É essencial rever efeito do mínimo na Previdência
O Globo
Sem alterar mecanismo que leva à explosão de
gastos, qualquer plano de ajuste fiscal será insuficiente
Em reunião de líderes do Executivo e do
Legislativo, ficou acertado ontem o anúncio no domingo de “medidas
estruturantes” para equilibrar as contas
públicas. Desta vez, espera-se que não haja improviso, mas propostas
capazes de extirpar a raiz do desequilíbrio fiscal: o crescimento inexorável de
despesas obrigatórias acima da inflação, determinado por leis populistas que,
apesar de bem-intencionadas, não encontram espaço no Orçamento.
A mais notável é a política de aumento real do salário mínimo, que acarreta automaticamente aumento em todas as despesas indexadas ao mínimo — é o caso de benefícios previdenciários como aposentadorias, Benefício de Prestação Continuada, abono salarial e seguro-desemprego. Outra fonte de pressão é a vinculação obrigatória das despesas com saúde e educação à arrecadação. Quando há crescimento da economia e maior recolhimento de impostos, o gasto com as duas áreas cresce, em detrimento das demais rubricas orçamentárias.
O resultado desse desarranjo é um Orçamento
tomado por despesas obrigatórias, quase sem espaço para gastos livres, como
investimentos ou custeio da máquina. Em 2025, essas despesas obrigatórias estão
orçadas em R$ 2,2 trilhões do total de 2,41 trilhões. Os R$ 211 bilhões que
sobram ainda precisam atender à voracidade das emendas parlamentares, estimadas
em R$ 50,4 bilhões — a proporção das emendas saltou de 4,8% das despesas livres
para 21% em dez anos.
A medida que teria maior impacto imediato é
desfazer o mecanismo perverso de indexação ao salário mínimo que leva à
explosão das despesas previdenciárias e assistenciais. Só no ano passado,
a Previdência gastou
R$ 982,6 bilhões, ou 42,6% do total do governo federal — fatia que tende a
crescer em razão do envelhecimento da população (em 1999, eram 36,9%). Algo
como 70% desses pagamentos equivalem a um salário mínimo. E cada real de
aumento no mínimo eleva tais gastos em R$ 400 milhões, pelas contas de Felipe
Salto, economista-chefe da Warren Investimentos. Apenas o reajuste deste ano
causou impacto de R$ 42,5 bilhões, de acordo com Manoel Pires, coordenador do
Observatório de Política Fiscal do FGV/Ibre.
Na campanha eleitoral, despreocupado com o
impacto nas contas públicas, Lula prometeu
retomar a política de reajustar o mínimo acima da inflação. Depois de uma alta
real de 5,64% no primeiro ano, o governo mudou a regra, determinando que o
reajuste será no máximo de 2,5% além da inflação, mesmo limite imposto às
despesas federais pelo arcabouço fiscal. Ainda assim, a mudança não é
suficiente para equilibrar as contas. O certo seria desvincular do mínimo os
reajustes das aposentadorias e de todos benefícios indexados a ele. Ou então
corrigir o mínimo apenas pela inflação, como foi feito entre 2019 e 2023. Tal
medida preservaria o poder de compra de trabalhadores e aposentados e, ao mesmo
tempo, a saúde das contas públicas.
Em vez de enfrentar o problema real, o
governo tem preferido buscar equilíbrio nas contas aumentando impostos. A
última tentativa — a alta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) — levou
o Congresso a dar dez dias para o Executivo apresentar alternativa. Sem
corrigir as distorções trazidas pela política de aumentos reais do salário
mínimo, em breve o governo estará diante de novos rombos para cobrir no
Orçamento.
Ataque ucraniano à Rússia reflete
transformação da tecnologia bélica
O Globo
Enxame de drones de plástico foi capaz de
deteriorar a temida frota de bombardeiros nucleares russos
O surpreendente ataque da Ucrânia que
destruiu bombardeiros russos em solo no domingo é um marco na evolução da
tecnologia militar. Desfechada de forma sorrateira, a operação mostrou que um
enxame de pequenos drones caseiros de plástico, movidos a bateria, foi capaz de
provocar danos irreversíveis à principal plataforma de Moscou para lançamento
aéreo de mísseis, inclusive os nucleares.
