O Estado de S. Paulo
Tudo indica que o governo Lula se
desinteressou da aprovação da PEC e parece baixa a chance de a medida valer
para a disputa do ano que vem
A pauta do Congresso está carregada com temas
sensíveis e de grande repercussão, como, mais recentemente, o escândalo do
INSS, o PL da Anistia e a reeleição. O governo, por seu lado, está com as mãos
atadas com crescentes problemas fiscais, políticos e de corrupção e tem como
prioridade no Congresso a aprovação da lei que isenta o Imposto de Renda para
quem ganha menos de R$ 5 mil.
A bateção de cabeça dentro do governo e a ausência de uma coordenação efetiva entre Lula e as lideranças no Congresso tornam ainda mais difícil o avanço de matérias de importância para a sociedade.
Uma das iniciativas políticas mais
importantes do governo Lula, feita ao Congresso há um ano e oito meses, foi a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe a participação de militares
da ativa nas eleições. O texto prevê a transferência para a reserva de
integrantes das Forças Armadas que optarem por entrar na política, uma medida
importante para proteger as tropas da politização. Pelas regras eleitorais,
contudo, essa mudança teria de ter sua votação concluída e ser promulgada até
um ano antes do pleito, ou seja, até 4 de outubro, para valer em 2026. Tudo
indica que o governo Lula se desinteressou da aprovação da PEC e parece baixa a
chance de a medida valer para a disputa do ano que vem.
Segundo informações disponíveis, falta
empenho dos articuladores políticos do governo para aprová-la. Numa estratégia
para uma rápida tramitação, a PEC foi proposta pelo líder do governo no Senado,
Jaques Wagner (PT-BA). Se fosse enviada diretamente pelo Palácio do Planalto,
teria de ser analisada primeiro pela Câmara. O texto chegou a ser aprovado na
Comissão de Constituição e Justiça um mês após ser apresentado, em novembro de
2023, mas desde então não mais avançou. Na visão de defensores do texto, o governo
deveria ter uma atitude mais proativa em defesa da PEC, para fazer frente à
pressão da oposição pelo PL da Anistia.
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro,
tem se movimentado nos últimos meses para convencer senadores a votarem o texto
no plenário do Senado. O tema, contudo, não tem sido tratado como prioridade
por Gleisi Hoffmann nem pelo senador Jaques Wagner. A falta de engajamento tem
incomodado o Ministério da Defesa, uma vez que a PEC dos militares seria um dos
legados que o ministro José Múcio Monteiro gostaria de deixar à frente da
pasta.
Pouco mais de um ano depois, pessoas próximas
ao senador afirmam que o cenário não mudou e que o texto não está na ordem do
dia.
Entre os entraves para o texto avançar está a
avaliação de que a PEC pode acabar por inflamar novamente militares contra o
governo petista. Além disso, embora seja focada nas Forças Armadas (FFAA), o
debate pode ter sido prejudicado pela possibilidade de a medida ser estendida a
policiais militares, cujos representantes no Congresso são contrários à
restrição.
A reação da instituição sobre o julgamento em
curso no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo militares da ativa e da
reserva nos acontecimentos relacionados ao 8 de Janeiro mostra que houve
mudança significativa no comportamento das FFAA, comprovado pela atuação fora
da política (com poucas exceções individuais) desde 1985, apesar das tentativas
de atraí-las para o cenário político no governo anterior.
Para encerrar um período complexo da história
nacional, o Congresso deveria também examinar outra PEC prevendo a mudança no
artigo 142 da Constituição federal, que dispõe: “As FFAA, constituídas pela
Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais
permanentes e regulares, organizada com base na hierarquia e na disciplina, sob
a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem”. Seria eliminada a parte final (“e por iniciativa de
qualquer destes, da lei e da ordem”) para deixar bem claro que as FFAA não
ganharam pelo texto atual um poder moderador para arbitrar crises políticas
internas no Brasil (apesar de o STF já se ter pronunciado definitivamente sobre
o assunto, afastando essa interpretação).
Com essas duas medidas, seria virada uma
página sensível dos 135 anos de história de participação ativa dos militares na
vida política nacional, dando-se ênfase à subordinação das FFAA às leis e à
Constituição. Nesta nova etapa, o Ministério da Defesa deveria conseguir os
meios para que a instituição possa modernizar-se, dispor de recursos
previsíveis, melhor equipar-se, ser desenvolvida uma base industrial de Defesa
com base em avanços tecnológicos, com vistas à defesa da soberania nacional e
das fronteiras. O Congresso tem de responder aos anseios da sociedade e aprovar
essas medidas constitucionais. Não é possível que governo e Congresso permitam
que as FFAA continuem cada vez mais vulneráveis e menos aptas a defender os
interesses nacionais.
A sociedade civil espera uma atitude firme
das lideranças do governo e dos líderes partidários e uma tomada imediata de
decisão sobre a PEC para permitir que a nova regra sobre a participação de
militares nas eleições possa vigorar a partir de 2026.
Com a palavra, a Comissão de Relações
Exteriores e Defesa do Congresso Nacional.
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