ao INSS deve
degradar ainda mais a combalida popularidade de Lula da Silva, empenhado em
preparar sua campanha à reeleição em 2026. Em abril, quando as fraudes do INSS
ainda não eram conhecidas, pesquisa realizada pela Quaest revelou que a
desaprovação do presidente chegou a 56%, o pior patamar desde o início do
mandato; a aprovação caiu para 41%, o menor resultado.
Para além da presumível deterioração da
imagem de Lula num escândalo que afeta uma faixa tão sensível da população, há
ainda o efeito prático para as contas do governo. Tanto a solução para acelerar
o trâmite da fila de pedidos quanto o necessário ressarcimento dos lesados em
seus benefícios gera custos extras, com juros e correção monetária. Em abril,
na divulgação de seu Relatório de Acompanhamento Fiscal, a Instituição Fiscal
Independente (IFI) do Senado destacou que a “recorrente subestimação” de despesas
previdenciárias e de benefícios assistenciais contribui para fragilizar o
arcabouço fiscal. No documento, a IFI projetou as despesas com benefícios
previdenciários em R$ 1,031 trilhão, o que corresponde a mais de 8% do PIB
nacional. O cálculo ficou R$ 16 bilhões acima da previsão orçamentária feita
pelo governo.
Há um problema fiscal grave num governo que
não consegue, ou não quer, contabilizar da forma correta o quanto irá gastar
durante o ano – e que, costumeiramente, superestima o quanto irá arrecadar. Não
surpreende o descrédito.
Inteligência contra o PCC
O Estado de S. Paulo
Sem disparar um tiro, Brasil e Bolívia
recapturaram um dos principais líderes da facção
Um dos principais líderes do Primeiro Comando
da Capital (PCC), Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, foi localizado na Bolívia
e já está preso no Brasil, após a realização de um bem-sucedido trabalho
conjunto entre a Fuerza Especial de Lucha contra el Crimen e a Polícia Federal
(PF). Assim chegou ao fim em Santa Cruz de la Sierra a fuga de cinco anos de um
dos mais perigosos integrantes da facção nascida no sistema penitenciário
paulista há mais de três décadas e que hoje atua em quase todo o território nacional
e também no exterior.
A força boliviana prendeu Tuta quando o
criminoso tentou renovar sua carteira de identidade de estrangeiro passando-se
por Maycon Gonçalves da Silva. Em razão de inconsistências na documentação, as
autoridades locais acionaram imediatamente a PF, a quem coube a conferência dos
dados biométricos e dos registros faciais do bandido nas bases de dados do
Brasil e da Interpol.
A rapidez com que a estrutura boliviana
detectou as falhas e concertou com as autoridades brasileiras a checagem dos
dados de Tuta é um exemplo de como o diálogo institucional, o intercâmbio de
informações e o uso da inteligência são as melhores ferramentas no combate ao
crime organizado. Essa articulação mostrou que se estava diante de um
integrante do alto escalão de uma das mais poderosas organizações criminosas do
Brasil e do mundo.
A eficiência estatal na captura de Tuta
causou um inequívoco abalo na estrutura de poder do PCC. Nas ruas, o criminoso
era um dos responsáveis por cuidar dos negócios ilícitos da facção no país
vizinho. O Brasil, como se sabe, é uma das principais rotas de escoamento da
cocaína produzida na Bolívia, que em parte fica no País, em parte é enviada
para a Europa em transações milionárias.
O passado de Tuta também era motivo de
preocupação por causa de sua atuação violenta. Afinal, segundo autoridades
policiais, trata-se de um dos bandidos que estiveram à frente dos ataques de
maio de 2006, quando uma onda de atentados contra as forças de segurança do
Estado de São Paulo deixou o saldo de 564 mortos, entre eles 59 agentes
públicos. O criminoso teria participado ainda de um plano para resgatar da
prisão Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder máximo do PCC. Em 2024,
Tuta foi condenado por associação criminosa e lavagem de dinheiro, em um
esquema que teria movimentado nada menos que R$ 1 bilhão.
Foi justamente o temor de uma nova fuga que
levou os representantes dos dois países a, acertadamente, optarem pela expulsão
de Tuta da Bolívia, e não a sua extradição para o Brasil, caminho jurídico que
certamente seria mais lento e, consequentemente, mais favorável à preparação de
um plano de resgate por seus comparsas. Desde o dia 18 passado, Tuta ocupa uma
das celas da Penitenciária Federal de Brasília, o mesmo presídio de segurança
máxima onde está Marcola.
Por tudo isso, essa prisão deve ser reconhecida como uma vitória da inteligência no combate ao crime organizado. Sem que um tiro sequer fosse disparado, Tuta agora está onde deveria estar, sob custódia do Estado brasileiro.
A educação superior e o desenvolvimento do
país
Correio Braziliense
A qualificação é que o vai credenciar os
brasileiros e o Brasil a fazer parte do progresso que o mundo de hoje busca
Na última semana, o governo federal publicou
decreto com novas regras para o ensino superior na modalidade de educação a
distância (EaD). O marco regulatório determina que nenhum curso de bacharelado,
licenciatura e tecnologia poderá ser totalmente virtual. A mudança é positiva,
já que leva ao estabelecimento de uma estrutura para as aulas presenciais, por
parte das instituições, e também ao melhor aprendizado dos estudantes e,
consequentemente, em qualidade maior. Mas muitas questões cruciais que envolvem
essa fase acadêmica no Brasil ainda demandam intervenções, apesar de existirem
há anos.
