- O Globo
Cabe a ele desanuviar o ambiente político e encaminhar o país para novos rumos, como a vontade majoritária do eleitorado quis
O governo que se inicia hoje com a posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República, ao mesmo tempo em que confirma o mais longo período democrático ininterrupto no Brasil, também repete uma situação que se tornou comum no país, revelando a fragilidade dessa mesma democracia, ainda em progresso: Bolsonaro é o terceiro que recebe a faixa presidencial de um presidente que não foi eleito diretamente pelo voto popular.
Michel Temer, que passará a faixa a Bolsonaro, chegou à Presidência da República devido ao impeachment de Dilma Rousseff, de quem foi vice por dois mandatos. Os outros foram Fernando Collor, que recebeu a faixa de José Sarney, vice que assumiu pela doença e morte de Tancredo Neves, e Fernando Henrique Cardoso, que a recebeu de Itamar Franco, vice que assumira o governo pelo impeachment de Collor.
Esses 33 anos contínuos de democracia brasileira, contados a partir da eleição indireta do civil Tancredo Neves no Colégio Eleitoral em 1985, encerrando 21 anos de ditadura militar, representam apenas cerca de um quarto de 129 anos da história republicana do país.
Depois da redemocratização, apenas dois presidentes eleitos pelo voto direto passaram a faixa presidencial para civis também eleitos pelo voto: Fernando Henrique e Lula. E apenas Lula fez o ciclo completo, transmitiu ao sucessor a faixa que recebera de outro civil, também eleito pelo voto direto.
Anteriormente, na chamada Quarta República, nos momentos de democracia que eram quebrados por golpes, apenas Juscelino Kubitschek, eleito pelo voto direto, cumpriu o mandato integralmente e deu lugar a um sucessor também eleito diretamente. Dos oito presidentes eleitos pelo voto direto nas últimas décadas, quatro não terminaram seus mandatos: Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Fernando Collor e Dilma Rousseff.
O que mostra quão frágil é nossa democracia, comparada pelo político socialista João Mangabeira na Constituinte de 46 a “uma planta tenra, que exige todo cuidado para medrar e crescer”. Uma metáfora criada há mais de 70 anos que permanece atual, se não estilisticamente, pelo menos na advertência que contém.
A quarta década de democracia ininterrupta no Brasil chega com esse regime político que, na frase famosa de Churchill, é o pior com exceção de todos os demais, fortalecido pelos brasileiros em pesquisa Datafolha.
Em votação recorde, a maior desde 1989 quando se disputava a primeira eleição direta depois do regime militar, a democracia recebeu nada menos que 69% de aprovação, índice crescente na preferência dos eleitores, ao mesmo tempo em que os partidos políticos, canais da sociedade com o poder político, perderam a influência pelo descrédito.
Graças a esse fenômeno, turbinado pela emergência dos novos meios digitais de comunicação, tivemos uma eleição presidencial das mais radicalizadas, disputada por diversas correntes políticas, com excessos retóricos de todos os lados, e até mesmo um atentado à vida do candidato que se elegeu e toma posse hoje, cercado por um aparato de segurança jamais visto.
Justifica-se o esquema não apenas pelo nada retórico atentado, como também por diversas ameaças atuais detectadas pelo sistema de inteligência da Presidência da República. A radicalização da campanha eleitoral continua, com o PT e o PSOL boicotando a posse, e o presidente eleito estimulando pelo Twitter seus eleitores do núcleo mais duro com palavras de ordem que, se não são incoerentes com sua postura de candidato, não se coadunam com uma Presidência que possa pacificar o país.
Cabe a ele, Jair Bolsonaro, desanuviar o ambiente político e encaminhar o país para novos rumos, como a vontade majoritária do eleitorado quis, mas procurando conciliar as partes, sem o que não superaremos nossos problemas, que são muitos e precisam ser atacados com uma dose de sacrifício da população que só será aceita se o interesse nacional estiver acima das disputas ideológicas vulgares.
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