O Globo
Aquisição da empresa io, fundada pelo
designer Jonathan Ive, por US$ 6,5 bilhões, deixa claro o que o CEO Sam Altman
espera da companhia
Duas notícias importantes correram o mundo da inteligência artificial na última semana. Uma ainda faz imenso sucesso nas redes sociais. A outra fez burburinho no dia, causou algum espanto pelos números — aí sumiu. A primeira é o lançamento do Veo, versão 3. Trata-se do novo modelo de vídeo do Google. Já nasce como o melhor do tipo e, pela primeira vez, torna possível a ideia de construir um filme inteiro só com IA. Causa espanto, impacto, curiosidade. A outra notícia é a aquisição, pela OpenAI, da empresa io, fundada pelo designer Jonathan Ive, pela bagatela de US$ 6,5 bilhões.
O nome da empresa é assim mesmo, em
minúsculas. Ive foi o designer-chefe da Apple até
2019, é um nome famoso no Vale do Silício, e ninguém tem ideia sobre em que a
io trabalha. Mas a aquisição, a mais cara da história da OpenAI, deixa claro o
que o CEO Sam Altman espera da companhia. Ele quer erguer uma nova Apple.
Altman deseja ser o novo Steve Jobs. Se a primeira notícia enche os olhos, a
segunda é potencialmente uma das mais importantes do ano. Até porque o plano
pode dar certo.
Jony Ive não é o único responsável pelo
sucesso da Apple, mas, sem ele, nada do que ocorreu desde 1997 teria sido como
foi. Naquele ano, Steve Jobs retornou à empresa que havia fundado, encontrou-a
num caos, à beira da falência. Ive era um jovem designer escocês, desanimado,
trabalhando já meio que sem vontade. Jobs o elevou à chefia porque comprou suas
ideias. Nas duas décadas seguintes, ele as implementou em produtos que
transformaram o mundo. A forma que tomam as máquinas da Apple é simultaneamente
elegante e acessível. Tudo é simples e minimalista, se aprende a usar
intuitivamente. Os materiais são sólidos, de boa qualidade. A manufatura
entrega objetos de uma solidez que se sente pelo toque nas mãos. Não há
parafuso mal apertado, película que descola à toa. São todos objetos de desejo
e, ao mesmo tempo, em nada intimidadores. Pelo contrário. Simpáticos.
Amigáveis.
Nada disso é trivial de conseguir. Foi o que
definiu a imagem da Apple e a transformou na empresa com maior valor de mercado
do mundo. Primeiro o simpático iMac translúcido, do tempo em que computadores
ainda vinham com monitores com tubo de imagem. Aí, o iPod, e a ideia de que
poderíamos andar com um objeto muito pequeno, muito leve, com mil músicas à
disposição para ouvir quando quiséssemos. Veio o iPhone, abrindo a era dos
smartphones em nossas mãos, eternamente conectados à internet. Depois o MacBook
Air, um computador fino e portátil como não se imaginava possível. O iPad. O
Apple Watch. Foi a Apple, com o toque de Jony Ive, que digitalizou o mundo ao
mesmo tempo que nos afastava dos computadores. As telas proliferaram em nossa
vida, telas com todos os tamanhos, e essa foi uma decisão consciente de design
que nasceu numa única companhia.
A io é uma empresa formada por Ive no ano
passado com um único objetivo: desenhar hardware, criar o conceito de máquinas
para a era da inteligência artificial. Para andarmos com assistentes que sabem
de tudo um pouco e nos ajudam a decodificar sons e imagens do mundo à nossa
volta, o que precisamos é de smartphones? Óculos inteligentes? Gravadores que
registram todas as conversas? Qual é o objeto, o melhor formato, para termos à
mão o melhor que um GPT pode entregar no momento em que precisamos? Esse é o problema
que a io deseja resolver. Agora, a io, assim como o passe de Ive, pertence à
OpenAI.
Altman não é engenheiro. O que ele consegue
fazer com clareza, e isso marca sua carreira no Vale, são três coisas. A
primeira é contar uma história convincente a respeito de como o futuro pode vir
a ser. A segunda, arrecadar muito dinheiro para uma empresa executar essa
visão. Por fim, entregar. É exatamente o que Jobs fazia de melhor.
Sua visão para o futuro da OpenAI se tornou
óbvia. Ele não imagina que sua empresa construirá a tecnologia da inteligência
artificial para outros criarem em cima. Não é infraestrutura. Ele quer uma
companhia voltada ao consumidor final, que entregue a experiência completa da
IA. Que invente a maneira como conviveremos com a tecnologia.
Conseguirá? Bem, acaba de contratar o único
designer que literalmente inventou a maneira como nos relacionamos com o
universo digital nos últimos 20 anos.
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