Valor Econômico
Dados mostram pouca concordância entre o que
o governo considera urgente e a visão do Congresso
Das 150 medidas provisórias (MPs) que editou
no atual mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viu pelo menos 92
perderem a validade. É uma taxa de mortalidade de 61%.
Para comparar sem polarizar muito, no governo
de Michel Temer foram editadas 125 MPs, das quais 49 caducaram. Um índice de
perda de 39%.
Os dados são de um levantamento feito pela
coluna no excelente portal de Legislação do Palácio do Planalto.
MPs são editadas quando o Executivo quer
tomar uma providência urgente e relevante, estabelece a Constituição. Têm
vigência imediata por 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Nesse período, é
esperado que Câmara e Senado a apreciem. Do contrário, a MP tem a vigência
encerrada, como aconteceu com as 92.
Os dados mostram pouca concordância entre o que o governo considera urgente e a visão do Congresso.
É também um reflexo do difícil relacionamento
entre Executivo e Legislativo, que atingiu um ponto crítico na última
segunda-feira, com a decisão de votar com urgência o projeto que derruba o
decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A pressão
continuou ontem, com a derrubada de uma série de vetos de Lula e com um passo
em direção à instalação de uma CPI Mista para investigar as fraudes no INSS.
Entre as MPs que “morreram”, está a 1.288,
que trata do Pix. Editada num momento de desespero do governo, acusado de
querer taxar as transações por esse meio de pagamento, ela serviu basicamente
para desmentir a fake news. “Não incide tributo, seja imposto, taxa ou
contribuição, no uso do Pix”, dizia a MP em seu artigo 3º. Também eram
explicitadas garantias de privacidade nas operações e nos dados pessoais.
Como combatia um fantasma, a MP caducou e
nada aconteceu. Ainda assim, o líder do governo na Câmara, José Guimarães
(PT-CE) apresentou um projeto de lei com igual conteúdo. No texto de
justificação, ele diz que a proposta decorre da MP 1.288. “Contudo, opta-se
aqui por dar à proposta uma tramitação legislativa originária de iniciativa
parlamentar, prerrogativa constitucional que valoriza o papel do Parlamento no
ordenamento institucional.”
A troca de MP por projeto de lei, que não tem
prazo para análise, foi a forma encontrada pelo governo para dar sobrevida às
suas propostas, diante das dificuldades em avançar com elas no Legislativo na
forma de MP.
Um exemplo é o adicional da Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) que passou a ser cobrado das
multinacionais, como um primeiro passo para o imposto mínimo global. Tratada na
MP 1.262, a matéria foi transferida para um projeto de lei, que foi aprovado,
explicou a tributarista Ana Lúcia Marra. Como tudo aconteceu em 2024 e as
regras começaram a valer neste ano, a falta de aprovação da MP não trouxe
nenhuma consequência prática, disse.
A apresentação de projetos de lei para
substituir MPs à beira do fim do prazo de validade foi usada com frequência no
período em que Arthur Lira (PP-AL) esteve no comando da Câmara e deixou muitas
proposições paradas. A expectativa no Executivo é que na atual gestão a
tramitação melhore.
Na semana passada, em meio à escalada de
pressões entre a Câmara dos Deputados e o Ministério da Fazenda, falava-se
entre congressistas sobre a hipótese de deixar caducar a MP 1.303, que eleva a
arrecadação para compensar o recuo parcial do governo na alta do IOF.
A MP acaba com a isenção do Imposto de Renda
em títulos que financiam a agricultura, a construção e a infraestrutura, além
de elevar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre as fintechs.
Também há aumento na taxação sobre bets. Por seu conjunto, a proposição foi
apelidada pelos setores afetados de “MP Taxa-Tudo”.
No governo, há quem avalie que o prazo de
vigência dessa MP é longo e, até lá, haverá tempo para negociações e
esclarecimentos. A expectativa é retomar o diálogo com o Congresso Nacional.
Recapitulando a novela: o governo editou um
decreto elevando o IOF. O Congresso reagiu, por isso foi realizada uma reunião
“histórica” entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, os presidentes da
Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP),
e líderes partidários, na noite do último dia 8. Nela, ficou acertado que o
governo recuaria no aumento do IOF, mas editaria a MP 1.303, com outras formas
de aumento de receita. E que seriam discutidas medidas para reduzir despesas.
Essa última perna não avançou. De lá para cá,
setores afetados pela MP fizeram forte pressão contra a ela no Congresso,
deputados e senadores se rebelaram pela demora do governo em liberar recursos
de emendas ao Orçamento, Motta apresentou um projeto que pode aumenta despesas
salariais do Legislativo. Ontem, passou uma resolução que manterá sem
transparência a execução de emendas.
Após o feriadão e os festejos juninos, será
possível ver o que restou debaixo da fogueira da crise do IOF. Será um grande
avanço se o debate sobre redução de despesas puder ser retomado. Porém, o vento
parece soprar na direção oposta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário