Um ano perdido para o emprego – Editorial | O Estado de S. Paulo
Com 12,4 milhões de desocupados, o equivalente a 11,6% da força de trabalho, as condições de emprego no trimestre móvel encerrado em outubro foram muito parecidas com as de um ano antes, quando o deputado Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República. O quadro piorou depois da posse, embora empresários tenham proclamado otimismo em relação ao novo governo. O primeiro ano de mandato foi marcado por baixa atividade, severa escassez de vagas e aumento da informalidade e da ocupação precária. Os desempregados chegaram a 13,2 milhões no período de fevereiro a abril, e a partir daí o número declinou lentamente. No trimestre da eleição, em 2018, 12,3 milhões de trabalhadores caçavam qualquer oportunidade. A taxa de desemprego passou de 11,7% para 11,6% em um ano, uma variação estatística insignificante, enquanto aumentou o número absoluto dos trabalhadores e famílias em situação ruim. São dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Não se tratou, obviamente, de um triste caso de mera fatalidade. Durante mais de um semestre o governo do presidente Jair Bolsonaro nada fez para atenuar com alguma rapidez os piores problemas de muitos milhões de trabalhadores.
A grande realização nesse período foi o encaminhamento da reforma da Previdência, iniciativa essencial para o futuro do País, mas insuficiente para dar impulso imediato aos negócios e à contratação de pessoal. Mesmo os dados positivos acumulados no ano ficam bem menos bonitos quando examinados com cuidado. O escasso aumento da ocupação resultou principalmente de contratações informais - sem registro em carteira - e da expansão da atividade por conta própria, em grande parte por meio de trabalhos precários e de baixo rendimento.
No setor privado, os 11,9 milhões de empregados sem carteira assinada constituíram um recorde. Número recorde foi também o dos trabalhadores por conta própria, 24,4 milhões. Já no trimestre encerrado em setembro dados sobre essas categorias haviam chamado a atenção. No caso da ocupação por conta própria, a interpretação mais otimista envolve a repetição de uma pergunta já formulada mais de uma vez: há um surto de empreendedorismo no Brasil?
A resposta mais prudente apontaria um fenômeno muito distinto e bem prosaico: muita gente, cansada de esperar a melhora no mercado, resolveu fazer qualquer coisa para sobreviver e manter os dependentes.
Parte dessas pessoas provavelmente abandonará o negócio próprio se aparecer uma chance de contratação. Outra parcela se disporá a manter a nova ocupação, talvez mais compensadora do que a já experimentada relação de emprego. Esse grupo, sim, poderá descobrir-se, talvez de forma surpreendente, com uma vocação empreendedora. Por enquanto, é arriscado dizer como ficará o quadro das atividades quando a oferta de vagas se tornar menos precária.
Mas o desemprego, a contratação informal e o recorde da ocupação por conta própria mostram só uma parte de um quadro ainda muito sombrio. Somando-se 12,4 milhões de desocupados, 7 milhões de subocupados com insuficiência de horas de trabalho e 4,6 milhões de desalentados, chega-se a um total de 24 milhões de pessoas em condições muito ruins - por falta de ocupação ou de ânimo para continuar procurando emprego. No trimestre móvel terminado em setembro, esse conjunto era formado por 24,2 milhões de trabalhadores.
Os técnicos do IBGE propõem outra conta, adicionando aos desocupados, subocupados e desalentados um contingente de força de trabalho potencial. Esse contingente inclui pessoas fora do mercado, mas em condições de trabalhar, se o quadro se tornar mais favorável. Essa conta leva a um total de 27,1 milhões de pessoas subutilizadas. O número é 3,5% menor que o do trimestre móvel de maio a julho, mas igual ao de um ano antes. Também nesse caso houve um retorno às condições observadas na época da eleição.
Como naquele tempo, há alguma expectativa, agora, de alguma dinamização dos negócios e do emprego. Falta ver se o governo se tornou mais preocupado com crescimento e emprego, prioridades de quem precisa garantir a sobrevivência da família. Uma resposta positiva terá de envolver algo mais que a expansão econômica de 2% prevista para 2020.
Missão inglória - Editorial | Folha de S. Paulo
Desacreditado, Brasil ainda pretende obter recursos em cúpula global do clima
A partir desta segunda-feira (2) duas centenas de nações se reúnem na capital espanhola para a 25ª cúpula sobre a crise do clima global. Teme-se dupla decepção, tanto pelos resultados do encontro, provavelmente pífios, quanto pelo papel do Brasil, hoje desacreditado.
Os países participantes do Acordo de Paris para reduzir as emissões de gases do efeito estufa chegam a Madri depois de ver a COP-25 desdenhada pelo presidente Jair Bolsonaro e em seguida cancelada na sede substituta, Santiago do Chile, por força dos distúrbios ali.
