PEC que acaba com reeleição é ineficaz e inoportuna
O Globo
Debate sobre o tema é pertinente, mas texto
do Senado promove redesenho descabido do sistema eleitoral
Ainda que o debate sobre reeleição seja
pertinente, não tem cabimento a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do
senador Marcelo
Castro (MDB-PI), aprovada na semana passada pela Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A tentativa de limitar o poder de quem
está no cargo é apenas pretexto para promover um redesenho completo do sistema
eleitoral brasileiro, reduzindo todos os mandatos a cinco anos, unificando
eleições gerais e municipais e acabando com as regras de renovação parcial do
Senado a cada ciclo. A capacidade de gerar confusão é enorme, para benefícios
insondáveis.
O maior problema da PEC é unificar o calendário eleitoral, com apenas um pleito a cada cinco anos, em que o eleitor daria nove votos: vereador, prefeito, deputado estadual, governador, deputado federal, três senadores e presidente. As regras de transição são complexas, e o novo esquema valeria só a partir de 2039. Partidários da mudança usam dois argumentos para defendê-la. Primeiro, acreditam que o fim da reeleição imporia obstáculo aos governantes que usam o cargo com fins eleitoreiros e gastam recursos públicos apenas para se reeleger, deixando de lado medidas necessárias, mas impopulares. Segundo, alegam que, com menos eleições, o contribuinte pagaria mais barato, já que os pleitos têm gerado gastos bilionários (só as últimas eleições municipais custaram R$ 4,9 bilhões).
Ambos os argumentos são frágeis. Mesmo que um
candidato não possa se reeleger, nada impede o uso da máquina pública para
fazer seu sucessor. E nada garante que isso tornará mais fácil que os
mandatários tomem as medidas difíceis, mas necessárias. Quanto ao gasto em
eleições, ele pode ser reduzido no momento em que o Congresso quiser. Não é
preciso implodir o sistema eleitoral para isso.
Os argumentos contrários à PEC são mais
sólidos. O fim das eleições municipais acarretaria perda de foco nas questões
de interesse imediato do eleitor. O debate seria necessariamente nacionalizado,
em detrimento de políticas públicas de natureza local, como transporte ou
habitação. O pleito para prefeito e vereadores também deixaria de funcionar
como avaliação de meio de mandato para os governos estadual ou federal. O
período mais longo entre as votações contribuiria para afastar o eleitor da
política e eliminaria a oportunidade de dar um recado de aprovação ou
reprovação por meio das urnas.
A PEC eliminaria a renovação parcial do
Senado, que garante o equilíbrio necessário entre inovação e preservação nas
mudanças legislativas, evitando que a pauta seja dominada por modismos que
mobilizem a opinião pública. Haveria, por fim, enorme confusão de interesses
dos deputados, senadores, vereadores ou prefeitos cujos mandatos fossem
alterados no período de transição — e o novo quadro eleitoral deixaria
desnorteado o eleitor já acostumado a votar a cada dois anos.
O político e pensador irlandês Edmund Burke,
em sua crítica à Revolução Francesa no século XVIII, ponderou que mudanças
radicais demais, mesmo quando bem-intencionadas, têm efeitos indesejáveis. “São
as circunstâncias que tornam qualquer esquema político ou civil benéfico ou
nocivo”, escreveu. É verdade que a reeleição pode trazer incentivos danosos.
Mas ela não é a causa da degradação da democracia brasileira. Serve para o
eleitor manter quem julgar bom governante — e tirar do cargo os ineptos.
Passou da hora de cobrar eficiência maior das
universidades federais
O Globo
Ampliar orçamento é necessário dada a
emergência, mas insuficiente para garantir futuro de ensino e pesquisa
É comum deparar, nas universidades federais,
com prédios decrépitos, goteiras nas salas, cadeiras quebradas nos auditórios
ou cozinhas em más condições sanitárias. Diante de quadro tão desolador, é
compreensível a grita por mais verbas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
pretende recompor o orçamento das federais em mais de R$ 340 milhões, valor
superior ao pleiteado por representantes da comunidade acadêmica.
Por mais que isso seja necessário, seria um
erro apenas despejar dinheiro sem exigir nada em troca. Passou da hora de impor
cobrança por eficiência e qualidade na produção acadêmica. A UFRJ, federal mais
bem colocada no ranking do QS World University, ocupa a 304ª posição (a melhor
brasileira é a USP, no 92º lugar). A segunda federal na lista global, a UFMG,
aparece entre os lugares 671 e 680. Nem no recorte regional da América Latina a
UFRJ é destaque.
É verdade que federais são responsáveis por
boa parte da pesquisa realizada no Brasil. Com infraestrutura precária, alguns
poucos abnegados garantem o tímido avanço da ciência no país. Também se costuma
argumentar que a expansão das federais contribuiu para o salto na proporção de
brasileiros com nível superior — de 6,8% para 18,4% desde o ano 2000. Mesmo
assim, tal patamar é baixo quando comparado a Chile (25%), Portugal (31%) ou
Coreia do Sul (52%).
O problema é achar que basta as federais
terem mais dinheiro para o ensino superior deslanchar. Várias universidades
foram criadas Brasil afora, com estrutura burocrática e administrativa
incompatível com a qualidade do ensino ou da pesquisa. São evidentes as
deficiências na gestão.
Na UFRJ e na Unifesp, cerca de 80% do
orçamento é gasto com a folha de pagamento. Na Universidade de Oxford, entre as
melhores do mundo, ou na Universidade da Cidade do Cabo, instituição
sul-africana que tem ganhado posições nos rankings internacionais, o percentual
fica próximo de 50%. O custo por aluno de uma federal, como proporção do PIB
per capita, é comparável ao de países como França, Austrália ou Coreia do Sul.
Na comparação, a improdutividade brasileira fica patente.
Sem um corpo docente e de funcionários
comprometido, não se irá a lugar algum. É evidentemente preciso proteger a
liberdade de cátedra dos acadêmicos, mas isso não pode significar eximi-los de
ganhos de produtividade ou melhoria de desempenho. Um sistema de avaliação para
aperfeiçoar a alocação dos recursos é fundamental, embora provoque repulsa nas
lideranças sindicais dominadas por militantes.
Noutra frente, as federais deveriam estreitar
laços com o setor privado para prestar serviços e cobrar mensalidades de quem
puder pagar. Trata-se de justiça. O mesmo vale para a imposição de regras que
elevem a produtividade de docentes e funcionários.
Previsões para o PIB podem estar subestimadas
de novo
Valor Econômico
Gastando dinheiro que o governo não tem, o
Planalto está vencendo o BC com sua intenção de não deixar a economia esfriar,
em uma investida que deve se intensificar quanto mais se aproxima o calendário
eleitoral
A economia brasileira parecia que iria
desacelerar no último trimestre de 2024 (PIB de 0,2%), mas foi, mais uma vez,
alarme falso. O Banco Central (BC), desde dezembro, decidiu aumentar a carga de
juros e não se convenceu de que os dados identificassem tendência inequívoca de
retração. Na mais recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), com
a taxa Selic 3,5 pontos percentuais acima de novembro, a 14,75%, o BC só viu
sinais “incipientes” de uma desaceleração que ocorrerá apenas no segundo semestre
e que pode não ser intensa.
Consultorias e economistas elevaram suas
projeções para o PIB, que, pelo boletim Focus de ontem, terá alta de 2,14%,
ante 2% projetados há quatro semanas. O IBC-Br, um sinalizador do PIB, avançou
1,3% no primeiro trimestre e foi mais vigoroso que o esperado.
Analistas ouvidos pelo Valor apontam
que os estímulos fiscais e parafiscais e a expansão de crédito continuam a
impulsionar a economia. A maior parte de relatórios de grandes bancos nacionais
e estrangeiros reviu para cima suas projeções, uma delas corroborando os 2,4%
da previsão mais recente da Secretaria de Política Econômica. O Planalto está
vencendo o Banco Central com sua intenção de não deixar a economia esfriar, em
uma investida que deve se intensificar quanto mais se aproxima o calendário
eleitoral.
O BC insinuou em atas recentes que o canal do
crédito pode estar obstruído, o que retiraria a potência da dose drástica de
juros já aplicada. Economistas não só veem que o crédito está avançando a uma
velocidade que seria incompatível com juros reais próximos de 10% como
acreditam que o hiato do produto calculado pelo BC - a diferença para mais ou
para menos que a economia está em relação a seu potencial de expansão - é
inferior ao real. A autoridade monetária estima que ele foi de 0,5% no primeiro
trimestre do ano e que declinará a -0,8% em setembro de 2026. Para a ARX
Investimentos, o hiato é quase o triplo disso, de 1,49%, e pelos cálculos do
economista-chefe Gabriel Leal de Barros, não se tornará negativo nem no
terceiro trimestre de 2026. Os economistas da Terra Investimentos, em
relatório, estimam que o hiato é ainda maior, de 3,65% no primeiro trimestre, e
fechará o ano em 2%.
Isso significa que a economia continuará
crescendo acima de seu potencial por um bom tempo. O vigor demonstrado até
agora começa a sustentar previsões de que, na verdade, ela sequer desacelere
muito no ano e possa crescer perto de 3%. Daniel Lavarda, chefe de pesquisa
econômica para o Brasil do HSBC, acha que atingir esse número é algo dentro das
possibilidades. Se o PIB do primeiro trimestre crescer 1,8%, como estima também
Cláudio Adilson Gonçalves, da MCM Consultoria, a herança estatística para o resto
do ano será de 2,6%, isto é, esse é o resultado se a economia nada crescer nos
trimestres seguintes. Na conjectura de Lavarda, expansão de 0,2% nesse período
seria suficiente para o PIB chegar a 3%. O HSBC prevê expansão de 2,1%.
O estado das atividades visto pelo lado do
IBC-Br, calculado pelo BC, mostra um ritmo mais potente de crescimento que o
previsto. Com a supersafra, o setor agrícola puxará o PIB do primeiro
trimestre. O economista Vitor Vidal, da consultoria VVC, eliminou a
agropecuária, setor volátil que apresentará seu melhor resultado agora, e
constatou que sem ela o IBC-Br evoluiu 1% no primeiro trimestre, o que carrega
consigo um impulso para o resto do ano de 2,2%. A hipótese de expansão de 3%
não é descartável.
Há vários fatores contribuindo para frustrar
os efeitos dos juros altos. Barros, da ARX, estima que medidas fiscais,
parafiscais e creditícias somam 2% do PIB este ano - R$ 238 bilhões - e serão
ainda maiores, de 2,9% do PIB, ou R$ 376 bilhões, em 2026, ano eleitoral em que
deverá entrar em vigor a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5
mil. Em uma lista não exaustiva, e que continuará a crescer, Barros cita a
aceleração dos desembolsos do BNDES, que espera voltar a emprestar 2% do PIB
até o fim do governo Lula, o programa de pagamento de dívida dos Estados
(Propag), o uso de recursos acumulados em caixa pelos entes federativos e o uso
de fundos públicos para execução de gastos “por fora” do Orçamento. O Gás para
Todos e a isenção de pagamento de luz até 80 MW colocarão mais dinheiro
disponível nas mãos dos inscritos no Bolsa Família. No crédito, entram o novo
consignado para o setor privado e a isenção do IR para até R$ 5 mil. São
promessas do presidente Lula linhas de crédito para reforma de moradias e
usuários de aplicativos.
O Brasil está acostumado a surtos de
crescimento que nada deixam de resultado fora rastros inflacionários e
recessão. Esta foi a herança deixada pela segunda gestão de Lula, que culminou
com avanço do PIB de 7,5%, para sua sucessora, Dilma Rousseff, que, com mais
gastos públicos, fez a inflação subir a dois dígitos e a economia entrar em uma
das mais profundas recessões do período republicano. Hoje, com um BC
independente, o risco de disparada inflacionária é menor, mas empresas e
consumidores pagam um preço alto, sob juros exorbitantes que não conseguem
levar a inflação para a meta porque o presidente Lula, em modo eleitoral, não
aceita parar de gastar o dinheiro que o governo não tem, para crescer a
qualquer custo.
Imprevidência acelera crise no INSS
Folha de S. Paulo
Fila de espera por benefícios quase dobra em
um ano; desvincular piso previdenciário do salário mínimo conteria déficit
Os aposentados estão entre as principais
bases eleitorais de Luiz Inácio Lula da Silva
(PT). Mesmo com a
queda da popularidade do mandatário, é nesse estrato que ele consegue a maior
taxa de aprovação a seu trabalho, de 59%, ante 48% na população e apenas 39%
entre os assalariados formais, segundo apurou o Datafolha em abril.
É intuitivo associar essa fidelidade a
medidas adotadas por Lula em seus três mandatos, em especial a política de
valorização do salário
mínimo e, portanto, dos benefícios previdenciários. Nem sempre são
evidentes, porém, os impactos de tal escolha nas contas do Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS),
que recairão sobre toda a sociedade.
Como estratégia de combate à pobreza, a
política tem hoje eficiência questionável, uma vez que o mínimo já passou por
expressivo aumento no passado e os segurados do INSS não figuram entre os
grupos mais vulneráveis da população —e estes são mais bem atendidos pelo Bolsa Família,
que teve seus montantes multiplicados nos últimos anos.
Já os custos são elevados. A Instituição
Fiscal Independente (IFI, vinculada ao Senado) estima gastos adicionais entre
R$ 835 bilhões e R$ 1,4 trilhão ao longo de dez anos com os reajustes do piso
salarial acima da inflação, a depender das taxas adotadas e considerando também
benefícios assistenciais e trabalhistas.
A Previdência
Social já se encontra sob pressão
da transformação demográfica do país, e o Censo 2022 mostrou
que o envelhecimento dos
brasileiros se dá mais rapidamente do que o imaginado antes. Os pagamentos do
INSS, que chegaram a cair para 7,9% do Produto Interno Bruto após a reforma de
2019, somaram 8% no ano passado. Mas esse número já parece subestimado.
Descobriu-se nos últimos dias que a fila de
espera no instituto quase dobrou em um ano, saltando de 1,4 milhão de pedidos
de benefícios represados em abril do ano passado para
2,678 milhões em abril deste 2025. O patamar atual não tem precedentes
em estatísticas apuradas desde 2018. A demanda acumulada é um indicativo de
mais gastos à frente.
O governo acaba de elevar em R$ 16,7 bilhões
a projeção de desembolsos com benefícios previdenciários neste ano, para R$
1,032 trilhão (8,1% do PIB). A maior
despesa federal segue em nível exorbitante e deve ter alta nas próximas décadas
—chegando aos 10% do PIB por volta de 2050, nas projeções oficiais.
Sem ajustes nem reformas, o déficit explodirá
com mais aposentados e menos trabalhadores ativos contribuindo. Uma medida
lógica seria desvincular
o piso da Previdência do salário mínimo, mas Lula prefere acelerar o
desequilíbrio do sistema.
O governo enfrenta o desafio imediato de
responder ao escândalo dos descontos fraudulentos em benefícios, que ameaça o
prestígio de Lula na clientela do INSS. Haverá notícias ainda piores a dar aos
aposentados e pensionistas nos próximos anos.
Ancelotti assume seleção brasileira em meio a
caos da CBF
Folha de S. Paulo
Técnico acerta ao dizer que tem grande
trabalho pela frente; maior problema está na entidade máxima do futebol
nacional
Um dia depois de desembarcar no Brasil, Carlo
Ancelotti anunciou sua primeira convocação para a seleção brasileira e
demonstrou diplomacia protocolar ao participar de uma entrevista coletiva.
"As primeiras impressões são muito
bonitas. É uma honra, um grande orgulho comandar
a seleção que é a melhor do mundo", declarou o treinador italiano.
Pode-se pôr na conta da boa etiqueta o
exagero retórico de Ancelotti, mas ele não ficou longe da verdade. Por mais que
o Brasil não tenha passado do quarto lugar nas edições mais recentes da Copa do Mundo,
ainda se trata da equipe mais vencedora da competição, com cinco taças.
Em outros torneios, a seleção canarinho
sempre desponta como favorita, a despeito de o maior evento futebolístico do
país —o Campeonato Brasileiro—
deixar a desejar na comparação com as principais ligas da Europa.
Mesmo assim, consideradas a disparidade de
força entre as moedas e a diferença de qualidade de vida entre os países, é
preciso reconhecer que o Campeonato Brasileiro atingiu patamar elevado como
produto esportivo.
Em contraste, a Confederação Brasileira
de Futebol (CBF), responsável
pela seleção e pela disputa nacional, jamais subiu o primeiro degrau na escala
das boas práticas corporativas. Entidade privada criada em 1979,
tornou-se sinônimo
de escândalos de corrupção há muitas décadas.
Ricardo Teixeira, seu presidente mais
longevo, saiu do posto em 2012 e deixou um rastro de atividades escusas. José
Maria Marin, seu sucessor, finalizou o mandato em 2015, mas não sem se envolver
no caso chamado Fifagate e terminar banido do futebol. Desde então, nenhum
cartola completou o exercício à frente da CBF.
A deposição mais recente se
deu por meio de ordem judicial e atingiu Ednaldo
Rodrigues —que, em um de seus atos derradeiros, contratou Ancelotti.
Apesar de ter sido reeleito por unanimidade e
de ter recebido um auxílio do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal
Federal, não resistiu à pletora de acusações que se acumularam.
Para seu lugar foi eleito, neste domingo
(25), o desconhecido Samir Xaud,
médico há pouco escolhido para comandar a Federação Roraimense de Futebol —uma
herança de seu pai, dirigente da entidade por mais de 40 anos.
É difícil que Ancelotti esteja a par de todo
esse enredo, surreal até para padrões brasileiros. De modo que talvez não tenha
percebido quão verdadeiras foram suas outras palavras: "Eu tenho um grande
trabalho para fazer com que o Brasil volte a ser campeão".
