terça-feira, 27 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PEC que acaba com reeleição é ineficaz e inoportuna

O Globo

Debate sobre o tema é pertinente, mas texto do Senado promove redesenho descabido do sistema eleitoral

Ainda que o debate sobre reeleição seja pertinente, não tem cabimento a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do senador Marcelo Castro (MDB-PI), aprovada na semana passada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A tentativa de limitar o poder de quem está no cargo é apenas pretexto para promover um redesenho completo do sistema eleitoral brasileiro, reduzindo todos os mandatos a cinco anos, unificando eleições gerais e municipais e acabando com as regras de renovação parcial do Senado a cada ciclo. A capacidade de gerar confusão é enorme, para benefícios insondáveis.

O maior problema da PEC é unificar o calendário eleitoral, com apenas um pleito a cada cinco anos, em que o eleitor daria nove votos: vereador, prefeito, deputado estadual, governador, deputado federal, três senadores e presidente. As regras de transição são complexas, e o novo esquema valeria só a partir de 2039. Partidários da mudança usam dois argumentos para defendê-la. Primeiro, acreditam que o fim da reeleição imporia obstáculo aos governantes que usam o cargo com fins eleitoreiros e gastam recursos públicos apenas para se reeleger, deixando de lado medidas necessárias, mas impopulares. Segundo, alegam que, com menos eleições, o contribuinte pagaria mais barato, já que os pleitos têm gerado gastos bilionários (só as últimas eleições municipais custaram R$ 4,9 bilhões).

Ambos os argumentos são frágeis. Mesmo que um candidato não possa se reeleger, nada impede o uso da máquina pública para fazer seu sucessor. E nada garante que isso tornará mais fácil que os mandatários tomem as medidas difíceis, mas necessárias. Quanto ao gasto em eleições, ele pode ser reduzido no momento em que o Congresso quiser. Não é preciso implodir o sistema eleitoral para isso.

Os argumentos contrários à PEC são mais sólidos. O fim das eleições municipais acarretaria perda de foco nas questões de interesse imediato do eleitor. O debate seria necessariamente nacionalizado, em detrimento de políticas públicas de natureza local, como transporte ou habitação. O pleito para prefeito e vereadores também deixaria de funcionar como avaliação de meio de mandato para os governos estadual ou federal. O período mais longo entre as votações contribuiria para afastar o eleitor da política e eliminaria a oportunidade de dar um recado de aprovação ou reprovação por meio das urnas.

A PEC eliminaria a renovação parcial do Senado, que garante o equilíbrio necessário entre inovação e preservação nas mudanças legislativas, evitando que a pauta seja dominada por modismos que mobilizem a opinião pública. Haveria, por fim, enorme confusão de interesses dos deputados, senadores, vereadores ou prefeitos cujos mandatos fossem alterados no período de transição — e o novo quadro eleitoral deixaria desnorteado o eleitor já acostumado a votar a cada dois anos.

O político e pensador irlandês Edmund Burke, em sua crítica à Revolução Francesa no século XVIII, ponderou que mudanças radicais demais, mesmo quando bem-intencionadas, têm efeitos indesejáveis. “São as circunstâncias que tornam qualquer esquema político ou civil benéfico ou nocivo”, escreveu. É verdade que a reeleição pode trazer incentivos danosos. Mas ela não é a causa da degradação da democracia brasileira. Serve para o eleitor manter quem julgar bom governante — e tirar do cargo os ineptos.

Passou da hora de cobrar eficiência maior das universidades federais

O Globo

Ampliar orçamento é necessário dada a emergência, mas insuficiente para garantir futuro de ensino e pesquisa

É comum deparar, nas universidades federais, com prédios decrépitos, goteiras nas salas, cadeiras quebradas nos auditórios ou cozinhas em más condições sanitárias. Diante de quadro tão desolador, é compreensível a grita por mais verbas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende recompor o orçamento das federais em mais de R$ 340 milhões, valor superior ao pleiteado por representantes da comunidade acadêmica.

Por mais que isso seja necessário, seria um erro apenas despejar dinheiro sem exigir nada em troca. Passou da hora de impor cobrança por eficiência e qualidade na produção acadêmica. A UFRJ, federal mais bem colocada no ranking do QS World University, ocupa a 304ª posição (a melhor brasileira é a USP, no 92º lugar). A segunda federal na lista global, a UFMG, aparece entre os lugares 671 e 680. Nem no recorte regional da América Latina a UFRJ é destaque.

