Extrativistas de dinheiro público não abrem
mão de supersalário
Fosse apenas autoritária, autocrática e
autárquica, a magistocracia não atiçaria tantas emoções primárias. Se só chancelasse
violação de direitos de vulneráveis, reprimisse independência judicial e
rejeitasse controle, chamaria menos atenção. Mas quis se dedicar também a
extrativismo ilegal do orçamento público, espécie de grilagem. Sua face
rentista consegue incomodar até nossa sensibilidade pouco republicana.
Magistocratas não são os únicos grileiros no Estado brasileiro. Parlamentares, partidos e setores empresariais adotam técnicas de grilagem orçamentária. A magistocracia só o faz de modo juridicamente mais rocambolesco. Pratica corrupção institucional com polimento moral. Sem dispensar o acabamento legalista.
A magistocracia tenta exibir abnegação e
sofrimento, coragem e competência. Onde vemos corrupção, a magistocracia pede
que vejamos virtude e merecimento. Onde vemos cinismo, aponta honra ao mérito.
E define o que é "legal" no final. Suas ambições patrimoniais se
legalizam num passe de caneta. Não na política democrática, mas a portas
fechadas.
O artifício da corrupção institucional tem
três truques: 1) multiplicar "auxílios" impropriamente classificados
de "indenizatórios" para não só isentar de tributos mas romper o
teto; 2) torná-los retroativos a um período inventado (e assim receber no
presente o acumulado de um passado juridicamente fabricado); 3) proteger férias
de dois meses, além do recesso, para serem vendidas, não usufruídas; criar dias
de folga por dias trabalhados, e assim possibilitar vender, não usufruir, dias
de folga.
A notícia da semana é que o "PL dos
supersalários institucionalizaria R$ 7,1 bi em penduricalhos" e
"Judiciário distribuiu
ao menos R$ 10,3 bilhões retroativos de janeiro de 2018 a abril de
2025".
A série "Brasil de Privilégios", do UOL, resume o último
ano:
"Nove em cada 10 juízes no Brasil
ganharam mais que os ministros do STF em 2024"; "Penduricalho faz
elite do Judiciário ter 35% da renda livre de impostos"; "Juízes já
ganham mais em penduricalhos e adicionais do que com o salário";
"Volta de privilégio extinto há duas décadas faz juízes ganharem R$ 1
milhão". "Vantagens a desembargadores aposentados do TJ-SP sobem
1.488% em 5 anos"; "Os 36 mil supersalários são só uma parte do
total".
É juspornografia com dinheiro público, mas há
também com dinheiro privado. O repertório inclui privilégios a parentes
advogados, conversão da permissão constitucional para a "docência" em
palestras remuneradas e eventos de lobby. E ainda tem a via do assédio
judicial: diante da crítica, processam civilmente para obter indenização e
criminalmente para ameaçar prisão e gerar silenciamento. Afinal a honra
judicial é o bem mais valioso no confuso mercado da liberdade de expressão,
gerido por juízes.
A corrupção institucional está radiografada,
explicada e divulgada. Não há mais o que apurar sobre a lógica de
funcionamento, apenas sobre novas ocorrências. Por dever de ofício, o
jornalismo precisa continuar.
Não falta informação, falta ação. A ação
precisa entender as razões da inércia e do bloqueio. E iluminar as formas de
cumplicidade e intimidação de atores de dentro e de fora do sistema de Justiça.
O jornalismo poderia ajudar a nomear os operadores, não estivesse ameaçado de
retaliação. E o repórter de demissão.
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