quarta-feira, 18 de junho de 2025

Opinião do dia – Antonio Gramsci* (Sobre o conceito de previsão ou perspectiva.)

“É certo que prever significa apenas ver bem o presente e o passado como movimento: ver bem, isto é, identificar com exatidão os elementos fundamentais e permanentes do processo. Mas é absurdo pensar numa previsão puramente "objetiva". Quem prevê, na realidade, tem um "programa" que quer ver triunfar, e a previsão é exatamente um elemento de tal triunfo. Isto não significa que a previsão deva ser sempre arbitrária e gratuita ou puramente tendenciosa. Ao contrário, pode-se dizer que só na medida em que o aspecto objetivo da previsão está ligado a um programa é que esse aspecto adquire objetividade: 1) porque só a paixão aguça o intelecto e colabora para tornar mais clara a intuição; 2) porque, sendo a realidade o resultado de uma aplicação da vontade humana à sociedade das coisas (do maquinista à máquina), prescindir de todo elemento voluntário ou calcular apenas a intervenção das vontades dos outros como elemento objetivo do jogo geral mutila a própria realidade. Só quem quer fortemente identifica os elementos necessários à realização de sua vontade. Por isso, é um erro grosseiro de presunção e superficialidade considerar que uma determinada concepção do mundo e da vida tenha em si mesma uma superioridade em termos de capacidade de previsão. É claro que uma concepção do mundo está implícita em toda previsão; portanto, o fato de que ela seja um amontoado de atos arbitrários do pensamento ou uma visão rigorosa e coerente não é destituído de importância, mas ela só adquire essa importância no cérebro vivo de quem faz a previ são e a vivifica com sua vontade forte. Isto pode ser percebido através das previsões feitas pelos chamados "desapaixonados": elas estão plenas de inutilidades, de minúcias sutis, de elegâncias conjeturais. Só a existência, em quem "prevê", de um programa a realizar faz com que ele se atenha ao essencial, aos elementos que, sendo "organizáveis", suscetíveis de ser dirigidos ou desviados, são na realidade os únicos previsíveis. Isto vai contra o modo comum de considerar a questão. Geralmente se acredita que todo ato de previsão pressupõe a determinação de leis de regularidade como as leis das ciências naturais. Mas, como estas leis não existem no sentido absoluto ou mecânico que se supõe, não se levam em conta as vontades dos outros e não se "prevê" sua aplicação. Logo, constrói-se com base numa hipótese arbitrária, e não na realidade.”

*Antonio Gramsci (1891-1937), Cadernos do Cárcere, V. 3, p. 342-3, 4ª Edição. Civilização Brasileira, 2011

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