É verdade que federais são responsáveis por boa parte da pesquisa realizada no Brasil. Com infraestrutura precária, alguns poucos abnegados garantem o tímido avanço da ciência no país. Também se costuma argumentar que a expansão das federais contribuiu para o salto na proporção de brasileiros com nível superior — de 6,8% para 18,4% desde o ano 2000. Mesmo assim, tal patamar é baixo quando comparado a Chile (25%), Portugal (31%) ou Coreia do Sul (52%).

O problema é achar que basta as federais terem mais dinheiro para o ensino superior deslanchar. Várias universidades foram criadas Brasil afora, com estrutura burocrática e administrativa incompatível com a qualidade do ensino ou da pesquisa. São evidentes as deficiências na gestão.

Na UFRJ e na Unifesp, cerca de 80% do orçamento é gasto com a folha de pagamento. Na Universidade de Oxford, entre as melhores do mundo, ou na Universidade da Cidade do Cabo, instituição sul-africana que tem ganhado posições nos rankings internacionais, o percentual fica próximo de 50%. O custo por aluno de uma federal, como proporção do PIB per capita, é comparável ao de países como França, Austrália ou Coreia do Sul. Na comparação, a improdutividade brasileira fica patente.

Sem um corpo docente e de funcionários comprometido, não se irá a lugar algum. É evidentemente preciso proteger a liberdade de cátedra dos acadêmicos, mas isso não pode significar eximi-los de ganhos de produtividade ou melhoria de desempenho. Um sistema de avaliação para aperfeiçoar a alocação dos recursos é fundamental, embora provoque repulsa nas lideranças sindicais dominadas por militantes.

Noutra frente, as federais deveriam estreitar laços com o setor privado para prestar serviços e cobrar mensalidades de quem puder pagar. Trata-se de justiça. O mesmo vale para a imposição de regras que elevem a produtividade de docentes e funcionários.

Previsões para o PIB podem estar subestimadas de novo

Valor Econômico

Gastando dinheiro que o governo não tem, o Planalto está vencendo o BC com sua intenção de não deixar a economia esfriar, em uma investida que deve se intensificar quanto mais se aproxima o calendário eleitoral

A economia brasileira parecia que iria desacelerar no último trimestre de 2024 (PIB de 0,2%), mas foi, mais uma vez, alarme falso. O Banco Central (BC), desde dezembro, decidiu aumentar a carga de juros e não se convenceu de que os dados identificassem tendência inequívoca de retração. Na mais recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), com a taxa Selic 3,5 pontos percentuais acima de novembro, a 14,75%, o BC só viu sinais “incipientes” de uma desaceleração que ocorrerá apenas no segundo semestre e que pode não ser intensa.

Consultorias e economistas elevaram suas projeções para o PIB, que, pelo boletim Focus de ontem, terá alta de 2,14%, ante 2% projetados há quatro semanas. O IBC-Br, um sinalizador do PIB, avançou 1,3% no primeiro trimestre e foi mais vigoroso que o esperado.

Analistas ouvidos pelo Valor apontam que os estímulos fiscais e parafiscais e a expansão de crédito continuam a impulsionar a economia. A maior parte de relatórios de grandes bancos nacionais e estrangeiros reviu para cima suas projeções, uma delas corroborando os 2,4% da previsão mais recente da Secretaria de Política Econômica. O Planalto está vencendo o Banco Central com sua intenção de não deixar a economia esfriar, em uma investida que deve se intensificar quanto mais se aproxima o calendário eleitoral.

O BC insinuou em atas recentes que o canal do crédito pode estar obstruído, o que retiraria a potência da dose drástica de juros já aplicada. Economistas não só veem que o crédito está avançando a uma velocidade que seria incompatível com juros reais próximos de 10% como acreditam que o hiato do produto calculado pelo BC - a diferença para mais ou para menos que a economia está em relação a seu potencial de expansão - é inferior ao real. A autoridade monetária estima que ele foi de 0,5% no primeiro trimestre do ano e que declinará a -0,8% em setembro de 2026. Para a ARX Investimentos, o hiato é quase o triplo disso, de 1,49%, e pelos cálculos do economista-chefe Gabriel Leal de Barros, não se tornará negativo nem no terceiro trimestre de 2026. Os economistas da Terra Investimentos, em relatório, estimam que o hiato é ainda maior, de 3,65% no primeiro trimestre, e fechará o ano em 2%.

