sábado, 23 de outubro de 2021

Pablo Ortellado - Mea-culpa petista

O Globo

O PT está se organizando para enfrentar as acusações de corrupção que recaem sobre o partido mirando as eleições de 2022. Seus políticos estão sendo treinados para rebater as acusações, e o partido recentemente publicou um manual para treinar os militantes.

Se, por um lado, se trata apenas de uma estratégia (legítima) para disputar a opinião pública em período pré-eleitoral, nos seus efeitos a iniciativa dará sobrevida a um antipetismo radicalizado. O PT está olhando demais para os resultados eleitorais de curto prazo e muito pouco para como sua postura de não assumir os erros políticos alimenta a intolerância e radicaliza a direita.

O partido tem todo o direito de denunciar a perseguição judicial de que foi vítima, muito bem documentada na série de reportagens conhecida como Vaza Jato. Não foi à toa que as condenações do ex-presidente Lula foram anuladas. Mas também não há sombra de dúvida de que, durante as administrações petistas, houve conluio entre a Petrobras e um pool de empreiteiras que desviou bilhões de reais para políticos.

Não foi provado que Lula organizou ou mesmo que tinha ciência do desvio, mas seguramente o ex-presidente tem responsabilidade política por um ato de corrupção dessa magnitude ter acontecido durante seu governo.

A estratégia argumentativa que o PT está adotando é embaralhar os fatos, usando a perseguição judicial para jogar fumaça sobre a montanha de evidências de corrupção na Petrobras. Essa estratégia pode reduzir as resistências a Lula junto a alguns eleitores hesitantes, mas também enfurecerá e radicalizará bolsonaristas e outros antipetistas que já sentem que a anulação das condenações de Lula representa uma vitória da impunidade.

Por um lado, a estratégia ajuda o PT nas eleições de 2022; por outro, consolida a polarização política que envenena o país.

A polarização tem efeitos eleitorais relevantes, mas não é um fenômeno eleitoral. É uma dinâmica que toma a sociedade civil e faz com que dois segmentos do público se radicalizem, se fanatizem e se tornem intolerantes um com o outro. Nem sempre a polarização é simétrica, com os dois lados adotando posturas políticas antidemocráticas —mas ela sempre é relacional. Cada movimento de um campo repercute no outro. É por isso que as ações do PT têm enorme impacto na estruturação da extrema direita.

A postura que o PT decidiu adotar para as eleições de 2022 não é o único caminho —e certamente não é o melhor. O partido poderia reconhecer que houve corrupção grave durante seu governo e se comprometer a não deixar que isso volte a acontecer. Um mea-culpa honesto como esse não ganharia um único voto governista, mas distensionaria o ambiente e esmoreceria o antagonismo antipetista.

É preciso lembrar que a oposição tem uma dupla tarefa, uma eleitoral, outra com a sociedade civil. Não basta derrotar eleitoralmente Bolsonaro; é preciso também desmontar as condições políticas que fizeram a extrema direita emergir como força política relevante.

 

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