Os prefeitos do Distrito Federal que, a partir de 1969, passaram a
ser denominados de governadores, eram indicados pelo presidente da República.
E assim foi administrado o Distrito Federal até à promulgação da Constituição Federal de 1988, quando o governador do Distrito Federal passou a ser eleito e foi criada a Câmara Legislativa. Apesar disso, o DF continuou sendo uma unidade diferenciada da federação. A sua organização, por exemplo, foi promovida por uma lei orgânica e não por uma Constituição como ocorreu com os Estados.
A nova forma de organização e administração do Distrito Federal,
promovida pela Constituição Federal de 1988, pode ter contribuído para
possibilitar os atos golpistas de 08 de janeiro de 2023, quando radicais
bolsonaristas invadiram, depredaram e assaltaram as sedes dos Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário. A omissão e falhas de atuação das forças
de segurança do Distrito Federal, sem dúvida, contribuíram ou facilitaram a
invasão, a depredação e o assalto das sedes dos Poderes da República.
Registre-se que, naquele momento, o governador Ibaneis Rocha,
vinculado a um partido de oposição ao presidente eleito, apesar das ponderações
de muitos, indicou para secretário de Segurança Pública o ex-ministro do
governo anterior, Anderson Torres, um bolsonarista raiz.
Vejamos o contrassenso que a situação escancarou e que demonstra
que os constituintes de 1988 podem ter cometido equívoco ao alterar a forma de
organização e administração do Distrito Federal. As seguintes disposições
constitucionais mostram claramente que a segurança pública do Distrito Federal
foi inicialmente idealizada como subordinada à Presidência da República.
O artigo 21/XIV da Constituição Federal estabeleceu a competência
da União para “organizar e manter a polícia civil, a polícia penal, a polícia
militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal”, o que foi
confirmado pelo § 4º do artigo 32, que dispõe que: “lei federal disporá sobre a
utilização, pelo Governo do Distrito Federal, da polícia civil, da polícia
penal, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar”. A inteligência
desses dispositivos não permite outro entendimento: as forças de segurança do
Distrito Federal estavam subordinadas ao Presidente da República.
No entanto, contraditoriamente, o § 6º do artigo 144 da CF 1988
estabeleceu que: “As polícias militares e os corpos de bombeiros militares,
forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as
polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos governadores dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”. A expressão “e distrital” e a
parte final deste dispositivo (...do Distrito Federal e dos Territórios) pode
ter ocorrido por engano, por má-fé ou por imposição de alguns parlamentares. Se
proposital, esqueceram-se de alterar a redação dos artigos 21 e 32, pelo que a
CF 1988, na parte relativa a essa matéria, ficou “um samba do crioulo doido”.
Por esse lamentável equívoco (?), as forças de segurança do
Distrito Federal passaram assim a ser subordinadas ao governador. Mas
continuaram a ser mantidas (custeadas) pela União. Ou seja, quem paga as contas
não tem nenhuma ingerência no comando dessas forças, situação que afronta a
lógica. E o resultado disso assistimos no dia 08 de janeiro.
Importante registrar-se que a União mantém ainda o Poder
Judiciário e o Ministério Público do Distrito Federal, além de custear, por
meio do FCDF - Fundo Constitucional do Distrito Federal, as polícias Civil,
Penal, Militar e o Corpo de Bombeiros Militar, a Saúde Pública e a Educação. Em
2023, o FCDF alcançou o montante de R$ 22,96 bilhões, com a seguinte
destinação: Segurança Pública – R$ 10,19 bilhões; Saúde – R$ 7,14 bilhões; e
Educação – R$ 5,63 bilhões. O orçamento do Governo do Distrito Federal para
2023 é de R$ 57,35 bilhões, sendo a contribuição do FCDF, portanto, quarenta
por cento dele.
Por tudo isso, somos de opinião que o Distrito Federal é uma
unidade federativa diferenciada, criada com destinação específica de ser a sede
do governo central e que, nessa condição, é difícil aceitar-se que este
território seja administrado por um governador de oposição.
Neste momento, o Ministro da Justiça e Segurança Pública está idealizando
alternativas que previnam a ocorrência futura de novos atos golpistas. Uma das
propostas seria a criação de uma guarda nacional para proteger a Esplanada dos
Ministérios.
É preciso ponderar-se, no entanto, que, para esta finalidade, já
existem a polícia militar do DF, o Batalhão da Guarda Presidencial, além das
polícias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Assim, será muito difícil
a criação de um novo ente com esse objetivo sem alterar substancialmente os que
já existem.
Quem sabe, rever a forma de organização e administração do
Distrito Federal, voltando a ser uma unidade vinculada à União, não seria a
melhor e menos onerosa solução?
*Geólogo, advogado e escritor
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