Isso significa que a economia continuará crescendo acima de seu potencial por um bom tempo. O vigor demonstrado até agora começa a sustentar previsões de que, na verdade, ela sequer desacelere muito no ano e possa crescer perto de 3%. Daniel Lavarda, chefe de pesquisa econômica para o Brasil do HSBC, acha que atingir esse número é algo dentro das possibilidades. Se o PIB do primeiro trimestre crescer 1,8%, como estima também Cláudio Adilson Gonçalves, da MCM Consultoria, a herança estatística para o resto do ano será de 2,6%, isto é, esse é o resultado se a economia nada crescer nos trimestres seguintes. Na conjectura de Lavarda, expansão de 0,2% nesse período seria suficiente para o PIB chegar a 3%. O HSBC prevê expansão de 2,1%.

O estado das atividades visto pelo lado do IBC-Br, calculado pelo BC, mostra um ritmo mais potente de crescimento que o previsto. Com a supersafra, o setor agrícola puxará o PIB do primeiro trimestre. O economista Vitor Vidal, da consultoria VVC, eliminou a agropecuária, setor volátil que apresentará seu melhor resultado agora, e constatou que sem ela o IBC-Br evoluiu 1% no primeiro trimestre, o que carrega consigo um impulso para o resto do ano de 2,2%. A hipótese de expansão de 3% não é descartável.

Há vários fatores contribuindo para frustrar os efeitos dos juros altos. Barros, da ARX, estima que medidas fiscais, parafiscais e creditícias somam 2% do PIB este ano - R$ 238 bilhões - e serão ainda maiores, de 2,9% do PIB, ou R$ 376 bilhões, em 2026, ano eleitoral em que deverá entrar em vigor a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Em uma lista não exaustiva, e que continuará a crescer, Barros cita a aceleração dos desembolsos do BNDES, que espera voltar a emprestar 2% do PIB até o fim do governo Lula, o programa de pagamento de dívida dos Estados (Propag), o uso de recursos acumulados em caixa pelos entes federativos e o uso de fundos públicos para execução de gastos “por fora” do Orçamento. O Gás para Todos e a isenção de pagamento de luz até 80 MW colocarão mais dinheiro disponível nas mãos dos inscritos no Bolsa Família. No crédito, entram o novo consignado para o setor privado e a isenção do IR para até R$ 5 mil. São promessas do presidente Lula linhas de crédito para reforma de moradias e usuários de aplicativos.

O Brasil está acostumado a surtos de crescimento que nada deixam de resultado fora rastros inflacionários e recessão. Esta foi a herança deixada pela segunda gestão de Lula, que culminou com avanço do PIB de 7,5%, para sua sucessora, Dilma Rousseff, que, com mais gastos públicos, fez a inflação subir a dois dígitos e a economia entrar em uma das mais profundas recessões do período republicano. Hoje, com um BC independente, o risco de disparada inflacionária é menor, mas empresas e consumidores pagam um preço alto, sob juros exorbitantes que não conseguem levar a inflação para a meta porque o presidente Lula, em modo eleitoral, não aceita parar de gastar o dinheiro que o governo não tem, para crescer a qualquer custo.

Imprevidência acelera crise no INSS

Folha de S. Paulo

Fila de espera por benefícios quase dobra em um ano; desvincular piso previdenciário do salário mínimo conteria déficit

Os aposentados estão entre as principais bases eleitorais de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mesmo com a queda da popularidade do mandatário, é nesse estrato que ele consegue a maior taxa de aprovação a seu trabalho, de 59%, ante 48% na população e apenas 39% entre os assalariados formais, segundo apurou o Datafolha em abril.

É intuitivo associar essa fidelidade a medidas adotadas por Lula em seus três mandatos, em especial a política de valorização do salário mínimo e, portanto, dos benefícios previdenciários. Nem sempre são evidentes, porém, os impactos de tal escolha nas contas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que recairão sobre toda a sociedade.

Como estratégia de combate à pobreza, a política tem hoje eficiência questionável, uma vez que o mínimo já passou por expressivo aumento no passado e os segurados do INSS não figuram entre os grupos mais vulneráveis da população —e estes são mais bem atendidos pelo Bolsa Família, que teve seus montantes multiplicados nos últimos anos.

Já os custos são elevados. A Instituição Fiscal Independente (IFI, vinculada ao Senado) estima gastos adicionais entre R$ 835 bilhões e R$ 1,4 trilhão ao longo de dez anos com os reajustes do piso salarial acima da inflação, a depender das taxas adotadas e considerando também benefícios assistenciais e trabalhistas.

