terça-feira, 5 de julho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Auxílio ineficiente

Folha de S. Paulo

Mesmo com aumento de valores, desenho mal concebido reduz impacto do benefício

A criação do programa Auxílio Brasil —uma necessária ampliação do Bolsa Família— acabou por degradar a qualidade de uma política pública de renda eficaz em atenuar os efeitos da extrema pobreza.

Esse aviltamento tem um duplo aspecto. O lançamento do novo benefício social, em agosto de 2021, serviu de pretexto para as manobras que desmoralizariam o teto de gastos. A ampliação dos valores pagos, posta em marcha neste mês, foi outra penada nas leis de controle da despesa pública.

O Auxílio Brasil tem valor praticamente único, hoje de R$ 400 e com elevação esperada para R$ 600 mensais, pago para cada responsável por família que consiga o benefício —isto é, não importa o número de pessoas na família nem o nível de renda per capita.

Além da óbvia iniquidade, é um incentivo para que pessoas em situação de desespero criem núcleos familiares artificiais com o propósito de receber cifras maiores. Com efeito, multiplicaram-se as famílias de uma pessoa apenas.

O programa menospreza o Cadastro Único, o que deteriora a qualidade das informações sobre as condições de vida dos mais pobres. A política do governo Jair Bolsonaro (PL) em geral sabota os conselhos de participação e fiscalização que faziam parte da arquitetura do Bolsa Família.

Este era também um programa de conhecimento das necessidades das pessoas de baixíssima renda, de diálogo e acompanhamento.

Ainda que com defeitos, alguns corrigidos ao longo de 20 anos de prática, o cadastro é uma base de dados nacional, coletada pelos municípios —uma espécie de censo contínuo das condições de emprego, moradia, saneamento, saúde e educação da população carente.

Suas informações subsidiam outros programas de assistência ou infraestrutura social. Na nova versão digital, que poderia ser um avanço, os dados perdem qualidade ou pouco são levados em conta.

O aumento de valores e alcance do Auxílio Brasil, com duração até o fim do ano, em nada trata desses problemas. Deve tirar pessoas da fila de espera, mas limita a entrada de outros necessitados.

Esse, aliás, foi sempre um defeito do Bolsa Família. Como famílias entram e saem de situação de grande pobreza com frequência, conviria criar um sistema flexível quanto a valores e elegibilidade.

Os "incentivos ao esforço individual e à emancipação produtiva", nas palavras do governo, não passam de fantasia. Tampouco existe avaliação de desempenho.

Improviso interesseiro e ignorância das boas técnicas da administração, da experiência e dos estudos de políticas sociais reduzem a eficiência de um programa de renda essencial. Dito de outro modo, gasta-se além do necessário para os resultados que são obtidos.

Mesmo ambiente

Folha de S. Paulo

Desmate e fogo seguem em alta, sinal de que saída de Salles não fez diferença

O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, conseguiu aquilo que parecia impossível. Alçado ao comando da pasta há um ano, no lugar de Ricardo Salles, investigado pela Polícia Federal sob suspeita de favorecer exportadores de madeira ilegal, ele vem colecionando resultados ainda piores que os de seu turbulento predecessor.

Tome-se, por exemplo, os incêndios na Amazônia, cuja expressiva alta a partir de 2019 deflagrou uma crise internacional e calcinou a imagem do Brasil no exterior.

Apenas em maio, a floresta amazônica registrou 2.287 focos de incêndio, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) —um crescimento de assombrosos 96% em relação a maio de 2021 e a maior quantidade de queimadas para o mês desde 2004.

Considerados os primeiros cinco meses, o salto no número de fontes de calor foi de 22% na comparação com o ano passado.

No cerrado, a situação se mostra ainda mais alarmante. Os 3.578 incêndios anotados em maio não só representam um aumento de 35% em relação ao mesmo mês do ano passado como constituem o maior número no bioma desde o início da série histórica, em 1998/1999.

