O Estado de S. Paulo
Paulatinamente está sendo consagrada no
Brasil a lei de ferro da ignorância...
Sem estola, estofo, carmesim ou linho fino,
malquistos por meio mundo, poucos parceiros na vigília para romper o sono da
universidade, sem influência social na nova geração, cinco deles se foram há
poucos dias. Cinco dos maiores intelectuais brasileiros dos últimos anos deixam
esta vida no pior momento para a inteligência do País, de total enfraquecimento
de todos os princípios. Um efeito cumulativo irrecuperável da falta de paz no
dia a dia, fruto exclusivo do fato de a elite política persistir em seu hábito
de deixar o País funcionar em termos negativos.
A farra, que só Deus via e hoje não engana
mais ninguém, nunca foi desconhecida do intelectual verdadeiro. Não fosse a
mania acadêmica, por justificadas razões da época autoritária, de reduzir toda
a vida ao engajamento político, talvez fosse mais fácil tornar feliz e
compreensível o papel do intelectual para todos. Assim, quem sabe, a irritação
com a originalidade da escrita fosse secundária e o gosto pelo conteúdo
predominasse. Mas, não. Após a redemocratização os intelectuais passaram a ser
analisados e confundidos no caos comum da promiscuidade política e da má gestão
dos três Poderes e, por suas proximidades afetivas, muitas vezes, foram sendo
desmerecidos. Desvendar sua posição política dispensava de ler seus escritos e
cumpria o papel de obscurecer sua obra. Daí para a mediocridade foi um pulo,
pois a excelência de um intelectual passou a prescindir de sua inteligência.
Não há no horizonte um novo início alvissareiro para a função dos intelectuais. Desde que o rapapé partidário fez o espírito de rixa tirar o salto alto das colunas sociais, a opinião nacional, desinformada da complexidade das coisas, ganhou mais coragem no uso do ironismo ideológico para fazer sangrar os gigantes da filosofia, história, ética, sociologia, literatura. A admiração pelo estudo e a característica e a personalidade própria da linguagem acadêmica rigorosa perderam espaço para consagrar os clichês do escreve difícil, impenetrável, denso, partidário, militante.
A religião lunática da política tirou a
inteligência do calendário e, em seguida, ramos abandonados da evolução
ressurgiram fortes, assombrando o mundo. Estamos totalmente dominados por
falsos rótulos, especulações sem efeito, o pior do senso comum, o verdadeiro e
o falso misturados como manipulação querendo ser o verossímil. É da fraqueza
que surge a arrogância. E uma das suas piores manifestações é não reconhecer a
grandeza dos outros.
Ou arranjar força para ter o poder de
enfeitiçar todo um país continental como o nosso, sem ter obtido nenhum dos
seus dotes de poder como produto do estudo. Há algum tempo está sendo
paulatinamente consagrada no Brasil a lei de ferro da ignorância, que expulsa
do horizonte o princípio “penso, logo existo”, a súmula do intelectual contra o
sectarismo e o fanatismo. Existe cada vez menos espaço para quem possui
raciocínio mais convincente, medita demoradamente os seus pensamentos para que
se tornem mais claros e compreensíveis.
O caráter mecânico da política, sua
matemática falta de exatidão e evidência, permite a ascensão do improvisador
nato que desmoraliza o entusiasmo pelo estudo. Tão firmes e sólidos em suas
certezas, sempre apoiadas na natureza corporal predominante que usam de forma
intimidadora. Deram notoriedade ao estilo rude que consagra os vitoriosos
irritados com a vida da mente. O populista não dá descanso e sua intensidade
instintiva é confundida com sinceridade e transparência. Ele finge que não se
encaixa, ele é a essência do que há de ruim dentro da caixa. O populismo é um
fenômeno que consagra um tipo agitado de líder conformista que se sente grande
à custa da grandeza do país.
Não tenho nenhuma pretensão de disputar com
os comentaristas da situação brasileira o título de imperador dos intérpretes.
Pressinto somente que o caráter brasileiro é um destino mal ativado pela
política em curso. O contexto humano em que estão vivendo os intelectuais é o
pior possível para a vida da ciência, razão e do humanismo. A falta de
escrúpulos de certas épocas incentiva carreirismos e enche de ar pessoas
vazias. O desinteresse pela vida intelectual e pelo estudo se torna, então,
pragmático. O sobrenatural econômico impregnou de tal forma a realidade que,
apesar dos fracassos a que estamos submetidos, continua a reduzir nossa
história ao lugar-comum que são os indicadores frios da vida econômica. É uma
calamidade fazer vista grossa para o desprestígio da formação moral e
intelectual da juventude e menosprezar o papel dos intelectuais na
respeitabilidade das nações.
Quando os intelectuais se vão solitários é porque vivemos um tempo de colheitas perdidas. O que acontece num país acontece primeiro com seus grandes pensadores, como numa amálgama de fatos e pessoas. Cabe a estes com sua liberdade de pensamento não deixar que se roube do país sua vitória. É o que me faz lembrar com gratidão de Alfredo Bosi, Leôncio Martins Rodrigues, Roberto Romano, José Arthur Giannotti e Francisco Weffort. O Brasil sabe bem do que sente falta.
*Sociólogo.
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