Previdência Social já se encontra sob pressão da transformação demográfica do país, e o Censo 2022 mostrou que o envelhecimento dos brasileiros se dá mais rapidamente do que o imaginado antes. Os pagamentos do INSS, que chegaram a cair para 7,9% do Produto Interno Bruto após a reforma de 2019, somaram 8% no ano passado. Mas esse número já parece subestimado.

Descobriu-se nos últimos dias que a fila de espera no instituto quase dobrou em um ano, saltando de 1,4 milhão de pedidos de benefícios represados em abril do ano passado para 2,678 milhões em abril deste 2025. O patamar atual não tem precedentes em estatísticas apuradas desde 2018. A demanda acumulada é um indicativo de mais gastos à frente.

O governo acaba de elevar em R$ 16,7 bilhões a projeção de desembolsos com benefícios previdenciários neste ano, para R$ 1,032 trilhão (8,1% do PIB). A maior despesa federal segue em nível exorbitante e deve ter alta nas próximas décadas —chegando aos 10% do PIB por volta de 2050, nas projeções oficiais.

Sem ajustes nem reformas, o déficit explodirá com mais aposentados e menos trabalhadores ativos contribuindo. Uma medida lógica seria desvincular o piso da Previdência do salário mínimo, mas Lula prefere acelerar o desequilíbrio do sistema.

O governo enfrenta o desafio imediato de responder ao escândalo dos descontos fraudulentos em benefícios, que ameaça o prestígio de Lula na clientela do INSS. Haverá notícias ainda piores a dar aos aposentados e pensionistas nos próximos anos.

Ancelotti assume seleção brasileira em meio a caos da CBF

Folha de S. Paulo

Técnico acerta ao dizer que tem grande trabalho pela frente; maior problema está na entidade máxima do futebol nacional

Um dia depois de desembarcar no Brasil, Carlo Ancelotti anunciou sua primeira convocação para a seleção brasileira e demonstrou diplomacia protocolar ao participar de uma entrevista coletiva.

"As primeiras impressões são muito bonitas. É uma honra, um grande orgulho comandar a seleção que é a melhor do mundo", declarou o treinador italiano.

Pode-se pôr na conta da boa etiqueta o exagero retórico de Ancelotti, mas ele não ficou longe da verdade. Por mais que o Brasil não tenha passado do quarto lugar nas edições mais recentes da Copa do Mundo, ainda se trata da equipe mais vencedora da competição, com cinco taças.

Em outros torneios, a seleção canarinho sempre desponta como favorita, a despeito de o maior evento futebolístico do país —o Campeonato Brasileiro— deixar a desejar na comparação com as principais ligas da Europa.

Mesmo assim, consideradas a disparidade de força entre as moedas e a diferença de qualidade de vida entre os países, é preciso reconhecer que o Campeonato Brasileiro atingiu patamar elevado como produto esportivo.

Em contraste, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), responsável pela seleção e pela disputa nacional, jamais subiu o primeiro degrau na escala das boas práticas corporativas. Entidade privada criada em 1979, tornou-se sinônimo de escândalos de corrupção há muitas décadas.

Ricardo Teixeira, seu presidente mais longevo, saiu do posto em 2012 e deixou um rastro de atividades escusas. José Maria Marin, seu sucessor, finalizou o mandato em 2015, mas não sem se envolver no caso chamado Fifagate e terminar banido do futebol. Desde então, nenhum cartola completou o exercício à frente da CBF.

A deposição mais recente se deu por meio de ordem judicial e atingiu Ednaldo Rodrigues —que, em um de seus atos derradeiros, contratou Ancelotti.

Apesar de ter sido reeleito por unanimidade e de ter recebido um auxílio do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, não resistiu à pletora de acusações que se acumularam.

Para seu lugar foi eleito, neste domingo (25), o desconhecido Samir Xaud, médico há pouco escolhido para comandar a Federação Roraimense de Futebol —uma herança de seu pai, dirigente da entidade por mais de 40 anos.

É difícil que Ancelotti esteja a par de todo esse enredo, surreal até para padrões brasileiros. De modo que talvez não tenha percebido quão verdadeiras foram suas outras palavras: "Eu tenho um grande trabalho para fazer com que o Brasil volte a ser campeão".