O descalabro também se repete nos índices de destruição florestal. Em abril, os alertas de desmatamento na Amazônia emitidos pelo sistema Deter, do Inpe, indicaram uma área devastada de 1.012,5 km², um aumento espantoso de 74% na comparação com o mês correspondente de 2021.

Trata-se de um recorde dentro da série que começou em 2016 e a primeira vez em que o corte raso ultrapassa a barreira dos 1.000 km² em abril, mês no qual as chuvas na região dificultam a derrubada.

Verdade que ao menos as controvérsias públicas diminuíram, já que o estilo falastrão e belicoso de Salles deu lugar aos modos mais discretos e conciliatórios de Leite. A despeito disso, como explicitam os dados, os danos ao patrimônio natural só fizeram crescer.

A sinistra façanha não surpreende, dado que o desmantelamento dos órgãos de fiscalização e controle, um dos legados mais funestos de Salles, segue a todo vapor. Ibama e ICMBio continuam manietados, carentes de respaldo institucional e com diretorias repletas de policiais e militares.

Trata-se de política, ou falta dela, inspirada por Jair Bolsonaro (PL), não por este ou aquele ministro.

‘PEC do Desespero’ não prioriza pobres

O Estado de S. Paulo

Auxílio para caminhoneiro e taxista não é programa social. É privilégio para a base eleitoral de Bolsonaro. Oposição não pode apoiar uma PEC cujos meios e fins são antidemocráticos

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/2022 é uma violência contra as regras do jogo eleitoral. É incompreensível que senadores não alinhados ao bolsonarismo tenham aprovado a criação, no texto constitucional, de um estado de emergência para burlar a legislação fiscal e eleitoral. Para piorar, os parlamentares autorizaram essa aberração jurídica motivados por uma mentira: ao contrário do que o governo diz, a PEC, destinada na prática a comprar votos para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, cria benefícios sociais para profissionais de classe média, e não para a população carente e desempregada.

O foco da PEC 1/2022, apelidada corretamente de “PEC do Desespero”, tem pouco a ver com os pobres. Ela cria auxílios, por exemplo, para caminhoneiros e taxistas – que, por mais que estejam sofrendo as consequências da crise social e econômica, não fazem parte da população necessitada no Brasil.

Na verdade, caminhoneiros e taxistas só estão na “PEC do Desespero” porque são supostamente parte da clientela eleitoral de Bolsonaro. Sendo assim, e como o desespero bolsonarista é grande diante das pesquisas de intenção de voto, nada impede que outras categorias profissionais (e eleitores em potencial) entrem no pacote de bondades com dinheiro alheio: o relator da matéria na Câmara, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), quer agora incluir motoristas de aplicativo. Sabe-se lá quem mais será beneficiado até a votação da PEC. Só se sabe que não serão os mais carentes.

Há muitos pobres no Brasil. Recente estudo da FGV Social mostrou que, no ano passado, 62,9 milhões de brasileiros (29,62% da população) estavam abaixo da linha da pobreza. De acordo com critérios consolidados internacionalmente, essa linha é de US$ 5,50 per capita por dia, o que, ajustada por paridade do poder de compra, equivalia a R$ 497 mensais no ano passado. Nas faixas mais pobres, eram 33,5 milhões de brasileiros vivendo com até US$ 3,20 por dia, e 15,5 milhões de brasileiros com até US$ 1,90 por dia. Essas pessoas, no entanto, mal estão contempladas pelos benefícios que a PEC 1/2022 cria.

A PEC tem, portanto, escasso conteúdo social e abundantes privilégios – que, uma vez concedidos, dificilmente poderão ser retirados sem criar ressentimentos. Logo, como a mudança constitucional vale só até o fim do ano, supõe-se que haverá muito ressentimento em 2023. Já os pobres, bem, estes continuarão pobres.

