Para secretário de Doria e ex-presidente da Câmara, 'orgia fiscal' do atual governo torna presidente vulnerável
Fábio Zanini / Folha de S. Paulo
SÃO
PAULO - Ex-presidente da Câmara dos Deputados e atualmente secretário do
governo João Doria (PSDB), Rodrigo Maia, 51, diz que o alvo prioritário da
terceira via por uma vaga no segundo turno tem de ser o presidente Jair
Bolsonaro (sem partido), mais do que Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"O adversário é o
Bolsonaro, que entrou no nosso eleitor", diz Maia, que se licenciou do
mandato parlamentar e atualmente é responsável pela pasta de Projetos e Ações
Estratégicas em São Paulo.
Segundo ele, a "orgia
fiscal" do atual governo, representada pela tentativa de furar o teto de
gastos, vai
causar inflação e aumento de juros, anulando qualquer efeito
político da elevação do Bolsa Família.
"Quem está na Crefisa
[empresa de crédito pessoal] e no agiota não é o rico. Quem está no mercado
paralelo de crédito é o pobre. Ele que vai acabar sentindo o aumento da
inflação e dos juros", afirma.
Para o secretário, isso vai
derrubar a popularidade de Bolsonaro, abrindo caminho para uma candidatura de
centro-direita, que ele crê será a de Doria.
No governo paulista, Maia
participa da elaboração de projetos como a privatização da Sabesp e o novo trem
de passageiros ligando a capital a Campinas.
Expulso do DEM, ele ainda
define para qual partido irá, mas já decidiu que disputará novo mandato de
deputado federal pelo Rio.
Para Maia, o eleitor
fluminense não vai estranhar sua temporada paulista. "Vim para São Paulo
fazer política nacional. É óbvio que o carioca, que sempre teve uma visão
importante de Brasil, vai compreender."
Como o sr. vê o novo
Bolsa Família, e a possibilidade de que fure o teto de gastos?
O teto já acabou. Isso é a pá
de cal. O que não estão entendendo é que o limite de gasto tem relação direta
com a vontade da sociedade de não pagar mais impostos. Se você continuar a
aumentar despesa acima da inflação, vai ter que arrecadar dinheiro.
E o efeito na
popularidade do Bolsonaro, qual vai ser?
A aliança do [Paulo] Guedes
com o Arthur Lira [presidente da Câmara] está copiando a mesma equação da Dilma
[Rousseff] em 2014. É uma orgia fiscal. Quando fizemos o auxílio emergencial em
2020, com valor muito alto, e com o governo ampliando para mais gente do que em
tese seria necessário, tínhamos inflação de 1%, 2%, 3%. Estamos agora com 10%.
Se você amplia o cenário de
desorganização fiscal, está dizendo que vamos perder o controle da inflação.
Quem vai pagar essa conta é o próprio beneficiário do Bolsa Família. O câmbio
desvaloriza mais, o botijão de gás fica mais caro, o diesel, o alimento. Está
dando com uma mão e tirando com a outra.
Como o sr. vê o futuro
da agenda de reformas no Congresso?
Ele [Bolsonaro] fez a emenda
de relator de R$ 15 bi. Aprovou a PEC [emenda] Emergencial sem nenhum corte de
despesas. Aprovou
a MP da Eletrobras com o maior jabuti da história, R$ 83 bilhões
que a sociedade terá de pagar para a construção de termelétricas.
O projeto do Imposto de Renda é um desastre. Que projeto o governo aprovou até agora que foi positivo para a sociedade? O presidente da Câmara não entende a importância do teto de gastos e da Lei de Responsabilidade Fiscal. A sociedade não quer pagar mais impostos.
O sr. não vê a
possibilidade de aprovação de nenhuma nova reforma nesse governo?
Os textos que estou vendo ir
para a Câmara na área econômica estão gerando mais insegurança, e do ponto de
vista institucional estão desorganizando a sociedade. Aquela PEC que foi votada
logo depois da prisão do [deputado] Daniel Silveira não foi aprovada, mas era
para enfraquecer o Supremo. O
novo Código Eleitoral era para enfraquecer o TSE. Há uma nítida
linha de ação de orgia fiscal de um lado e enfraquecimento de instituições de
outro.
A proposta da mudança na
composição do CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público] o sr. coloca na
mesma linha?
Não conheço o texto. Tirar a
autonomia do Ministério Público pode ser grave. Mas da forma como trabalham
hoje, são os únicos servidores públicos do Brasil que ninguém controla. Não sou
contra que se crie uma regra em que o Ministério Público seja efetivamente
fiscalizado. O Ministério Público surfa de forma paralela ao resto dos
servidores. Se
essa PEC é o melhor caminho não sei, porque não conheço a redação.
As últimas manifestações
de rua contra Bolsonaro foram pequenas, e a eleição está a menos de um ano. É o
caso de desistir do impeachment e focar em tirar o presidente pelo voto?
Quando eu era presidente da
Câmara, não havia voto para o impeachment. Acho
que hoje também não temos. Os deputados estão olhando suas eleições,
então as emendas passam a ter um peso cada vez maior.
O governo não consegue
viabilizar a execução de todos os recursos, gera insatisfação. Mas não acho que
haja clima majoritário, de 342 votos, para se avançar no impeachment. Não acho
que o presidente Arthur vá encaminhar um tema desses, pelas condições em que
foi eleito, com apoio do presidente.
A oposição deveria
continuar fazendo manifestações, ou melhor virar essa página?
É importante que os partidos
continuem mobilizados. Mas mais grave é a posição dos que se dizem da terceira
via, porque estão 100% na base do governo. O Bruno Araújo [presidente do PSDB]
diz que os deputados são oposição, mas continuam votando com o Bolsonaro. O
discurso de que a pauta econômica é a nossa pauta não é mais verdadeiro. A
pauta econômica deixou de ser aquilo que a gente historicamente vem defendendo
desde o governo Fernando Henrique.