Quem deve teme

O Estado de S. Paulo

Promessa de ‘governo transparente’ virou fumaça. Governo Lula multiplica sigilos, oculta gastos e restringe acesso a documentos públicos, expondo o engodo da ‘frente ampla democrática’

Durante a campanha eleitoral, Lula da Silva agitou a bandeira da transparência como um dos ativos morais de sua candidatura. Em mais de uma ocasião, fustigou o governo anterior por ocultar informações do cidadão: “Se é bom, não precisa esconder”, disse o petista a Jair Bolsonaro durante um debate. Já instalado no Palácio do Planalto, em maio de 2023, Lula afirmou que a Lei de Acesso à Informação (LAI) havia sido “estuprada” e prometeu recuperá-la: “O povo brasileiro vai ver essa criança se transformar em adulto”.

Dois anos depois, essa criança continua sendo violentada – agora, por aqueles que juraram protegê-la.

Há mais de um ano o governo bloqueia o acesso a cerca de 16 milhões de documentos que, por 17 anos, estiveram abertos ao escrutínio do cidadão: notas fiscais, termos de parceria, relatórios de execução, planos de trabalho – arquivos que revelam como se gastou mais de R$ 600 bilhões do contribuinte em transferências da União para Estados, municípios e ONGs, incluindo emendas parlamentares.

Para justificar o apagão na plataforma Transferegov.br, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos alegou que haveria risco de violação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, haja vista que os documentos conteriam informações “sensíveis”. A argumentação, além de tecnicamente frágil, é juridicamente insustentável: além de existirem soluções técnicas de anonimização, a própria Advocacia-Geral da União afirmou, em parecer oficial, que nada impedia a manutenção da publicidade dos dados. A decisão de opacidade não foi um imperativo legal, mas uma escolha política. O recuo anunciado pelo governo só faz confirmá-la. Mas a promessa de reativar o acesso aos arquivos não apaga o fato central: o sigilo só foi revertido por constrangimento público, e não por convicção republicana. O dano à confiança pública está feito, e o episódio retrata um governo que subverte, à sua conveniência, o princípio da publicidade.

O medo da luz é sistemático. O governo aumentou os gastos sigilosos no cartão corporativo e manteve o segredo de cem anos sobre as despesas, como fez Bolsonaro. O Planalto se recusa a divulgar dados sobre viagens presidenciais, visitas à primeira-dama, relatórios sobre emendas parlamentares e até registros de entrada e saída em edifícios públicos. Ademais, ministros de Estado frequentemente descumprem prazo legal para divulgar suas agendas. Em vários desses casos, recorreu ao artigo 24 da LAI, que trata da segurança do presidente, ou ao artigo 31, sobre dados pessoais – mas em interpretações abusivas, calculadas para esconder o que deve estar exposto.

Um exemplo particularmente ilustrativo veio do Ministério da Justiça. Sob a gestão de Ricardo Lewandowski, a pasta negou três pedidos do Estadão via LAI aos estudos, pareceres e memorandos que embasaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública. A justificativa é de que os documentos ainda são “preparatórios” e que o sigilo deve permanecer até a promulgação da PEC. Trata-se de um sofisma: o ato administrativo do Executivo se concluiu com o envio da proposta ao Legislativo, e, portanto, a publicidade já se impõe, por força da própria LAI.

A insistência em manter o sigilo é reveladora da má-fé institucional que anima este governo. Transformou-se em regra o que deveria ser exceção em um processo de poluição dos arquivos públicos engendrado por subterfúgios técnicos, mas motivado por razões políticas. É exatamente a atitude que Lula jurava combater. A diferença está no discurso, e não na prática.

Segundo levantamento da Controladoria-Geral da União, nos dois primeiros anos de Lula, 7,9% dos pedidos via LAI foram negados. Sob Bolsonaro, no mesmo período, foram 7,7%. A média de recusa por “dados pessoais” se manteve alta, revelando que, se o Executivo mudou de cor, não mudou de conduta. Em alguns aspectos, até retrocedeu.

Lula se elegeu prometendo liderar uma “frente ampla” contra o obscurantismo e a opacidade. Prometeu restaurar a verdade, abrir arquivos, democratizar a informação. Entregou o oposto, perpetuando o sigilo e instrumentalizando a legislação para ocultar dados.

Prometer luz e entregar sombras é mais que contradição ou hipocrisia – é estelionato eleitoral.