Ou seja, a PEC 1/2022 não é a escolha de um caminho errado – violação das regras fiscais e eleitorais – para um fim supostamente bom. Ao dar dinheiro para determinadas pessoas, sem nenhum critério social, apenas por motivo eleitoral, a “PEC do Desespero” reforça desigualdades, com a produção de novas distorções. Essa disfuncionalidade é rigorosamente contrária ao papel do Estado, que não tem poder nem competência para atuar assim. No seu art. 3.º, a Constituição define que um dos “objetivos fundamentais da República” é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

Tudo isso só faz aumentar a perplexidade perante a votação quase unânime da PEC 1/2022 no Senado. Apenas o senador José Serra (PSDB-SP) foi contrário. Qual é o sentido de a oposição apoiar a criação de privilégios para a base eleitoral de Jair Bolsonaro? Talvez alguém possa achar que o aumento temporário de R$ 200 no benefício do Auxílio Brasil, também previsto na PEC, justificaria todo o restante. No entanto, esse acréscimo, longe de representar algum conteúdo social, só reitera a natureza eleitoreira da “PEC do Desespero”. 

O valor de R$ 200, como tudo o que parte de Bolsonaro, foi definido arbitrariamente, sem nenhum estudo prévio nem qualquer vinculação com as reais necessidades da população. Além disso, a implosão do Cadastro Único, que o governo Bolsonaro vem causando, escancara o objetivo de destituir de sentido social – de proteção da população mais vulnerável – todas as políticas públicas sociais em funcionamento para transformá-las em meras plataformas de compra de votos. Tal aberração, vergonhosamente apoiada pela oposição, não merece nenhuma condescendência.

Bolsonaro, o birrento

O Estado de S. Paulo

Ao cancelar reunião com o presidente de Portugal de modo grosseiro, Bolsonaro confirma que não pensa no País, só em si

O presidente Jair Bolsonaro mostrou, mais uma vez, que não tem estatura para ser um chefe de Estado ao ordenar que o Ministério das Relações Exteriores cancelasse de última hora o encontro que teria em Brasília com o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, na segunda-feira passada. O motivo não poderia ser mais mesquinho: tratou-se de uma espécie de “retaliação” de Bolsonaro ao presidente português pelo fato de este ter se reunido com o ex-presidente Lula da Silva na véspera.

Ora, de crianças é esperado que façam birra quando contrariadas. De adultos, não. Menos ainda de um presidente da República, que deveria ser alguém capaz de separar muito bem as suas emoções e interesses pessoais dos interesses do Estado e da sociedade.

A bem da verdade, a grosseria não pode nem sequer ser classificada como um incidente diplomático. É apenas uma grosseria mesmo. A rigor, não houve incidente algum. Afinal, todos sabem quem é Bolsonaro, todos conhecem seus maus modos e a estreiteza de seus horizontes, inclusive no outro lado do Atlântico.

“Quem convida para almoçar é quem decide se quer almoçar ou não”, respondeu Marcelo Rebelo ao ser questionado sobre o cancelamento. “Se o presidente da República Federativa do Brasil entende que não pode, não quer ou não é oportuno (almoçar comigo), não entra na sua programação. Eu respeito quem deixa de convidar pelas razões que queira”, disse o presidente português, que seguiu sua agenda no Brasil mantendo encontros com os também ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer e prestigiando a Bienal do Livro em São Paulo, que neste ano homenageia escritores portugueses.

Se os laços entre as duas nações irmãs não haveriam de ser enfraquecidos pela pequenez política e diplomática de Bolsonaro, não deixa de ser escandaloso o absoluto descaso do presidente da República pelos interesses dos cerca de 210 mil brasileiros que vivem em Portugal e pela manutenção de relações, se não amistosas, ao menos civilizadas com o chefe de Estado de um país cuja relevância é enorme para o Brasil, por razões óbvias demais para serem descritas.