A Ucrânia tomou o cuidado de gravar vídeos
dos ataques. Afirma ter usado 117 drones, atingindo bases aéreas em cinco
regiões, de Murmansk, perto da fronteira com a Noruega, a Belaya, no extremo
oposto do país, a cerca de 4.400 quilômetros de Kiev. O principal alvo foram os
tradicionais — e eficientes — bombardeiros russos Tupolev (Tu-22 e Tu-95),
aviões de longo alcance estratégicos na política de dissuasão nuclear. Eles têm
sido usados para disparar mísseis à noite contra a Ucrânia. Antes do ataque, mais
de cem estavam em operação. A Ucrânia afirma ter destruído ou danificado mais
de 40. Analistas calculam, com base em imagens de satélite e vídeos, que no
mínimo 14 foram atingidos. Foi a maior perda da aviação russa desde a Segunda
Guerra. Uma perda irreparável, pois a indústria aeronáutica russa não consegue
mais fabricá-los.
A operação Teia de Aranha foi planejada
durante um ano e meio, segundo o presidente ucraniano, Volodymyr
Zelensky. Caminhões levando no reboque casas pré-fabricadas de madeira com
os drones escondidos entraram na Rússia e se
dirigiram à vizinhança das bases aéreas, onde foram estacionados. Depois,
bastou acionar os drones à distância e jogar a carga explosiva sobre os aviões.
A operação ucraniana tem levado potências
bélicas a reavaliar suas estratégias no contexto de rearmamento que tomou conta
do planeta com a volta de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos. O
primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, apressou-se a anunciar que o Reino
Unido destinará £ 2 bilhões, de um incremento total de £ 20,3 bilhões no
orçamento militar, para drones e outras armas táticas em desenvolvimento. Os
Estados Unidos, onde surgiram os drones, correm risco de perder a liderança
nessa nova tecnologia bélica. Isso porque os drones leves, hoje responsáveis
por 70% dos danos em combates, são fabricados basicamente com plásticos
moldados, ímãs e baterias elétricas — mercados em que os chineses levam grande
dianteira sobre os americanos.
“O ataque ucraniano aos bombardeiros nucleares da Rússia mostra quão insana e autodestrutiva é a oposição dos republicanos à indústria de baterias”, escreveu em seu blog o economista Noah Smith. “Se os Estados Unidos se recusarem a fabricar baterias, serão incapazes de fabricar drones similares em caso de guerra contra a China.” Em vez de transformar as baterias elétricas em joguete de sua guerra cultural contra o carro elétrico e fontes alternativas de energia, Trump deveria, diz Smith, entender que elas se tornaram questão de segurança nacional.
Sem desindexação e corte de despesas não há
saída fiscal
Valor Econômico
Para melhorar a situação fiscal, seria
preciso perseguir a regra simples: não gastar mais do que se arrecada e partir
para medidas que gerem resultados sustentáveis
A cartada do governo de eliminar as previsões
irrealistas sobre receitas e buscar mais arrecadação, com o aumento do Imposto
sobre Operações Financeiras (IOF), teve oposição generalizada, dentro e fora do
governo, mas ressaltou um problema conhecido e grave: faltará dinheiro para
manter a máquina pública funcionando em um par de anos. Será preciso conter
gastos, além do contingenciamento e do bloqueio dos R$ 31,5 bilhões fixados,
limite político até o qual o presidente Lula está disposto a ir e solução proposta
por Haddad. Congresso, Fazenda e o presidente Lula buscaram uma solução de
consenso, que ainda não veio. “Reformas estruturais” foram incluídas na
discussão, sugeridas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta
(Republicanos-PB), uma direção correta, mas que, diante da premência de
recursos imediatos para cumprir a meta fiscal e da proximidade das eleições
presidenciais, parece mais um expediente para jogar os problemas para o futuro.