Aposta contra o Estado de Direito

O Estado de S. Paulo

Ao ‘prepararem’ o município de Olímpia (SP) para uma eventual liberação da jogatina no País, prefeitura e vereança da cidade prestam mais um favor à ruína de milhares de brasileiros

Para todos os efeitos, os jogos de azar ainda são ilegais no Brasil. Mas isso é um detalhe em Olímpia, cidade do interior de São Paulo conhecida como a “Orlando brasileira” por abrigar parques aquáticos, entre outras atrações turísticas. A Câmara Municipal aprovou e o prefeito Geninho Zuliani (União) sancionou um inacreditável – e inconstitucional – projeto de lei que permite a abertura de cassinos nos resorts da região, além de legalizar a operação de apostas em roleta, cartas, jogos eletrônicos e similares.

Para Zuliani, a regulamentação dos jogos de azar é mera questão de tempo, razão pela qual Olímpia precisa “se antecipar” e estar preparada para “receber cassinos” e “investimentos bilionários” quando a legislação federal for aprovada. Quando deputado federal, em fevereiro de 2022, Zuliani votou a favor do projeto que libera os jogos de azar no Brasil, aprovado pela Câmara dos Deputados na ocasião.

O texto já passou pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e depende apenas do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), para que seja pautado em plenário. O ministro do Turismo, Celso Sabino, já manifestou apoio à proposta, e o presidente Lula da Silva, embora se diga pessoalmente contrário ao projeto, sinalizou que não o vetaria caso houvesse acordo entre os partidos.

De fato, exceto pela bancada evangélica, que se opõe à legalização dos jogos de azar por questões morais, a maioria das autoridades públicas trata o tema com indiferença ou irresponsabilidade, sem falar dos interesses inconfessáveis que possam mover os parlamentares favoráveis à liberação da jogatina. Ignoram, a despeito das evidências, os imensos danos que a ludopatia impõe às famílias e à sociedade, agora agravados pela regulamentação das apostas online, conhecidas como bets, sancionada em dezembro de 2023 sob o pretexto de aumentar a arrecadação.

Enquanto as bets prosperam no País, pululam histórias sobre tragédias pessoais. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apurou perdas de R$ 103 bilhões no varejo e relatou que 1,8 milhão de pessoas ficaram inadimplentes ao comprometer a renda com apostas online no ano passado. O Estadão, que apoia a proibição desde sua origem, publicou ontem mais evidências sobre o impacto do vício na vida dos trabalhadores.

Pesquisa realizada pela Creditas Benefícios, em parceria com Wellz by Wellhub e Opinion Box, consultou 405 gestores e profissionais de recursos humanos e ouviu de 54% deles que seus subordinados aproveitam o horário de descanso para apostar. Segundo a reportagem, entre os impactos da ludopatia mencionados pelos gestores estão o comprometimento da saúde mental e física dos trabalhadores, queda da produtividade, aumento da rotatividade e piora na reputação da empresa.

Embora seja um problema difícil de identificar e tratar no ambiente de trabalho, especialistas apontam que as empresas precisam desenvolver ferramentas de prevenção, que incluem desde apoio psicológico a ações na área de educação financeira. Mas a maior responsabilidade cabe ao governo, por meio do estabelecimento de políticas de saúde pública para tratar os ludopatas e prevenir o vício.

Nada indica que estejamos nesse caminho. É como se o problema da ludopatia não existisse ou que não houvesse nada a fazer a não ser aceitar a onipresença das apostas online na vida dos brasileiros, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.

No Congresso, projetos de lei que proíbem ou limitam a publicidade das apostas online tramitam a passos de tartaruga em comissões do Senado. Já a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets se converteu em um circo no qual subcelebridades fazem chacota dos parlamentares. E a própria relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), expressou o temor de que o colegiado sirva como cortina de fumaça para os crimes associados aos jogos de azar, como estelionato e lavagem de dinheiro, por exemplo.

Ao aprovarem uma lei “inconstitucional da primeira à última linha”, como advertiu o advogado Fabiano Jantalia, especialista em Direito de Jogos, o prefeito e a vereança de Olímpia prestam mais um favor à ruína de milhares de brasileiros.

Ataque à razão

O Estado de S. Paulo

Trump ameaça a alma universal de Harvard em nome de seu populismo xenófobo

Depois de tentar, sem sucesso, dobrar a Universidade Harvard a seus desmandos pela via da constrição financeira, o presidente dos EUA, Donald Trump, retomou a ofensiva contra a prestigiosa instituição atacando sua alma: a abertura de Harvard para as melhores cabeças do mundo. No dia 22 passado, Trump revogou o certificado que permitia a matrícula de alunos estrangeiros naquela universidade.