A fragmentação do campo
entre Lula e Bolsonaro é a morte da terceira via?
Não, estou convencido que
haverá um nome, que eu acho que é o Doria. A terceira via tem uma chance, que é
viabilizar um nome no Sudeste. O Sul e o Centro-Oeste estão contaminados pelo
bolsonarismo, e o Nordeste pelo lulismo.
O Sudeste é a região em que
você tem menos contaminação pela polarização. A polarização comanda a agenda
nacional ainda, e o Doria não é visto como candidato a presidente, apesar
de a avaliação dele estar melhorando muito de janeiro para cá.
Janeiro era sofrível, hoje é intermediária.
Se o candidato for
Eduardo Leite é mais difícil?
Muito mais difícil. São dois
grandes governadores. Claro que o tempo de vida, experiência, para um cargo
como presidente conta muito. Não que um jovem não posso ser presidente, até
porque ele [Leite] tem experiência. Mas ele vai sair de um estado bolsonarista,
e quem não é bolsonarista lá é petista.
O Doria está num estado que
nunca foi bolsonarista, aqui Bolsonaro foi uma opção [em 2018]. Nas pesquisas,
hoje São Paulo é um estado aberto. Claro que tendo um governo bem avaliado em
São Paulo, e o governo Doria vem melhorando, a
probabilidade de se viabilizar no Sudeste é muito maior do que a do Eduardo
Leite.
Quem na sua avaliação é
mais fácil de desalojar do segundo turno, Lula ou Bolsonaro?
Só tem um para sair do
segundo turno, que é o Bolsonaro. O candidato que está no nosso campo da
centro-direita bate no Lula para mostrar que é diferente, mas o adversário é o
Bolsonaro, que entrou no nosso eleitor.
Lula vai tentar fazer
incursões nesse eleitorado de centro-direita, não?
Claro. A eleição está montada
hoje para o Lula ganhar. Se você desorganizar o processo, acontece o que eu
imagino, que é essa orgia fiscal inviabilizar o Bolsonaro. Quem está na Crefisa
e no agiota não é o rico. Quem está no mercado paralelo de crédito é o pobre.
Ele que vai acabar sentindo o aumento da inflação e dos juros.
No governo Lula, o sr.
presidia o DEM, era um dos principais líderes da oposição. O sr. acha que ele
vai se apresentar com qual figurino na campanha?
A gente vai ter que esperar,
porque na hora que o [ex-ministro da Fazenda] Nelson Barbosa fala em tese pelo
PT, você está olhando uma política mais parecida com a Dilma, mais
intervencionista no Estado, na economia. O
Lula dá sinais de que vai montar uma aliança parecida com 2002.
No primeiro governo foi muito
difícil combater, porque ele montou com o [Antonio] Palocci uma equipe
econômica muito mais convergente com o que a gente pensava do que o Paulo Guedes.
Marcos Lisboa, Bernard Appy, Joaquim Levy [integrantes da equipe econômica de
Lula] têm muito mais convergência com a gente. Ali
tem uma cabeça do papel do Estado em relação à parte social, que no
caso dos radicais liberais não tem. O Guedes não tem pensamento, a gente foi
enganado. Ele não é liberal, não é nada, é um animador de auditório.
Se o Lula vier com essa
roupagem centrista, amigo do mercado, não fica mais complicado para o Doria se
diferenciar?
Claro que quanto mais forte a
terceira via vier, mais o Lula vai ter que caminhar para o centro. Se o
Bolsonaro seguir sendo o adversário dele, Lula vai poder jogar parado, não
precisa se comprometer com ninguém.
Se o Bolsonaro começa a se
enfraquecer, como eu acho que vai acontecer, e caminhar para menos de 20% das
intenções de voto, naturalmente alguém vai ocupar o espaço, porque existe o
antipetismo ainda.
E qual espaço o Ciro
Gomes pode ter?
O Ciro é um candidato forte.
Eu tentei levar o DEM a apoiá-lo. Quando empresários me perguntavam se eu
estava maluco, eu dizia que precisávamos construir uma agenda com o Ciro na
economia, porque no social não ia ter muita diferença.
O
crescimento do Lula gera um desafio para o Ciro. O problema
dele é por onde entra nesse jogo. Está numa estratégia de enfrentamento ao
Lula. Como ele fica com o voto da esquerda? Não acho que ele vá ter muito
espaço nos eleitores que deixaram Bolsonaro. Se tivesse, já tinha entrado em
2018. Vai ter que entrar num espaço mais à esquerda, e num campo nosso que
respeita ele, como é o meu caso. Acho que a grande aliança para o Brasil seria
do PSDB com o PDT.
Mas realisticamente é
muito difícil.
Muito. Esse Brasil dividido
vai precisar de um pacto nacional em 2023, porque quem ganhar a eleição vai
receber o país numa situação desastrosa, uma catástrofe de indicadores
econômicos, sociais, que vão estar piores do que estão hoje. A pobreza vai
estar pior, o desemprego, a taxa de juros vai estar mais alta, contaminando
milhões de brasileiros endividados.
Qual seu projeto para
2022?
Deputado federal pelo Rio de
Janeiro. Sobre o partido ainda vou aguardar para decidir.
O seu eleitor vai
entender essa sua fase paulistanizada?
Não vejo nenhum problema em ser convidado para ser secretário num tema que sempre gostei, que é a parte de concessões, privatizações, na principal economia do Brasil. Para o Rio de Janeiro, é uma demonstração de que sou um quadro importante da política nacional. É óbvio que o carioca, que sempre teve uma visão importante de Brasil, vai compreender.
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