O Estado de S. Paulo
Percepção de que o STF é politicamente motivado gera perda de legitimidade e restrição de poderes
No artigo “Has the Supreme Court become just
another political branch? ”, Matthew Levendusky e coautores mostram que a
Suprema Corte americana tem enfrentado um declínio sem precedentes de sua
confiança e legitimidade.
Os autores mostram que o ponto de virada na percepção negativa dos cidadãos americanos sobre a Suprema Corte foi a decisão do caso Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization, em 2022, na qual a Corte considerou que a Constituição dos EUA não conferia o direito ao aborto, deixando aos estados a competência de regular a questão. A mudança de interpretação sobre o aborto coincidiu com a alteração da composição da Corte. Donald Trump teve a oportunidade de indicar três juízes, o que permitiu a formação de uma maioria de seis juízes indicados por Republicanos. Os juízes votaram em bloco contra o aborto, derrotando a preferência minoritária de três juízes indicados pelos Democratas.
Após a decisão do caso Dobbs, não por acaso
foram justamente os eleitores e políticos Democratas que passaram a confiar
menos na Corte, a acreditar que ela é politicamente motivada a defender
reformas que restrinjam seus poderes e independência. Eles passaram a perceber
a Suprema Corte como mais uma entidade política e não como uma instituição
jurídica acima da política. A conclusão que se extrai é a de que quanto mais
cidadãos percebem que tribunais não atuam estritamente como resultado de
interpretações sobre o direito, maiores serão as chances de os perceberem como
politicamente motivados. São justamente nessas ocasiões que eles tendem a
apoiar reformas que limitam os poderes da Suprema Corte e restringem a sua
independência.
Nos últimos anos temos observado reações
similares em relação ao STF. Parcela considerável de políticos e eleitores têm
percebido sua atuação como politicamente motivada. A diferença parece ser
apenas de sinal. Enquanto nos EUA são os Democratas que passaram a desconfiar
mais da Corte e de vê-la menos legítima, aqui no Brasil são os políticos de
direita e os eleitores que votaram em Bolsonaro que têm essa percepção
derrogatória do Supremo e que têm defendido a diminuição de seus poderes.
Assim como a decisão sobre o aborto foi o divisor de águas em relação a percepção negativa dos eleitores e políticos Democratas em relação à Suprema Corte americana, a decisão do STF de anular as condenações de Lula e mudanças de jurisprudências podem ter tido esse mesmo papel entre os eleitores e políticos de direita, que já viam o STF com seu inimigo número um.
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