Quem deve teme
O Estado de S. Paulo
Promessa de ‘governo transparente’ virou
fumaça. Governo Lula multiplica sigilos, oculta gastos e restringe acesso a
documentos públicos, expondo o engodo da ‘frente ampla democrática’
Durante a campanha eleitoral, Lula da Silva
agitou a bandeira da transparência como um dos ativos morais de sua
candidatura. Em mais de uma ocasião, fustigou o governo anterior por ocultar
informações do cidadão: “Se é bom, não precisa esconder”, disse o petista a
Jair Bolsonaro durante um debate. Já instalado no Palácio do Planalto, em maio
de 2023, Lula afirmou que a Lei de Acesso à Informação (LAI) havia sido
“estuprada” e prometeu recuperá-la: “O povo brasileiro vai ver essa criança se
transformar em adulto”.
Dois anos depois, essa criança continua sendo
violentada – agora, por aqueles que juraram protegê-la.
Há mais de um ano o governo bloqueia o acesso
a cerca de 16 milhões de documentos que, por 17 anos, estiveram abertos ao
escrutínio do cidadão: notas fiscais, termos de parceria, relatórios de
execução, planos de trabalho – arquivos que revelam como se gastou mais de R$
600 bilhões do contribuinte em transferências da União para Estados, municípios
e ONGs, incluindo emendas parlamentares.
Para justificar o apagão na plataforma
Transferegov.br, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos
alegou que haveria risco de violação da Lei Geral de Proteção de Dados
Pessoais, haja vista que os documentos conteriam informações “sensíveis”. A
argumentação, além de tecnicamente frágil, é juridicamente insustentável: além
de existirem soluções técnicas de anonimização, a própria Advocacia-Geral da
União afirmou, em parecer oficial, que nada impedia a manutenção da publicidade
dos dados. A decisão de opacidade não foi um imperativo legal, mas uma escolha
política. O recuo anunciado pelo governo só faz confirmá-la. Mas a promessa de
reativar o acesso aos arquivos não apaga o fato central: o sigilo só foi
revertido por constrangimento público, e não por convicção republicana. O dano
à confiança pública está feito, e o episódio retrata um governo que subverte, à
sua conveniência, o princípio da publicidade.
O medo da luz é sistemático. O governo
aumentou os gastos sigilosos no cartão corporativo e manteve o segredo de cem
anos sobre as despesas, como fez Bolsonaro. O Planalto se recusa a divulgar
dados sobre viagens presidenciais, visitas à primeira-dama, relatórios sobre
emendas parlamentares e até registros de entrada e saída em edifícios públicos.
Ademais, ministros de Estado frequentemente descumprem prazo legal para
divulgar suas agendas. Em vários desses casos, recorreu ao artigo 24 da LAI,
que trata da segurança do presidente, ou ao artigo 31, sobre dados pessoais –
mas em interpretações abusivas, calculadas para esconder o que deve estar
exposto.
Um exemplo particularmente ilustrativo veio
do Ministério da Justiça. Sob a gestão de Ricardo Lewandowski, a pasta negou
três pedidos do Estadão via LAI aos estudos, pareceres e memorandos
que embasaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública. A
justificativa é de que os documentos ainda são “preparatórios” e que o sigilo
deve permanecer até a promulgação da PEC. Trata-se de um sofisma: o ato
administrativo do Executivo se concluiu com o envio da proposta ao Legislativo,
e, portanto, a publicidade já se impõe, por força da própria LAI.
A insistência em manter o sigilo é reveladora
da má-fé institucional que anima este governo. Transformou-se em regra o que
deveria ser exceção em um processo de poluição dos arquivos públicos engendrado
por subterfúgios técnicos, mas motivado por razões políticas. É exatamente a
atitude que Lula jurava combater. A diferença está no discurso, e não na
prática.
Segundo levantamento da Controladoria-Geral
da União, nos dois primeiros anos de Lula, 7,9% dos pedidos via LAI foram
negados. Sob Bolsonaro, no mesmo período, foram 7,7%. A média de recusa por
“dados pessoais” se manteve alta, revelando que, se o Executivo mudou de cor,
não mudou de conduta. Em alguns aspectos, até retrocedeu.
Lula se elegeu prometendo liderar uma “frente
ampla” contra o obscurantismo e a opacidade. Prometeu restaurar a verdade,
abrir arquivos, democratizar a informação. Entregou o oposto, perpetuando o
sigilo e instrumentalizando a legislação para ocultar dados.
Prometer luz e entregar sombras é mais que
contradição ou hipocrisia – é estelionato eleitoral.