Não que ainda houvesse dúvidas, mas o episódio de descortesia com sua contraparte portuguesa é mais um a revelar que Bolsonaro não se importa com os interesses do Brasil e dos brasileiros, tanto os que vivem aqui como os que vivem em Portugal. No raio de alcance de sua visão só estão seus interesses pessoais e familiares. Todas as suas ações e omissões como chefe de Estado e chefe de governo têm sido orientadas não pelo interesse público, mas por seus objetivos particulares, sobretudo seu interesse eleitoral. Nesse sentido, para Bolsonaro, qualquer pessoa que se encontre com seu principal adversário até o momento, não importa o motivo, só pode estar conspirando contra ele.

Mas Bolsonaro passará. Muito mais do que entre os dois chefes de Estado, as relações entre Brasil e Portugal serão para sempre relações entre dois povos amigos, fortemente atados por laços históricos, culturais, econômicos e afetivos.

A safra, o apetite global e as barreiras

O Estado de S. Paulo

Produtores terão substancial crédito para plantar, abastecer o País e continuar exportando, mas cresce o risco de mais protecionismo europeu, sob pretexto da preservação ambiental

Setor mais eficiente da economia brasileira, a agropecuária terá dinheiro para continuar produzindo, na próxima temporada, comida mais que suficiente para o mercado interno e para a exportação, se os R$ 340,88 bilhões definidos para o crédito forem liberados a tempo e bem aplicados. O valor fixado para o Plano Safra 2022/23 é 36% maior que o do período anterior. Os empréstimos serão parcialmente subsidiados e isso deverá atenuar os efeitos da elevação dos juros. Com financiamento adequado, o agronegócio poderá continuar faturando com a crescente demanda internacional de alimentos, prevista para aumentar ao ritmo anual de 1,4% até 2031.

Não basta, no entanto, no caso do mercado interno, garantir produção suficiente para abastecer as bancas de feiras e as gôndolas de supermercados. Segundo a Fundação Getulio Vargas, em 2021 cerca de 23 milhões de pessoas, 10,8% da população brasileira, estavam abaixo da linha da pobreza, correspondente a R$ 210 per capita. Foi o quadro mais grave desde 2016. Agravada pelo desemprego, pela baixa remuneração e pela alta de preços, a pobreza tem resultado em fome para dezenas de milhões, embora haja muito alimento nos estoques e em oferta no varejo.

Do lado internacional, as perspectivas continuam boas para os produtores e exportadores brasileiros. Em maio, o setor faturou US$ 15,11 bilhões com as vendas externas. Esse novo recorde foi facilitado pela alta das cotações. Em 12 meses houve aumento de 29,2%, segundo a FAO, órgão das Nações Unidas para agricultura e alimentação. Inflados pela retomada econômica pós-pandemia, esses preços tendem a recuar e a estabilizar-se, de acordo com estudo conjunto da FAO e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas a demanda continuará a crescer, puxada principalmente pelas economias emergentes e em desenvolvimento.

A oferta global de alimentos deverá aumentar cerca de 1,1% ao ano, segundo esse relatório, e os países da América do Sul e do Caribe terão, provavelmente, uma participação importante nesse movimento. Um papel de relevo é previsto para o Brasil.

Se a agropecuária continuar a investir e a modernizar-se, a participação brasileira quase certamente ficará bem acima da taxa de crescimento – 1,1% ao ano – estimada para o conjunto. Segundo projeção do Ministério da Agricultura, a produção nacional de grãos deverá passar de 262,1 milhões de toneladas, volume então atribuído à safra de 2020/21, para 333 milhões na temporada 2030/31, com expansão anual média de 2,4% ao ano, ou 27,1% no período. Para a produção total de carnes foi calculado um aumento de 27,4 milhões para 34 milhões de toneladas nesse período, com variação acumulada de 24,1%.

