O Globo
Como a confirmação das sanções em estudo foi
feita em público, numa sessão do Congresso americano, a reação deveria ter sido
do governo brasileiro, não da PGR
A decisão da Procuradoria-Geral da República (PGR) de processar o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro por suspeita de conspiração contra o Supremo Tribunal Federal (STF) nos Estados Unidos é um erro político que deriva da necessidade corporativa de demonstrar apoio ao ministro Alexandre de Moraes diante da ameaça de sanções do governo americano. Não é a primeira vez que o corporativismo coloca o Judiciário brasileiro em situação delicada, mas, se é compreensível que Moraes espere esse apoio pessoal, ele não corresponde ao interesse nacional neste momento.
Não apenas o ministro foi atingido pela
confirmação do secretário de Estado, Marco Rubio, de que o governo americano
estuda sanções contra ele, mas a própria instituição brasileira. Isso requer
ação governamental por meio do Itamaraty, e não do Judiciário brasileiro contra
o deputado licenciado. Eduardo Bolsonaro ganhou uma dimensão política que não
tem, pois sua ação internacional é apenas circunstancial, não provém de
influência conceitual, mas da relação pessoal com membros de um governo
autocrático.
Se o governo brasileiro reclamasse do
americano em termos formais, estaria dada a dimensão devida à tentativa de
intervenção estrangeira nos nossos assuntos internos. O momento é mais delicado
devido às negociações de tarifas com os Estados Unidos, mas chancelar a
intermediação de Eduardo Bolsonaro é dar-lhe um peso político indevido. Mesmo
que sua intervenção seja obviamente real, não deveria ser o Judiciário
brasileiro a reconhecê-la. Vivendo nos Estados Unidos como “autoexilado”, o
filho de Bolsonaro está inalcançável, e a longa mão da Justiça brasileira não o
alcançará, por mais que Moraes tente apanhá-lo.
Se o governo Trump é tão desavisado a ponto
de tomar uma providência desse quilate a pedido da família Bolsonaro, merece
ser acusado de ingerência indevida. Noticia-se que mensagens foram enviadas
pela linguagem diplomática dando conta do erro que a administração Trump
cometerá se decretar sanções contra Moraes, pois é óbvio que não é a pessoa do
ministro que estará em julgamento, mas o sistema judiciário brasileiro.
Como, porém, a confirmação das sanções em
estudo foi feita em público, numa sessão do Congresso americano, a reação
deveria ter sido do governo brasileiro, não da PGR. Assim como é compreensível
que Moraes se sinta merecedor de apoio formal de seus pares, nesta e noutras
ocasiões, também é forçoso afirmar que nem sempre o corporativismo trabalha a
favor da causa central, neste caso a condenação dos que tentaram um golpe de
Estado. O resto é efeito colateral menor de uma guerra política em
desdobramento, cujo objetivo é salvar o ex-presidente Bolsonaro da punição
devida.
Ao reagir com o fígado aos ataques que
recebe, Moraes em muitas ocasiões se excede, permitindo que a oposição tenha
pretextos para se dizer perseguida. O governo dos Estados Unidos, no entanto,
não tem explicações razoáveis para tratar o Brasil como se fosse uma ditadura
bananeira que não merece respeito institucional, um de seus maiores parceiros
comerciais e líder regional importante na geopolítica global.
A distorção do entendimento de Trump e sua
administração do que seja democracia leva a situações como essas, em que a
ideologia prevalece sobre a institucionalidade das relações de Estado. Aceita
um presente que mais parece suborno de uma ditadura como o Catar, mas trata
como inimigo um governo por ser de esquerda. Governo que até o momento tem
atuado dentro das quatro linhas da Constituição, como gosta de dizer Bolsonaro.
Ele, sim, saiu do campo de jogo democrático para tentar um golpe de Estado.
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