Aposta contra o Estado de Direito
O Estado de S. Paulo
Ao ‘prepararem’ o município de Olímpia (SP)
para uma eventual liberação da jogatina no País, prefeitura e vereança da
cidade prestam mais um favor à ruína de milhares de brasileiros
Para todos os efeitos, os jogos de azar ainda
são ilegais no Brasil. Mas isso é um detalhe em Olímpia, cidade do interior de
São Paulo conhecida como a “Orlando brasileira” por abrigar parques aquáticos,
entre outras atrações turísticas. A Câmara Municipal aprovou e o prefeito
Geninho Zuliani (União) sancionou um inacreditável – e inconstitucional –
projeto de lei que permite a abertura de cassinos nos resorts da região, além
de legalizar a operação de apostas em roleta, cartas, jogos eletrônicos e similares.
Para Zuliani, a regulamentação dos jogos de
azar é mera questão de tempo, razão pela qual Olímpia precisa “se antecipar” e
estar preparada para “receber cassinos” e “investimentos bilionários” quando a
legislação federal for aprovada. Quando deputado federal, em fevereiro de 2022,
Zuliani votou a favor do projeto que libera os jogos de azar no Brasil,
aprovado pela Câmara dos Deputados na ocasião.
O texto já passou pelo crivo da Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e depende apenas do presidente da Casa,
Davi Alcolumbre (União-AP), para que seja pautado em plenário. O ministro do
Turismo, Celso Sabino, já manifestou apoio à proposta, e o presidente Lula da
Silva, embora se diga pessoalmente contrário ao projeto, sinalizou que não o
vetaria caso houvesse acordo entre os partidos.
De fato, exceto pela bancada evangélica, que
se opõe à legalização dos jogos de azar por questões morais, a maioria das
autoridades públicas trata o tema com indiferença ou irresponsabilidade, sem
falar dos interesses inconfessáveis que possam mover os parlamentares
favoráveis à liberação da jogatina. Ignoram, a despeito das evidências, os
imensos danos que a ludopatia impõe às famílias e à sociedade, agora agravados
pela regulamentação das apostas online, conhecidas como bets, sancionada em
dezembro de 2023 sob o pretexto de aumentar a arrecadação.
Enquanto as bets prosperam no País, pululam
histórias sobre tragédias pessoais. A Confederação Nacional do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo (CNC) apurou perdas de R$ 103 bilhões no varejo e
relatou que 1,8 milhão de pessoas ficaram inadimplentes ao comprometer a renda
com apostas online no ano passado. O Estadão, que apoia a proibição desde
sua origem, publicou ontem mais evidências sobre o impacto do vício na vida dos
trabalhadores.
Pesquisa realizada pela Creditas Benefícios,
em parceria com Wellz by Wellhub e Opinion Box, consultou 405 gestores e
profissionais de recursos humanos e ouviu de 54% deles que seus subordinados
aproveitam o horário de descanso para apostar. Segundo a reportagem, entre os
impactos da ludopatia mencionados pelos gestores estão o comprometimento da
saúde mental e física dos trabalhadores, queda da produtividade, aumento da
rotatividade e piora na reputação da empresa.
Embora seja um problema difícil de
identificar e tratar no ambiente de trabalho, especialistas apontam que as
empresas precisam desenvolver ferramentas de prevenção, que incluem desde apoio
psicológico a ações na área de educação financeira. Mas a maior responsabilidade
cabe ao governo, por meio do estabelecimento de políticas de saúde pública para
tratar os ludopatas e prevenir o vício.
Nada indica que estejamos nesse caminho. É
como se o problema da ludopatia não existisse ou que não houvesse nada a fazer
a não ser aceitar a onipresença das apostas online na vida dos brasileiros,
como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.
No Congresso, projetos de lei que proíbem ou
limitam a publicidade das apostas online tramitam a passos de tartaruga em
comissões do Senado. Já a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets se
converteu em um circo no qual subcelebridades fazem chacota dos parlamentares.
E a própria relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), expressou
o temor de que o colegiado sirva como cortina de fumaça para os crimes
associados aos jogos de azar, como estelionato e lavagem de dinheiro, por
exemplo.
Ao aprovarem uma lei “inconstitucional da
primeira à última linha”, como advertiu o advogado Fabiano Jantalia,
especialista em Direito de Jogos, o prefeito e a vereança de Olímpia prestam
mais um favor à ruína de milhares de brasileiros.
Ataque à razão
O Estado de S. Paulo
Trump ameaça a alma universal de Harvard em
nome de seu populismo xenófobo
Depois de tentar, sem sucesso, dobrar a
Universidade Harvard a seus desmandos pela via da constrição financeira, o
presidente dos EUA, Donald Trump, retomou a ofensiva contra a prestigiosa
instituição atacando sua alma: a abertura de Harvard para as melhores cabeças
do mundo. No dia 22 passado, Trump revogou o certificado que permitia a
matrícula de alunos estrangeiros naquela universidade.