Pelas mesmas estimativas, a área destinada ao plantio de grãos no Brasil passará de 68,7 milhões de hectares para 80,8 milhões, com acréscimo de 17,6%. O volume colhido continuará, portanto, aumentando muito mais que a área ocupada, como no último meio século. Os ganhos de produtividade agrícola, no País, têm resultado principalmente do trato do solo, condição para o aumento da produção por hectare.

Sendo poupadora de terras, a eficiência da agricultura favorece a preservação do meio natural, incluídas, é claro, as florestas. Conhecida há muito tempo, essa característica da produção nacional é desprezada ou negada quando políticos, produtores e consumidores europeus acusam os brasileiros de devastação florestal.

Essa política, mantida e expandida a serviço do protecionismo comercial, pode ser reforçada com a bandeira do desmatamento zero, recém-levantada por ministros do Meio Ambiente da União Europeia. Essa bandeira será apresentada ao Parlamento Europeu para a proibição de importações de vários produtos, incluídos carne bovina, soja, cacau, café e madeira. Não basta um bom Plano Safra. Cabe também ao poder central, por meio da diplomacia, combater o protecionismo e preservar a imagem do agronegócio, manchada principalmente, é preciso lembrar, pela política antiambiental do presidente Jair Bolsonaro.

Congresso precisa acabar com farra de emendas do relator

O Globo

Não tem cabimento o texto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovado na Comissão Mista de Orçamento do Congresso, que obriga o próximo presidente da República a pagar as famigeradas emendas do relator, também conhecidas pela sigla RP9. A ideia de, no jargão orçamentário, torná-las “impositivas” não pode prosperar quando for analisada pelo plenário da Câmara e do Senado. Passou da hora de quebrar a máxima “não existe nada tão ruim que o atual Congresso não possa piorar”.

As emendas do relator já provaram ser uma péssima maneira de alocar recursos. Foram ressuscitadas do tempo do escândalo dos Anões do Orçamento e usadas pelo governo Jair Bolsonaro como moeda de troca com o Legislativo. Mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha ordenado a divulgação dos parlamentares responsáveis pela indicação das verbas, tirando seu caráter secreto, isso não elimina a ineficiência na alocação do dinheiro. No lugar de critérios técnicos, prevalecem apenas interesses paroquiais de aliados do governo.

Na semana passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu alertas sobre o “risco de incompatibilidade do planejamento governamental” e afirmou que a distribuição das emendas para as áreas de saúde e assistência social “não atende a critérios objetivos previstos constitucional e legalmente para alocação dos recursos da União nessas áreas”. O município de Arapiraca (AL) foi citado como um dos agraciados com um montante desproporcional. Reduto eleitoral do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), recebeu transferências 5.230% superiores ao ano anterior.

As emendas do relator continuam a ser usadas sem a transparência exigida pelo STF e se tornaram um celeiro de indícios de irregularidades. Um dos principais focos é a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional e controlada pelo Centrão. Com a devida investigação, é bem possível que a Codevasf ultrapasse o MEC em suspeitas de corrupção.

Em valores atualizados a dezembro passado, os gastos empenhados pelas emendas do relator em 2020 e 2021 somaram R$ 38,1 bilhões, num total de R$ 71,7 bilhões de todas as emendas parlamentares. Para este ano foram previstos mais R$ 16,5 bilhões e, para o ano que vem, já se fala em R$ 19 bilhões. O aumento de R$ 200 que será dado ao Auxílio Brasil até o fim deste ano custa R$ 26 bilhões. Suprimir as emendas do relator teria sido uma boa forma de no mínimo amenizar esse estouro no teto de gastos.

O Congresso tem o dever de pôr fim a elas. Em vez disso, o senador Marcos do Val (Podemos-ES), relator da LDO, propôs torná-las impositivas. Se o texto for aprovado, não poderão ser contingenciadas, e seus beneficiários não poderão ser alterados (a legislação atual não obriga a liberação e permite realocação).