A prevalecer a sanha persecutória de Trump, ora interrompida por decisão de uma juíza federal, Harvard não apenas ficará impedida de matricular cidadãos estrangeiros, como aqueles que já estão matriculados em seus cursos terão de ser transferidos para outras universidades, sob pena de se tornarem ilegais nos EUA.

De acordo com o site ShunStudents, no último ano letivo quase 6,8 mil estudantes de Harvard eram estrangeiros, o que representa cerca de 30% dos alunos da universidade. Mais de 300 brasileiros, entre alunos e pesquisadores, encontram-se atualmente em Harvard. Todos em sobressalto pelo clima de incerteza instalado pelo governo federal.

Ao Estadão, o brasileiro Eduardo Vasconcelos, estudante de Economia e Governo na universidade norte-americana, afirmou que a medida de Trump é a destruição de um sonho e que, de um dia para o outro, tornou-se um “despejo” nos EUA. Com medo, outros alunos estrangeiros preferiram não se manifestar.

Não é de hoje que Trump ataca universidades, acusando-as, generalizadamente, de serem bastiões do antissemitismo ou de serem laboratórios de infiltração dos interesses chineses. Ainda que isso fosse verdade, fechar as portas aos estrangeiros é mais que uma medida estúpida, é um presente para autocracias como a China e a Rússia, decerto dispostas a atrair os excelentes alunos de Harvard para suas universidades.

Nações europeias, como a França, também lançaram programas para tentar abraçar os pesquisadores estrangeiros baseados nos EUA que Trump quer repelir, tratando-os como descartáveis.

O republicano tentou sufocar as universidades financeiramente, Harvard em particular. Em abril, o Departamento de Educação congelou bilhões de dólares em financiamento para centros universitários de excelência que, segundo a Casa Branca, violam diretos civis. Algumas universidades cederam à pressão, mas Harvard, que dispõe de um endowment (fundo patrimonial) de mais de US$ 50 bilhões, não renunciou à sua independência acadêmica.

Agora, Trump volta à carga ameaçando os alunos estrangeiros de Harvard, os que criam soluções e inovações para os EUA e o mundo. A universidade classificou a medida de Trump de “inconstitucional” e acionou a Justiça, obtendo a suspensão temporária do banimento de estudantes de outros países.

Ao tentar transformar centros de excelência como Harvard em instrumentos de sua política xenófoba e anti-intelectual, a um só tempo, Trump fere valores fundamentais da democracia norte-americana e compromete o papel de liderança global que os EUA historicamente exerceram nas áreas de educação e ciência. Que a sociedade e as instituições dos EUA sejam firmes para conter mais esse ataque à razão.

INSS precisa voltar aos trilhos

Correio Braziliense

O INSS deu início à devolução de descontos indevidos na conta de beneficiários. Ainda é preciso resgatar condutas e princípios que deveriam reger o seu funcionamento ou convencer a população de que eles seguem respeitados

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) deu início à devolução de descontos indevidos na conta de beneficiários um mês depois de a Polícia Federal (PF) ter trazido à tona o esquema que corroeu sorrateiramente a conta de aposentados e pensionistas durante ao menos cinco anos. Há críticas quanto à demora no depósito e ponderações pelo fato de o montante ser referente a um valor que não chegou a ser  repassado às entidades associativas. Mas esse é o menor dos problemas da autarquia. Ainda é preciso resgatar condutas e princípios que deveriam reger o seu funcionamento — a exemplo, a igualdade, a legalidade e  a transparência — ou convencer a população de que eles seguem respeitados.

Em 10 dias, o sistema criado pelo governo para identificar as vítimas da fraude bilionária recebeu 2 milhões de consultas, sendo a esmagadora maioria, 98%, de beneficiários que alegam não ter autorizado os descontos. A forma para o recebimento das queixas, porém, não condiz com o conceito fundamental que garante o direito ao acesso ao sistema sem qualquer tipo de restrição. Idosos de áreas rurais, analfabetos, indivíduos com dificuldades digitais e vítimas de violência patrimonial são exemplos de beneficiários que podem ser novamente penalizados pela incapacidade do INSS de evitar a corrupção e a improbidade administrativa, também uma obrigação legal. Há de se ressaltar, ainda, que o suporte limitado tem favorecido a ação de outras quadrilhas interessadas em tirar proveito dos mais vulneráveis. 

