Querer transformar em heróis os principais líderes condenados pelo mensalão
tem o mesmo tom de farsa da afirmativa de que são "prisioneiros políticos
condenados por um tribunal de exceção". A defesa de José Dirceu tenta
constranger os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) da mesma maneira que
a de José Genoino tentou em vão durante o julgamento, confrontando-os com uma
história de vida que teria "alto valor social" pela luta política
desenvolvida tanto contra a ditadura militar quanto na democracia, com a
fundação do Partido dos Trabalhadores.
Seria realmente patético se, em consequência dessa classificação esdrúxula
de "perseguidos políticos", alguns deles pedissem asilo político a
"democracias" como a Venezuela ou Cuba, capazes, sim, de compactuar
com a farsa que surge da tentativa de repetir a história. Ou o Equador, como
fez, desmascarando-se, Julian Assange do Wikileaks. Cairiam no ridículo se
tentassem pedir asilo a uma democracia verdadeira.
Como escreveu Karl Marx, autor que deveria ser conhecido da parte dos réus
que tenta dar contornos políticos à roubalheira em que foram apanhados, a
história se repete, "a primeira vez como tragédia e a segunda como
farsa".
Pois Genoino, ex-presidente do PT, e Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa
Civil, tentam trazer para o presente o passado, que para muitos foi heroico,
para justificar os crimes que praticaram contra a democracia, a favor da qual
dizem ter lutado.
Nada indica que a Guerrilha do Araguaia promovida pelo PCdoB maoista
pretendesse instalar no Brasil um governo democrático, nem que José Dirceu, do
Molipo (Movimento de Libertação Popular) tenha ido para Cuba aprender
democracia.
Mesmo sem entrar nos eventuais méritos que tenham tido na luta política,
esses "valores sociais" só fariam agravar a atuação dos dois no
episódio em julgamento, pois estariam traindo seus "ideais
democráticos", agindo contra a própria democracia.
O ex-guerrilheiro José Genoino já havia se transformado em um perverso
formulador da História ao se dizer vítima de novos torturadores da imprensa,
que em vez de pau de arara usariam a caneta para lhe infligir sofrimentos. Tal
desvirtuamento de ideias, transformando a liberdade de expressão e de
informação em instrumentos de tortura, mostra bem a alma tortuosa desse
político metido em bandidagens a guisa de impor um projeto político
"popular".
Transformar um bando de delinquentes, na definição do ministro Celso de
Mello, em heróis é uma tentativa de vitimizar os condenados, dando conotações
políticas elevadas ao que não passou de um assalto aos cofres públicos com o
objetivo de perpetuar um partido no poder através do desvirtuamento da própria
democracia.
No julgamento, alguns ministros, mesmo que sugerindo respeito, ressaltaram
que não estavam julgando o passado dos réus, mas os fatos nos autos do
processo. Autos produzidos no sistema judiciário democrático, sob a atuação do
Ministério Público Federal, um avanço da Constituição de 1988 (que o PT se
recusou a assinar).
Os dois procuradores que atuaram no processo, Antonio Fernando de Souza e
Roberto Gurgel, foram nomeados pelo ex-presidente Lula, e sete dos dez atuais
ministros do Supremo Tribunal Federal foram indicados por Lula e Dilma.
Sem falar que o PT está no governo há dez anos, e o processo se desenvolveu
nos últimos sete anos. Todos esses pontos tornam ridícula a alegação de que os
condenados foram vítimas de um complô "da direita" em conluio com a
"mídia golpista".
Até Lula, de fora do processo, mas cada vez mais dentro do projeto de poder
beneficiário dos golpes cometidos, saiu-se com a tirada de que já fora
"absolvido pelas urnas", alegando para isso sua reeleição, seus 80%
de popularidade e a eleição de Dilma.
Fora o ato falho de admitir que alguma coisa fizera para ser absolvido, Lula
teve que ouvir dos ministros, em diversas ocasiões, que eleição não tem o dom
de apagar os crimes cometidos.
Essa tentativa por parte de Dirceu de colocar-se como um grande brasileiro
com "valor social" tem a ver com a possibilidade de anistia por parte
da presidente da República, hipótese aventada para o fim do ano. Seria um
acinte ao STF, um escândalo para a opinião pública e um reforço à percepção de
que, no Brasil, quem tem amigos poderosos não vai para a cadeia.
Fonte: O Globo
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