Correio Braziliense
Fomentar os conflitos entre um governo
brasileiro e os Estados Unidos não é novidade na política brasileira. Essa foi
a estratégia adotada na preparação do golpe militar de 1964
A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a prisão preventiva e a inclusão na lista da Interpol da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). Condenada a 10 anos de prisão, por invadir a rede de internet do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a parlamentar deixou o Brasil e anunciou que está nos Estados Unidos, mas deve se deslocar para a Europa. Soma-se ao deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se licenciou do cargo e se exilou nos Estados Unidos, onde atua fortemente contra o governo Lula e, principalmente, contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo a PGR, no caso de Carla Zambelli,
“não se trata de antecipação do cumprimento da pena aplicada à ré, mas de
imposição de prisão cautelar, de natureza distinta da prisão definitiva, com o
fim de assegurar a devida aplicação da lei penal”. O nome de parlamentar poderá
ser incluído na lista de difusão vermelha da Interpol. A opção de trocar os
Estados Unidos pela Itália, caso não consiga proteção do governo
norte-americano, decorre de ter dupla nacionalidade, ou seja, o passaporte
italiano. A primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, é expoente da direta
europeia.
O deputado federal licenciado Eduardo
Bolsonaro (PL-SP) está nos Estados Unidos desde março. Na segunda-feira,
desafiou o ministro Alexandre Moraes a pedir informações oficiais sobre sua
atuação ao governo norte-americano. “Está tudo na minha rede social, pois não
faço nada de ilegal”, escreveu o parlamentar no X (antigo Twitter). “Visitar
deputado americano é crime? Perguntar a um secretário de Estado numa audiência
da Câmara é ilegal? Ir ao MRE dos EUA (State Department) é um delito?” Há um
inquérito aberto na PGR, a pedido do líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias
(RJ), para investigar a atuação do filho do ex-presidente Jair Bolsonaro nos
EUA.
Ontem, sem citar seu nome, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva deu mais repercussão à atuação de Eduardo Bolsonaro:
“Lamentável é que um deputado brasileiro, filho do ex-presidente, está lá a
convocar os Estados Unidos para se meter na política interna do Brasil. É isso
que é grave. É isso que é uma prática terrorista. É isso que é uma prática
antipatriótica. Um cidadão que é deputado, renuncia ao seu mandato, pede
licença do seu mandato, para ir ficar tentando lamber as botas do Trump e de
assessor do Trump, pedindo intervenção na política brasileira”.
Antiga estratégia
Fomentar os conflitos entre um governo
brasileiro e os Estados Unidos não é novidade na política brasileira. Essa foi
a estratégia adotada na preparação do golpe militar de 1964. Carlos Lacerda,
então governador da Guanabara (1960-1965), teve intensa relação com a Casa
Branca no período que antecedeu o golpe militar de 1964. Embora não tenha sido
o principal articulador do golpe, foi um dos líderes civis da oposição ao
governo João Goulart em sintonia com interesses norte-americanos no Brasil.
Conservador e anticomunista, Lacerda via o
governo de João Goulart como uma ameaça à democracia e ao capitalismo. Essa
posição o aproximava do discurso da Guerra Fria promovido pelos Estados Unidos,
que apoiavam governos e forças que combatessem a expansão do comunismo e a
influência da antiga União Soviética (URSS) na América Latina.
Cabeça da articulação civil que visava
derrubar Goulart, junto com os governadores de Minas, Magalhães Pinto, e de São
Paulo, Adhemar de Barros, Lacerda mantinha estreita relação com o embaixador
Lincoln Gordon, que apoiava a deflagração de movimento militar caso Jango
insistisse nas reformas de base e flertasse com a esquerda.
Não esteve diretamente envolvido na Operação
Brother Sam (apoio logístico e militar dos EUA às forças golpistas
brasileiras), porém o discurso e a posição pró-Otan de Lacerda foram fatores
que ajudaram a construir o ambiente favorável à intervenção. Documentos dos EUA
mostram que o político carioca era um interlocutor confiável para o
Departamento de Estado.
Entretanto, a relação decisiva para a Casa
Branca foi com a cúpula do Exército. Desde os anos 1950, muitos oficiais das
Forças Armadas brasileiras foram treinados pelos Estados Unidos, na Escola das
Américas (Panamá), nos programas do Pentágono, nos cursos de contrainsurgência
e guerra psicológica com base na Doutrina de Segurança Nacional. O marechal
Castello Branco e os generais Mourão Filho, Golbery do Couto e Silva e Emílio
Médici foram peças-chave no golpe.
A embaixada norte-americana no Brasil, sob o
comando do embaixador Lincoln Gordon, e o adido militar general Vernon Walters
mantinham contato direto com generais brasileiros. Walters, fluente em
português, era amigo de Castello Branco, então chefe do Estado-Maior do
Exército, desde a tomada de Monte Castelo, na Itália, na Segunda Guerra
Mundial, pelas tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEP). O Exército
brasileiro era visto como “confiável” pelos EUA, especialmente contra uma
possível “deriva comunista”.
Apesar de apoiar o golpe, Lacerda rompeu com
o regime militar, especialmente após perceber que não teria chance de disputar
a Presidência (seu objetivo era ser candidato em 1965). Em 1966, após as
eleições serem suspensas, fundou a Frente Ampla com Juscelino Kubitschek, que
também apoiou o golpe, e João Goulart, o presidente destituído, em oposição ao
regime que ajudara a instalar.
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