Soma-se ao acesso desigual a sensação de que dificilmente os responsáveis pela fraude serão punidos, restando ao governo recorrer aos cofres públicos para fazer o ressarcimento. O ministro da Fazenda, em entrevista ao jornal O Globo, estimou que o valor a ser devolvido a aposentados e pensionistas não deve ultrapassar R$ 2 bilhões, bem abaixo dos R$ 6 bilhões estimados quando a Operação Sem Desconto foi deflagrada. Há bens de entidades envolvidas no esquema bloqueados. Porém, o próprio presidente do instituto, Gilberto Waller Júnior, não descarta acionar o Tesouro para cobrir o rombo. 

Waller Júnior também fala em "afrouxamento" na fiscalização dos descontos na gestão Bolsonaro. Sob essa lógica, a farra seguiu e se avolumou nos dois primeiros anos do governo petista —  somando uma longa temporada em que moralidade e eficiência ficaram entregues às traças. Desde a sua criação, nos anos de 1990, o instituto acumula episódios de fraudes e má gestão com participação de agentes públicos. O próprio antecessor de Waller Júnior, Alessandro Stefanutto, assumiu o cargo, em julho de 2023, em decorrência de suspeitas de gastos excessivos com passagens e diárias pelo então presidente interino, Glauco Wamburg, para uso particular.  

Como se não bastasse, o país enfrenta um momento de número recorde de cidadãos à espera da concessão de benefícios previdenciários e assistenciais do INSS. A fila tinha 2.678.584 em abril — 31% a mais que a de dezembro de 2024. Zerá-la foi uma das promessas de Carlos Lupi quando assumiu o Ministério da Previdência, no primeiro grupo de nomeados por Lula. Um ano depois, Lupi mudou de planos e garantiu que o tempo de espera até o fim de 2024 seria reduzido a 30 dias. No início deste mês, pediu demissão do ministério sem bater a meta. E o pior: deixou uma autarquia tão estratégica para a garantia e o respeito da dignidade humana combalida. É preciso que o INSS volte aos trilhos.

O TCE e a qualidade das obras públicas

O Povo (CE)

O relatório técnico elaborado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) acerca da situação das obras rodoviárias no Ceará atualmente em execução precisa ser analisado com a importância que apresenta. É um documento útil aos governantes do Ceará pelo ponto em que demonstra a necessidade de olharmos com atenção maior para a qualidade dos gastos realizados com recursos públicos, observando que a eficiência das escolhas nem sempre é atestável apenas pelos números.

A Secretaria de Controle Externo (Secex) do TCE fez um levantamento que considerou as 71 obras rodoviárias entregues à população entre os anos de 2020 e 2024, coisa recente, portanto, a partir de uma amostra detalhada sobre nove delas. Uma análise que transcende gestões e que merece uma reflexão acerca da preocupação que devemos ter com a qualidade do que é entregue à sociedade fazendo uso mais adequado de recursos que saem dos cofres públicos.

Material assinado pela repórter Lara Vieira, que foi manchete da edição impressa de ontem do O POVO, faz uma análise do quadro e apresenta uma conclusão que preocupa diante da incerteza que gera quanto à boa aplicação dos recursos. É necessário entender e explicar os problemas encontrados pela equipe do TCE, destacando-se as prorrogações dos prazos de entrega acima de um grau tolerável e os descontos considerados excessivos, de até 40% em relação ao orçamento inicial previsto. Tudo isso tem impacto inevitável sobre o preço da obra e, em geral, sua qualidade.

A equipe do Tribunal analisou 30% do que foi realizado no período sob estudo, em termos de obras rodoviárias, somando R$ 331,2 milhões em investimentos e 236,76 km de estradas construídas ou reconstruídas no Ceará. Portanto, um recorte expressivo e que, certamente, reproduz com fidelidade o cenário daquele momento.

O registro de que 40% dessas obras rodoviárias já apresentam algum tipo de defeito, mesmo com o pouco tempo de uso desde a entrega, expõe os efeitos danosos das distorções observadas desde a fase inicial. O trabalho do TCE permite aos responsáveis buscar um caminho novo, que depure as causas do problema e encontre alternativas que protejam melhor o interesse público. Algo que não parece dado nestas situações apuradas.

É ainda importante destacar na iniciativa o fato de o próprio governo estar envolvido no esforço de identificar os porquês, através da Superintendência de Obras Públicas do Ceará (SOP). Espera-se agora, relatório nas mãos, que se faça as adequações necessárias para termos obras mais sustentáveis e capazes de melhorar as condições de tráfego nas rodovias estaduais cearenses.

 


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