O encontro começa também desfalcado de um protagonista, os EUA, em processo de retirada do tratado por decisão idiossincrática de Donald Trump.
A perspectiva é ruim. Principal gás causador do aquecimento global, o dióxido de carbono (CO2) atingiu uma concentração recorde na atmosfera, 408 ppm (partes por milhão), quase 50% acima da era pré-industrial (280 ppm).
O planeta só esteve assim há mais de 3 milhões de anos. O mundo era então 2ºC a 3ºC mais quente, e os oceanos se encontravam entre 10 e 20 metros mais elevados.
Emissões de carbono seguem em alta. Projeções indicam que vários integrantes do acordo —como o Brasil— descumprirão metas voluntárias assumidas em Paris. E, mesmo que todos as realizassem, ainda assim a temperatura subiria mais de 3ºC neste século.
Recorde-se que o texto parisiense previa aumento máximo de 2ºC, já considerado perigoso, e que de preferência não se deveria ultrapassar 1,5ºC adicional. Com apenas 1ºC de aquecimento já alcançado, multiplicam-se eventos extremos como as enchentes em Veneza e os incêndios no Pantanal e na Amazônia, na Austrália e na Califórnia.
Na pauta de Madri figuram regras e padrões para monitorar resultados do acordo, mas parece improvável que se avance aí. Prevalece o ressentimento de nações emergentes e pobres com a defecção dos EUA e a promessa vazia dos países ricos de carrear-lhes US$ 100 bilhões anuais para incentivar o desenvolvimento limpo.
A delegação brasileira, que no passado exerceu alguma liderança nas negociações, desembarca em Madri na berlinda. Carrega o fardo de um desastre no desmatamento da floresta amazônica (nossa maior fonte de emissões), que saltou 30% no ano, e representa um governo obtusa e agressivamente refratário à questão ambiental.
Soa inglória, assim, a pretensão do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) de levantar recursos na COP-25. Como não se trata de reunião para amadores e fariseus, todos ali sabem que a principal realização do governo na área foi inviabilizar o bilionário Fundo Amazônia, que tinha finalidade idêntica.
Brasil não pode aceitar vetos no 5G – Editorial | O Globo
Opção pela tecnologia da nova internet tem de manter distância dos conflitos entre EUA e China
Grandes licitações internacionais em mercados amplos, como o brasileiro, mobilizam interesses para além da economia e dos negócios. Não apenas pelas cifras envolvidas, mas também devido a aspectos geopolíticos e diplomáticos.
Enquadram-se neste caso tanto a escolha da americana Westinghouse para fornecer a primeira usina nuclear do país, Angra I, como, também na ditadura militar, a opção do presidente Ernesto Geisel de assinar um acordo com a Alemanha para tentar escapar da dependência dos americanos nesta área. Outro exemplo é a concorrência para a instalação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), composto por radares, monitoramento por satélite etc., em que se enfrentaram americanos e franceses, com a vitória dos primeiros.
Situação semelhante ocorrerá na escolha do sistema 5G, a nova tecnologia digital que ampliará bastante o alcance da internet, para além dos telefones celulares e computadores. Mais uma vez não se trata apenas de um negócio. Ainda mais neste momento, em que no meio do conflito entre os Estados Unidos de Donald Trump e a China de Xi Jinping está importante fornecedora mundial desta tecnologia e de equipamentos de comunicação, a chinesa Huawei. E, no Brasil, Jair Bolsonaro chegou ao Planalto muito alinhado ao governo Trump.
Transcorre um xadrez intrincado, em que a Huawei sofre sanções americanas, como parte de um conflito entre Washington e Pequim em que está em jogo a disputa de espaços de poder entre uma potência estabelecida e uma que se fortalece para disputar a liderança mundial no comércio, na tecnologia, no campo militar etc.
No meio do imbróglio, o Brasil, que não pode perder mais tempo a fim de leiloar as novas frequências e estabelecer critérios para a tecnologia do seu sistema 5G.
A pressão americana para o Brasil não optar pelos chineses encontra em Brasília espaço para progredir, dadas as afinidades ideológicas entre Bolsonaro e Trump. Mas será grande deslize se o Planalto não seguir o padrão de independência que a diplomacia brasileira adotou em momentos-chave. Por exemplo, no reconhecimento do novo governo de Angola, do MPLA, contra os interesses americanos. Ficou provado que o Itamaraty estava certo.