A prevalecer a sanha persecutória de Trump,
ora interrompida por decisão de uma juíza federal, Harvard não apenas ficará
impedida de matricular cidadãos estrangeiros, como aqueles que já estão
matriculados em seus cursos terão de ser transferidos para outras
universidades, sob pena de se tornarem ilegais nos EUA.
De acordo com o site ShunStudents, no último
ano letivo quase 6,8 mil estudantes de Harvard eram estrangeiros, o que
representa cerca de 30% dos alunos da universidade. Mais de 300 brasileiros,
entre alunos e pesquisadores, encontram-se atualmente em Harvard. Todos em
sobressalto pelo clima de incerteza instalado pelo governo federal.
Ao Estadão, o brasileiro Eduardo
Vasconcelos, estudante de Economia e Governo na universidade norte-americana,
afirmou que a medida de Trump é a destruição de um sonho e que, de um dia para
o outro, tornou-se um “despejo” nos EUA. Com medo, outros alunos estrangeiros
preferiram não se manifestar.
Não é de hoje que Trump ataca universidades,
acusando-as, generalizadamente, de serem bastiões do antissemitismo ou de serem
laboratórios de infiltração dos interesses chineses. Ainda que isso fosse
verdade, fechar as portas aos estrangeiros é mais que uma medida estúpida, é um
presente para autocracias como a China e a Rússia, decerto dispostas a atrair
os excelentes alunos de Harvard para suas universidades.
Nações europeias, como a França, também
lançaram programas para tentar abraçar os pesquisadores estrangeiros baseados
nos EUA que Trump quer repelir, tratando-os como descartáveis.
O republicano tentou sufocar as universidades
financeiramente, Harvard em particular. Em abril, o Departamento de Educação
congelou bilhões de dólares em financiamento para centros universitários de
excelência que, segundo a Casa Branca, violam diretos civis. Algumas
universidades cederam à pressão, mas Harvard, que dispõe de um endowment (fundo
patrimonial) de mais de US$ 50 bilhões, não renunciou à sua independência
acadêmica.
Agora, Trump volta à carga ameaçando os
alunos estrangeiros de Harvard, os que criam soluções e inovações para os EUA e
o mundo. A universidade classificou a medida de Trump de “inconstitucional” e
acionou a Justiça, obtendo a suspensão temporária do banimento de estudantes de
outros países.
Ao tentar transformar centros de excelência como Harvard em instrumentos de sua política xenófoba e anti-intelectual, a um só tempo, Trump fere valores fundamentais da democracia norte-americana e compromete o papel de liderança global que os EUA historicamente exerceram nas áreas de educação e ciência. Que a sociedade e as instituições dos EUA sejam firmes para conter mais esse ataque à razão.
INSS precisa voltar aos trilhos
Correio Braziliense
O INSS deu início à devolução de descontos
indevidos na conta de beneficiários. Ainda é preciso resgatar condutas e
princípios que deveriam reger o seu funcionamento ou convencer a população de
que eles seguem respeitados
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
deu início à devolução de descontos indevidos na conta de beneficiários um mês
depois de a Polícia Federal (PF) ter trazido à tona o esquema que corroeu
sorrateiramente a conta de aposentados e pensionistas durante ao menos cinco
anos. Há críticas quanto à demora no depósito e ponderações pelo fato de o
montante ser referente a um valor que não chegou a ser repassado às
entidades associativas. Mas esse é o menor dos problemas da autarquia. Ainda é
preciso resgatar condutas e princípios que deveriam reger o seu funcionamento —
a exemplo, a igualdade, a legalidade e a transparência — ou convencer a
população de que eles seguem respeitados.
Em 10 dias, o sistema criado pelo governo
para identificar as vítimas da fraude bilionária recebeu 2 milhões de
consultas, sendo a esmagadora maioria, 98%, de beneficiários que alegam não ter
autorizado os descontos. A forma para o recebimento das queixas, porém, não
condiz com o conceito fundamental que garante o direito ao acesso ao sistema
sem qualquer tipo de restrição. Idosos de áreas rurais, analfabetos, indivíduos
com dificuldades digitais e vítimas de violência patrimonial são exemplos de
beneficiários que podem ser novamente penalizados pela incapacidade do INSS de
evitar a corrupção e a improbidade administrativa, também uma obrigação legal.
Há de se ressaltar, ainda, que o suporte limitado tem favorecido a ação de
outras quadrilhas interessadas em tirar proveito dos mais vulneráveis.
