Valor Econômico
Ano pré-eleitoral e crise na popularidade de
Lula colocaram em força máxima a usina de ideias de novas medidas para
conquistar o coração do eleitor
O ano pré-eleitoral e a crise na popularidade
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocaram em força máxima a usina de
ideias de novas medidas para conquistar o coração do eleitor. O problema é que
o governo cuida mal dos programas que já existem, como mostra o recente
escândalo dos descontos não autorizados no INSS.
Além disso, por serem genéricas, informações sobre planos e ideias deixam no ar a dúvida se representam ou não pressão para aumentar gastos, já fortemente comprimidos pelo arcabouço fiscal. Ou, como tem sido a tendência mais recente, se são despesas que, por serem financeiras, não afetam o resultado primário das contas públicas e o arcabouço, mas podem aumentar a dívida.
Como informaram neste jornal os repórteres
Sofia Aguiar e Renan Truffi, estão no forno linhas de crédito para melhorar
moradias precárias e para trocar motocicletas. A tarifa social nas contas de
luz deve ser ampliada, assim como o vale-gás.
Se envolverão subsídios do Tesouro ou redução
de impostos, não se sabe ainda.
A mesma dúvida se aplica aos anúncios feitos
ontem por Lula na Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios. Ele falou no
lançamento de uma linha de crédito para reformar casas com a menor taxa de
juros possível e no programa que dará acesso a especialidades médicas. O
presidente não detalhou como serão financiadas.
A revista “Veja” noticiou na semana passada a
intenção do governo de elevar o benefício do Bolsa-Família de R$ 600 para R$
700 em 2026. O novo gasto agitou o mercado. O ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, veio a público para negar estudos nesse sentido.
Por causa do arcabouço fiscal, que limita
gastos do governo e impõe que neste ano receitas e despesas ficarão no zero a
zero, há pouco espaço para “jenialidades”, como são chamadas nos bastidores as
novas medidas de apelo popular com impacto fiscal. Encontrar recursos no
Orçamento para bancar esses programas é sofrido.
Assim, buscam-se formas alternativas. A
ampliação do vale-gás, por exemplo, foi originalmente desenhada para transitar
fora do Orçamento: recursos do pré-sal seriam repassados diretamente para a
Caixa, que operaria o programa. O Tribunal de Contas da União (TCU) estrilou. O
programa será redesenhado e a condição imposta pela área econômica é que
transite pelo Orçamento.
O Ministério de Minas e Energia também quer
ampliar a isenção da conta de luz para 60 milhões de pessoas. Para não impactar
o Orçamento, propõe cobrar a conta dos grandes consumidores.
“É populismo”, reagiu o presidente da
Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, em conversa com a
coluna. Vai tirar a competitividade dos produtos brasileiros justamente no
momento em que a concorrência com itens produzidos na Ásia ficará mais
acirrada, diante do fechamento parcial do mercado dos EUA.
Nesse cenário de aperto orçamentário, fundos
e operações de crédito viraram válvulas de escape.
Por exemplo, um leilão de cotas do antigo
Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) resultou em R$ 816 milhões, que
serão aportados em uma das obras mais emblemáticas do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC): a ferrovia Transnordestina. Outros R$ 350 milhões foram
obtidos com a venda de cotas do Fundo de Investimento da Amazônia (Finam).
Podem ser aportados na linha de transmissão Manaus-Boa Vista. Os recursos serão
entregues aos concessionários, como operações de crédito.
Como informou a repórter Edna Simão, deste
jornal, o governo enviou ao Congresso Nacional propostas para ampliar a atuação
de bancos oficiais. Quer autorização para o Banco do Nordeste (BNB) abrir
subsidiárias e para a Caixa constituir uma fundação. São estruturas que outros
bancos já possuem, alega o governo. Especialistas avaliam que essas mudanças
podem abrir brechas para a realização de políticas públicas fora do Orçamento.
Enquanto isso, programas já existentes
mostram problemas. Este jornal trouxe na segunda-feira reportagem de Isadora
Peron dando conta de que a Polícia Federal investiga a venda de registros no
CNPJ de estabelecimentos cadastrados no Farmácia Popular. São apuradas fraudes
estimadas em R$ 2,5 bilhões de 2015 a 2020.
O Pé-de-Meia é auditado pela
Controladoria-Geral da União (CGU). Os pedidos de ressarcimento no INSS
ultrapassam 1,6 milhão.
A digitalização abre uma avenida para
melhorar o controle sobre quem, não deveria, mas é beneficiado por programas
federais. Esse é um trabalho que avança a duras penas, informam técnicos, por
causa de uma combinação de falta de recursos, de pessoal e de apetite político
em desmontar esquemas há muito estabelecidos.
O pente-fino de R$ 25,9 bilhões prometido
para este ano deverá produzir economia bem menor. A revisão de gastos é vista
como impopular e imprópria para anos eleitorais.
Mas não deveria. A correção de desvios
poderia evitar novos escândalos e demonstrar zelo com o cidadão e com o
dinheiro do contribuinte. De quebra, poderia abrir espaço no Orçamento para
acomodar os novos programas que os estrategistas políticos tanto querem
viabilizar.
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