Não pode ser uma escolha inspirada em ideologia. Não apenas pelo que representa o salto do atual 4G para o 5G em termos de multiplicação dos negócios pelo meio digital, mas também devido aos pesados investimentos já em curso no mundo. No Brasil, as teles projetam investir mais de R$ 33 bilhões até 2021 apenas na expansão da rede de fibra ótica, para adotar o novo sistema.
Há muitos aspectos estratégicos neste negócio para tudo se resumir a afinidades pessoais e políticas.
Responsabilidade na condução da agenda política – Editorial | Valor Econômico
É um fato que a relação entre o governo e o Congresso pode ser melhor, mas seria positivo se o Brasil não ficasse exposto a pirraças e arroubos voluntaristas
Os constituintes foram precisos ao determinar os fundamentos que devem guiar a República: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Com frequência, entretanto, a sociedade brasileira e investidores - nacionais ou estrangeiros - têm visto uma relativa escassez nessa harmonia preconizada logo no início da Constituição.
O que ocorreu no Congresso na semana passada talvez seja um dos exemplos mais recentes. Na quarta-feira, viu-se novamente o que se pode chamar de “um dia de fúria” do Parlamento contra o governo. Em poucas horas, como se usassem uma rede de arrasto no processo legislativo, deputados e senadores derrubaram seis de 11 vetos do presidente Jair Bolsonaro, além de três dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e sete da minirreforma eleitoral.
É verdade que parte desses dispositivos já estava condenada, quando congressistas sinalizaram que não concordavam com os motivos dos vetos que haviam sido feitos pelo presidente Jair Bolsonaro a projetos aprovados por ambas as Casas Legislativas. Em outros casos, os articuladores políticos do Executivo foram pegos de surpresa.
A situação se agravou em razão da insatisfação dos parlamentares com a insistente falta de interlocução entre o Parlamento e o Palácio do Planalto, além da indignação causada pelo não cumprimento dos acordos políticos após a aprovação da reforma da Previdência.
Emendas impositivas não foram pagas, reclamam líderes partidários e liderados. Para piorar, argumentam à boca miúda, as chamadas emendas extra-orçamentárias chegam a conta-gotas, pulverizadas, privilegiando governistas. O governo não conseguiu desfazer a impressão, existente entre parlamentares, de que a equipe econômica estaria retendo recursos para reduzir o déficit primário e só liberaria os valores no penúltimo dia do ano.
Nada mais inquietante para um político do que não poder promover investimentos e apresentar realizações em seus redutos eleitorais, enquanto adversários o fazem. Sobretudo com as eleições municipais tão próximas.
Poucos eleitores já pensaram em quem votarão em outubro de 2020, mas nos partidos o pleito já é assunto do dia a dia. E uma preocupação grande o suficiente para fazer com que os parlamentares resolvam marcar posição contra o governo federal.
Conforme revelou o Valor na sua edição da quinta-feira, os parlamentares reverteram, por exemplo, o veto a um artigo da lei que altera as regras para partidos políticos e eleições, retomando uma brecha para aumentar o fundo eleitoral. Na LDO, Bolsonaro havia feito 202 vetos parciais. O Congresso derrubou três. A principal mudança foi a retomada de uma autorização para repasse a municípios com até 50 mil habitantes, mesmo que eles estejam inadimplentes. Um contexto: os municípios com menos de 50 mil habitantes são cerca de 88% das cidades brasileiras.
Outra derrota foi a aprovação do novo marco legal das Parcerias Público-Privadas (PPPs) na comissão especial, contrariando o que queria o ministro da Economia, Paulo Guedes. A medida provisória do programa Verde-Amarelo, apresentada pelo governo como trunfo no combate ao desemprego, acabou entrando também na mira. Há ainda o risco de devolução de “trechos” da MP, depois que os parlamentares ficaram contrariados com a ideia de taxar o seguro-desemprego e, também, com a inclusão de dispositivos que já haviam sido rechaçados pelo Legislativo, como a regulamentação do trabalho aos domingos.
O Congresso demonstrou sua sensibilidade em relação às necessidades do país diversas vezes na história. Sem o compromisso demonstrado por suas principais lideranças, possivelmente a reforma da Previdência não teria sido promulgada neste ano. Mas outros desafios permanecem à mesa.
Deputados e senadores devem se reunir novamente nesta semana, em sessão conjunta, para apreciar mais vetos presidenciais e temas orçamentários. No Senado, deve entrar em pauta a revisão da Lei de Informática e a reforma do sistema de proteção social e das carreiras dos militares. Na Câmara, o marco regulatório do saneamento. A reforma tributária permanece premente, entre outros projetos de interesse do país. É um fato que a relação entre o governo e o Congresso pode ser melhor, mas seria positivo se o Brasil não ficasse exposto a pirraças e arroubos voluntaristas.
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