Nas duas pontas do novelo, o ingresso e a
evasão continuam dando um nó na formação profissional no país, embolando o
desenvolvimento. Afinal, as conquistas sociais — que vêm do acesso ao estudo —
e o avanço econômico — derivado das ideias, da inovação e da
competência — são pontos fundamentais para o crescimento de uma
nação.
De acordo com o Mapa do Ensino Superior no
Brasil, os números indicam que, de 2022 para 2023, o aumento nas matrículas foi
de 5,6%, com o acréscimo concentrado na rede privada, que registrou um
incremento de 7,3%. Segundo o Ministério da Educação (MEC), com base no Censo
de Educação Superior, em 2023 havia 9,98 milhões de alunos em faculdades,
centros universitários e universidades.
Porém, na busca para concretizar o sonho do
diploma, a desistência é uma barreira a ser superada — em alguns cursos, a taxa
chega a ultrapassar 60%, apontando a escassez de políticas robustas que
favoreçam a permanência até a conclusão da formação.
A rede privada abre vagas e impulsiona a
expansão do acesso, só que apresenta a dificuldade dos custos das mensalidades.
A oferta pública, por sua vez, segue com capacidade limitada para receber toda
a população. Nessa conta, quem perde é a parcela de brasileiros que precisa de
financiamento para pagar os estudos.
Diante desse cenário, ações como o ProUni
(Programa Universidade para Todos) e o Fies (Fundo de Financiamento ao
Estudante do Ensino Superior) ganham importância. Iniciativas de auxílio, desde
que desenvolvidas com critérios e submetidas à fiscalização ideal, precisam ser
consideradas com a relevância que merecem na complexa realidade do ensino no
Brasil.
A adequada distribuição das instituições pelo
território nacional — criando mais polos em regiões carentes — é outra medida
necessária, embora a possibilidade de EaD reduza justamente esse gargalo.
Em tempos de mudanças rápidas,
relacionadas especialmente à forma como as tecnologias afetam o cotidiano das
pessoas e o mercado de trabalho, a educação não pode ficar presa a moldes do
passado. O investimento e a modernização são essenciais para o país, que, além
dos desafios atuais, tem a superar uma histórica baixa escolarização
superior.
A representatividade nas graduações está diretamente ligada ao desenvolvimento. A qualificação é que o vai credenciar os brasileiros e o Brasil a fazer parte do progresso que o mundo de hoje busca: com sustentabilidade, ciência, inclusão e qualidade de vida. O país precisa assumir as deficiências do ensino superior com responsabilidade e comprometimento para não ficar de fora do desenho que se coloca para o futuro.
PL da Devastação fere a Constituição Federal
O Povo (CE)
PL 2.159/2021 viola o princípio da proibição
do retrocesso ambiental e escancara o descaso da classe política brasileira com
a Constituição Federal
A aprovação do Projeto de Lei (PL)
2.159/2021, conhecido como PL da Devastação, pelo Senado Federal já é
um dos maiores retrocessos ambientais brasileiros da última década. Com 54
votos a favor e 13 contra, os senadores rejeitaram toda a jurisprudência
constitucional e aceitaram que empreendimentos podem se autolicenciar, minando
o poder de prevenção e fiscalização dos órgãos ambientais competentes.
A Constituição Federal de 1988 tem a proteção
ao meio ambiente como clara prioridade, impondo-a também como responsabilidade
das empresas e limitando o próprio princípio da livre iniciativa. Assim, o
licenciamento ambiental é essencial para garantir que os impactos ambientais
diretos ou indiretos de empreendimentos sejam analisados, avaliados, prevenidos
e mitigados. Todas as empresas são obrigadas a passar pelo escrutínio dos
órgãos competentes — a nível municipal, estadual ou federal —, estando passíveis
do indeferimento das obras.
Com o PL da Devastação, as empresas passam a
dominar o processo. Se forem consideradas de "baixo ou médio risco",
basta preencherem a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), um formulário
autodeclaratório, sem estudos prévios de impacto ambiental, nem medidas
compensatórias.
Em nota técnica de novembro de 2021, o
Instituto Socioambiental apontou que a própria alteração do termo
"impacto" para "risco" no PL enfraquece a legislação e
vulnerabiliza a proteção ambiental. Enquanto impacto é "qualquer alteração
das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente", risco é
"a possibilidade da materialização do perigo ou de um evento indesejado
ocorrer".
De acordo com o Ministério de Meio Ambiente e
Mudança do Clima (MMA), o texto "viola o princípio da proibição do
retrocesso ambiental", "segundo o qual o Estado não pode adotar
medidas que enfraqueçam direitos".
O texto volta para a Câmara dos Deputados
após receber várias emendas, incluindo a emenda 198, de autoria do presidente
do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil). Por ela, ficaria criada a
Licença Ambiental Especial (LAE), um procedimento que autoriza o Governo
Federal a acelerar o licenciamento de empreendimentos tidos como estratégicos,
independente dos impactos ambientais deles. Exemplo prático seria evitar o
"lenga-lenga" — como definido pelo presidente Lula (PT) — de órgãos
ambientais na viabilização de grandes obras federais, como a exploração de
petróleo na Foz do Amazonas. Pressa que Lula demonstrou ter ao pressionar o
presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, a ignorar os consecutivos pareceres
técnicos do órgão e autorizar licenciamento da exploração no bloco FZA-M-59.
Após apreciação dos deputados, cabe ao presidente Lula, com o poder de veto, demonstrar a quem respeita mais: se a Constituição Federal, ou os interesses privados.
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