Folha de S. Paulo
Performance alimenta a ideia de que a
universidade é um feudo ideológico
A imagem das universidades públicas
brasileiras talvez nunca tenha sido tão ruim. É crescente o número de pessoas
convencidas de que se trata de um desperdício de recursos, já que essas
instituições estariam mais empenhadas em formar militantes radicais de esquerda
—e não os profissionais de que o país precisa—, além de oferecerem a estudantes
privilegiados um parquinho privado e caríssimo para o desfrute narcisista,
entre pares, de sua ideologia.
Em vez de entregar formação de alto nível, ciência e inovação, as universidades seriam parte da linha de produção da elite identitária. E, longe de espaços de liberdade intelectual, teriam se tornado ambientes intolerantes ao pluralismo de ideias e clubes privados dos progressistas, desconectados da população que os sustenta.
Não deveria ser necessário dizer isso, mas, nestes tempos em que a raiva política precede a leitura do texto, é preciso esclarecer: trata-se da percepção pública. Sei que as universidades públicas são muito melhores do que a imagem que delas fazem seus detratores. Acontece que, na hora da decisão parlamentar sobre os enormes orçamentos das universidades, ou quando se discute, por exemplo, se vale a pena gastar tanto com o ensino superior em vez da educação básica —dado o cobertor curto da fazenda pública—, é essa percepção, não a realidade, que costuma decidir as coisas.
Feito o diagnóstico, surgem os clichês para
justificar os fatos. A esquerda tem uma coleção deles, que vai desde o "à
direita interessa destruir a universidade pública
para manter a dominação da elite" até o "a extrema direita sabe que a
universidade é a última resistência contra o fascismo". Mas recusa
qualquer explicação sobre a deterioração da imagem das universidades públicas
que envolva os próprios progressistas e as consequências de seus atos.
Esses atos, contudo, não são poucos. Não vou
comentar o uso da universidade como laboratório de provocação social por parte
de vanguardas identitárias, nem os cancelamentos semanais de professores
acusados de racismo, misoginia ou transfobia, com ampla repercussão. Tampouco o
avanço do lobby trans nas universidades, que, a golpes de acusações de
transfobia, vem aprovando, de forma atropelada, cotas para pessoas trans em
todos os níveis. Sobre isso, gostaria muito de entender como a esquerda
pretende explicar aos eleitores, no ano que vem, que "pessoas não
binárias" são vítimas mais merecedoras de políticas compensatórias do que,
por exemplo, adolescentes mães solteiras ou filhos de pais analfabetos.
Tudo isso tem um impacto tremendo sobre o que
se pensa das universidades públicas, mas hoje quero chamar atenção para outro
fenômeno: a violência contra "intrusos" de direita. Na semana
passada, foi na Universidade
Federal Fluminense; na anterior, na Universidade Federal de Minas Gerais.
Toda semana há um novo episódio.
O roteiro é conhecido. Provocadores de
direita, cientes da imagem que as universidades têm, visitam determinados campi
para demonstrar que são ambientes de uma só ideologia, usados como propriedade
ideológica privada pelos progressistas e, além de tudo, intolerantes e
violentos. E, invariavelmente, provam-no. Filmam pichações, banheiros
degradados e registram o uso político "monoideológico" do espaço
público. Por fim, são expulsos por turbas de estudantes de esquerda, à base de
tapas, ameaças, pauladas e berros de "recua, fascista, recua!". Tudo
isso transmitido ao vivo em canais digitais.
O provocador obtém, invariavelmente, o que
foi buscar: a demonstração de que a esquerda não suporta divergências, de que
não há espaço para conservadores na universidade, de que os progressistas são
dogmáticos e violentos. Os estudantes de esquerda, também. Afinal,
consideram-se guerreiros da justiça que enfrentaram mais uma batalha contra
bárbaros fascistas que ousaram entrar em seu território, e acreditam ter
defendido a democracia dos intolerantes —mesmo que à base de pauladas e
insultos, como deve ser. No dia seguinte, reitorias e conselhos lamentarão, não
o fato de que pessoas tenham sido expulsas do campus por razões ideológicas,
mas o fato de que "pessoas estranhas à comunidade" tenham ousado
conspurcar os nossos templos do saber e da liberdade.
Todos ganham: cada lado confirma a própria
superioridade moral e comprova que o outro é intolerante e perigoso. Só quem
perde é a universidade pública, claro. Mas quem se importa? Há causas mais
urgentes a cumprir —como "destruir o fascismo", para uns, ou
"provar que a universidade é um antro de reprodução de militantes com
dinheiro público", para outros.
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