A experiência do governo Bolsonaro mostrou que é péssima ideia deixar o Orçamento para investimentos à mercê das lideranças do Congresso, interessadas apenas em obras em seus redutos eleitorais. O governo dispõe de recursos exíguos, precisa saber gastá-los com critério e inteligência.

Medalha do Livro para Daniel Silveira é nova trincheira cultural bolsonarista

O Globo

A concessão da Medalha da Ordem do Mérito do Livro pela Biblioteca Nacional ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo Supremo por atos antidemocráticos e indultado pelo presidente Jair Bolsonaro, somou um capítulo revoltante à guerra cultural travada contra a esquerda pelo bolsonarismo. É um escárnio. Com a homenagem, Silveira — mais conhecido pelo uso de armas e músculos que pelas palavras ou por pendores literários — se junta a personalidades como Carlos Drummond de Andrade ou Gilberto Freyre. O próprio deputado disse ao GLOBO não saber por que foi condecorado.

Entre os homenageados estavam também Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e parlamentares do PL. Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo que morreu em janeiro, recebeu homenagem póstuma (este ao menos poderia argumentar ter alguma relação com o universo dos livros).

A honraria concedida a Silveira causou indignação até entre os próprios agraciados. Marco Lucchesi, ex-presidente da ABL, declinou a homenagem. Disse que o presidente da República “persegue políticas do livro e destruiu bibliotecas”. “Não participo dessa loucura e desse surrealismo”, afirmou. A família de Drummond informou que, vivo fosse, ele devolveria a medalha.

Não surpreende a forma como o governo usa as instituições em prol de sua guerra cultural. Recentemente, a Fundação Nacional do Índio (Funai) concedeu a Medalha do Mérito Indigenista a Bolsonaro, ao ministro da Justiça, Anderson Torres, e ao presidente da fundação (e policial), Marcelo Xavier. Nada mais contraditório num país onde falta proteção às comunidades indígenas, como demonstrou o recente assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.

Aplicando de forma radical a cartilha governista, a Fundação Palmares cancelou homenagem a quase três dezenas de personalidades negras que não comungam com o bolsonarismo. Entre os excluídos estão Gilberto Gil, Milton Nascimento e Elza Soares, além de adversários políticos. No ano passado, a Câmara aprovou um projeto que suspende os efeitos do cancelamento.

Nada escapa. Em maio, Bolsonaro vetou projeto de lei que incluía a psiquiatra Nise da Silveira no livro “Heróis e heroínas da pátria”. A própria Secretaria da Cultura se transformou em trincheira da guerra cultural bolsonarista, e vetos descabidos se tornaram comuns. Em 2020, fechou as portas da Lei Rouanet para o Festival de Jazz do Capão, na Bahia. Motivo? O cartaz do evento anunciava o show como “antifacista e pela democracia”.

Compreende-se que os governos queiram dar sua cara às instituições — os do PT faziam o mesmo. Mas elas não deveriam ser usadas de forma tão despudorada. Esse patrimônio não pertence a governos, mas aos brasileiros. É natural que, na lista de mais de cem agraciados com a medalha, estejam aliados de Bolsonaro. Mas concedê-la a Daniel Silveira, que nada fez em prol da instituição ou dos livros, é uma ofensa à história da Biblioteca Nacional.

Incerteza econômica põe em dúvida melhora do emprego

Valor Econômico

O rendimento do trabalho, que está 7,2% menor do que era em 2021, também põe em xeque a firmeza do mercado

O primeiro semestre marca uma reviravolta no mercado de trabalho, após meses de estagnação em consequência da pandemia e da instabilidade da economia. Dados de maio surpreenderam as expectativas e mostram que a contratações crescem, sustentadas pela reabertura da economia, recuperação dos negócios, especialmente dos serviços presenciais, e até pelos salários mais baixos. Os dados positivos vieram tanto do Ministério do Trabalho e Previdência quanto do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

Primeiro foi o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho que registrou, em maio, saldo positivo de 277 mil carteiras assinadas, acima da média projetada pelo mercado financeiro. Os novos postos com carteira assinada foram abertos principalmente no setor de serviços (43%), seguido por comércio (17%) e indústria (mais 17%). De janeiro a maio, 1 milhão de postos de trabalho foram criados e o governo prevê que o ano vai fechar com 1,5 milhão. Os números são sujeitos a revisões que podem trazer surpresas.

