Folha de S. Paulo
Nem sua linhagem europeia a protegerá de ser
responsabilizada por tentativa de golpe de Estado
É digna de nota (de repúdio, diga-se) a forma com a qual a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) vê a sua dupla nacionalidade como escudo para esquivar-se da Justiça. "Como cidadã italiana, eu sou intocável na Itália, não há o que ele possa fazer para me extraditar de um país onde eu sou cidadã", afirmou Zambelli à CNN Brasil, mostrando que, além de mentir sobre como funciona o sistema eleitoral, mente sobre como opera a lei.
A rigor, Zambelli falseia: a Constituição
italiana não veda a extradição de seus cidadãos (diferentemente da brasileira
no caso de cidadãos natos), sendo possível tanto o cumprimento da pena na
Itália, quanto a extradição de Zambelli ao Brasil com base em tratados
internacionais ratificados por ambos e avaliado o caráter criminal da conduta
nos dois países. Importa, no entanto, que Zambelli faz uso da cidadania
europeia por razão que não a jurídica.
Para a elite brasileira, a cidadania europeia
é pedigree identitário da branquitude, ou seja, é a reivindicação de uma
linhagem superior a dos demais mestiços mambembes. Salvo nos casos raros em que
se busca afirmar um laço genuíno, o passaporte europeu serve como definidor de
privilégios em tempos de crescente nacionalismo racista anti-imigração nos EUA
e na Europa. Branquitude não é um dado objetivo, mas sim contextual. Os
privilégios simbólicos e/ou materiais a que pessoas brancas têm acesso (p.ex., impunidade
perante a lei) estão condicionados a se estas são lidas como tais (aqui vale
ler Cida Bento e
Lia Schucman).
A asserção da branquitude europeia não vem
sem contradições internas. Irrita a branquitude brasileira pisar nos EUA e ser
vista como latina (e, portanto, não branca) e, assim, ser submetida às
indignidades a que outros, com menos atenção, são submetidos diariamente.
Irritará Zambelli perceber que nem sua
linhagem europeia a protegerá de ser responsabilizada por tentativa de golpe de
Estado, mesmo na nação que se esforça para não prender pessoas brancas e que
prende funkeiros
pretos com alarde cinematográfico.
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