Soma-se ao acesso desigual a sensação de que
dificilmente os responsáveis pela fraude serão punidos, restando ao governo
recorrer aos cofres públicos para fazer o ressarcimento. O ministro da Fazenda,
em entrevista ao jornal O Globo, estimou que o valor a ser devolvido a
aposentados e pensionistas não deve ultrapassar R$ 2 bilhões, bem abaixo dos R$
6 bilhões estimados quando a Operação Sem Desconto foi deflagrada. Há bens de
entidades envolvidas no esquema bloqueados. Porém, o próprio presidente do instituto,
Gilberto Waller Júnior, não descarta acionar o Tesouro para cobrir o
rombo.
Waller Júnior também fala em
"afrouxamento" na fiscalização dos descontos na gestão Bolsonaro. Sob
essa lógica, a farra seguiu e se avolumou nos dois primeiros anos do governo
petista — somando uma longa temporada em que moralidade e eficiência
ficaram entregues às traças. Desde a sua criação, nos anos de 1990, o instituto
acumula episódios de fraudes e má gestão com participação de agentes públicos.
O próprio antecessor de Waller Júnior, Alessandro Stefanutto, assumiu o cargo,
em julho de 2023, em decorrência de suspeitas de gastos excessivos com
passagens e diárias pelo então presidente interino, Glauco Wamburg, para uso
particular.
Como se não bastasse, o país enfrenta um
momento de número recorde de cidadãos à espera da concessão de benefícios
previdenciários e assistenciais do INSS. A fila tinha 2.678.584 em abril — 31%
a mais que a de dezembro de 2024. Zerá-la foi uma das promessas de Carlos Lupi
quando assumiu o Ministério da Previdência, no primeiro grupo de nomeados por
Lula. Um ano depois, Lupi mudou de planos e garantiu que o tempo de espera até
o fim de 2024 seria reduzido a 30 dias. No início deste mês, pediu demissão do
ministério sem bater a meta. E o pior: deixou uma autarquia tão estratégica
para a garantia e o respeito da dignidade humana combalida. É preciso que o
INSS volte aos trilhos.
O TCE e a qualidade das obras públicas
O Povo (CE)
O relatório técnico elaborado pelo Tribunal
de Contas do Estado (TCE) acerca da situação das obras rodoviárias no Ceará
atualmente em execução precisa ser analisado com a importância que apresenta. É
um documento útil aos governantes do Ceará pelo ponto em que demonstra a
necessidade de olharmos com atenção maior para a qualidade dos gastos
realizados com recursos públicos, observando que a eficiência das escolhas nem
sempre é atestável apenas pelos números.
A Secretaria de Controle Externo (Secex) do
TCE fez um levantamento que considerou as 71 obras rodoviárias entregues à
população entre os anos de 2020 e 2024, coisa recente, portanto, a partir de
uma amostra detalhada sobre nove delas. Uma análise que transcende gestões e
que merece uma reflexão acerca da preocupação que devemos ter com a qualidade
do que é entregue à sociedade fazendo uso mais adequado de recursos que saem
dos cofres públicos.
Material assinado pela repórter Lara Vieira,
que foi manchete da edição impressa de ontem do O POVO, faz uma análise do
quadro e apresenta uma conclusão que preocupa diante da incerteza que gera
quanto à boa aplicação dos recursos. É necessário entender e explicar os
problemas encontrados pela equipe do TCE, destacando-se as prorrogações dos
prazos de entrega acima de um grau tolerável e os descontos considerados
excessivos, de até 40% em relação ao orçamento inicial previsto. Tudo isso tem
impacto inevitável sobre o preço da obra e, em geral, sua qualidade.
A equipe do Tribunal analisou 30% do que foi
realizado no período sob estudo, em termos de obras rodoviárias, somando R$
331,2 milhões em investimentos e 236,76 km de estradas construídas ou
reconstruídas no Ceará. Portanto, um recorte expressivo e que, certamente,
reproduz com fidelidade o cenário daquele momento.
O registro de que 40% dessas obras
rodoviárias já apresentam algum tipo de defeito, mesmo com o pouco tempo de uso
desde a entrega, expõe os efeitos danosos das distorções observadas desde a
fase inicial. O trabalho do TCE permite aos responsáveis buscar um caminho
novo, que depure as causas do problema e encontre alternativas que protejam
melhor o interesse público. Algo que não parece dado nestas situações apuradas.
É ainda importante destacar na iniciativa o fato de o próprio governo estar envolvido no esforço de identificar os porquês, através da Superintendência de Obras Públicas do Ceará (SOP). Espera-se agora, relatório nas mãos, que se faça as adequações necessárias para termos obras mais sustentáveis e capazes de melhorar as condições de tráfego nas rodovias estaduais cearenses.
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