A melhora foi confirmada pela Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (Pnad Contínua), levantada pelo IBGE, que inclui empregos informais, e constatou a queda na taxa de desemprego para 9,8% no trimestre móvel de março a maio, em comparação com os 10,5% dos três meses anteriores, de fevereiro a abril. O desemprego ficou menor do que o mercado esperava. A taxa é a menor para maio desde 2015, quando o país entrou em período de recessão que durou dois anos. Caiu para o patamar de um dígito pela primeira vez desde o início de 2016, quando escalou para os dois dígitos, mesmo depois de o PIB voltar ao terreno positivo, em 2017, até agora.

A taxa estava em 11,8% no trimestre encerrado em fevereiro de 2020, último antes de qualquer impacto da pandemia no país. A partir daí, se acelerou e atingiu 14,9% no trimestre encerrado em março de 2021, recorde de toda a série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. Nessa penosa montanha-russa para os trabalhadores, voltou a declinar lentamente nos meses seguintes, melhorando neste ano, quando o aumento da vacinação conteve a pandemia e permitiu a reativação dos negócios.

Algumas instituições financeiras acreditam que o desemprego pode diminuir ainda mais nos próximos meses, mas deve voltar a subir até o fim do ano, podendo retomar os dois dígitos. Um dos motivos é o aumento da taxa de participação da população em idade de trabalhar no mercado de trabalho. Antes da pandemia, em 2019, ela chegou a 63,7%. Depois caiu e ficou ao redor de 62% desde o segundo semestre de 2021 e subiu agora para 62,7%. A redução do desemprego apesar do aumento da participação é um fator que denota a força do mercado de trabalho. No entanto, o contingente de desempregados e de desalentados ainda é elevado e a movimentação dessas pessoas vai testar essa firmeza do mercado.

Segundo a Pnad Contínua, no trimestre terminado em maio, o número de pessoas ocupadas alcançou 97,5 milhões, 9,4 milhões a mais do que um ano antes, e recorde da série da pesquisa, iniciada em 2012. Os desempregados somaram 10,6 milhões, 4,6 milhões a menos do que no mesmo período do ano anterior. Mas há 4,3 milhões de desalentados, que nem buscam emprego por acreditar que não vão encontrar. Se forem incluídos os que gostariam de trabalhar mais, chega a 25,4 milhões o número de subutilizados, que podem pressionar o mercado. O governo defende sua política econômica e diz que 14,9 milhões de empregos foram criados desde agosto de 2020, mas ainda há 2,8 milhões fora do mercado na comparação com os números anteriores à pandemia.

O nível elevado da informalidade, apesar do crescimento do número de empregados com carteira assinada, é um ponto fraco. No setor privado, os empregados com carteira assinada somam 35,6 milhões, 3,8 milhões a mais do que um ano antes. Os informais seguem em número maior e chegaram a 39,1 milhões de pessoas, ou 40,1% da população ocupada, incluindo quem trabalha por conta própria sem CNPJ.

O rendimento do trabalho, que está 7,2% menor do que era em 2021, também põe em xeque a firmeza do mercado. Se, por um lado, os salários mais baixos animam as contratações, de outro, denotam que o mercado não está tão firme quanto indicam outros números. A inflação elevada também contribui para corroer a renda dos trabalhadores. Mas a principal preocupação e ameaça ao emprego é a situação da economia, que pode perder fôlego à medida que fizer efeito o aperto monetário, freando a recuperação do mercado de trabalho.

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