As projeções de receitas e despesas dos
próximos três anos, no orçamento de 2025, indicaram que o custeio das
atividades do governo entra o ano em nível de apagão, algo antes projetado para
um ou dois anos à frente pelos analistas privados. O ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, deu um toque de realismo à equação fiscal, seguindo as regras
do regime fiscal petista - contingenciando o politicamente definido e
aumentando receitas em tempo hábil, e o IOF era um dos poucos instrumentos
disponíveis para isso. Houve mais participantes desta decisão do que indica o
fogo interno contra o solitário Haddad. A Casa Civil e o presidente Lula foram
informados do que estava em gestação, seja com menos ou mais detalhes.
Motta e o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (UB-AP), de partidos que estão se distanciando do governo Lula para
embarcar em candidaturas de oposição no ano que vem, escoraram-se em argumentos
corretos para rejeitar a saída da Fazenda, os de que não há mais espaço para
aumento da carga tributária. A ameaça de rejeição do aumento do IOF, em nova
derrota do governo sufragada pela base supostamente governista, tornou-se real.
Haddad não quer abrir mão do IOF, um imposto
ruim, regulatório e não arrecadatório, que taxa de forma diferente operações
cambiais semelhantes e que contraria recomendações da OCDE, à qual o país deu
passos para aderir até o início do governo Lula. Não é fácil arrumar receitas
dessa ordem em um estalo de dedos. Ao descartar corte de gastos, Fazenda e
Congresso entram no campo da improvisação para tapar o buraco fiscal.
Motta sugeriu a redução da incrível montanha
de gastos tributários, a renúncia de receitas que favorece diversos setores
econômicos com poder de lobby. A Receita Federal estimou que chegarão a R$ 544,
5 bilhões, ou 4,8% do PIB, este ano. Uma nova regra exigiu que as empresas
declarem montante e tipo de incentivos que recebem, e os dados revelam que
gastos tributários podem chegar a R$ 800 bilhões. Para quem luta para garantir
R$ 30 bilhões a mais no orçamento é um caminho óbvio, mas penoso e nunca conseguido.
Simples, subsídios agrícolas, Zona Franca de Manaus e deduções de saúde e
educação no Imposto de Renda constituem as principais rubricas, e o Congresso,
que as aprovou, nunca se dispôs de fato a revê-las ou extingui-las.
O governo enviou MP para o Congresso com
outra falsa saída, que passa pela venda de petróleo que pertence à União nas
áreas ainda não exploradas do pré-sal. A alteração do preço de referência do
petróleo, entre outras medidas na área, traria R$ 20 bilhões aos cofres
públicos em 2025 e mais R$ 15 bilhões em 2026. A operação é apenas uma
antecipação de receitas futuras, que foi proibida para os Estados no passado, e
não resolve, apenas adia, a solução do rombo fiscal.
As melhores soluções sempre estiveram à
disposição do governo Lula, mas ele as rejeitou até agora. Os pisos para
despesas com saúde e educação são corrigidos pela evolução da receita líquida
da União, e não mais pela inflação, como durante a vigência do teto de gastos.
Com isso, têm crescido mais e expulsado do orçamento gastos discricionários.
Tem esse efeito a correção de benefícios previdenciários, BPC, abono salarial e
seguro-desemprego pelo salário mínimo com ganhos acima da inflação. Esses são
os maiores dispêndios do orçamento, 48% dele.
O governo não deveria ter mudado a meta
fiscal para se permitir gastar mais. A meta para este ano já seria de superávit
de 0,5% do PIB, com o piso de 0,25% do PIB. Para deter o endividamento
crescente, o governo deveria mirar pelo menos resultado positivo de 1% a 1,5%
do PIB, o que nunca fez, mal conseguindo fechar o objetivo no limite inferior
do regime fiscal.
Saídas como a reforma administrativa não
reduzem tanto os gastos, mas são importantes para melhorar a produtividade do
setor público. As renúncias tributárias precisam ser atacadas, mas esse é um
assunto recorrente, que surge e desaparece de acordo com as conveniências. Para
melhorar a situação fiscal, seria preciso perseguir a regra simples: não gastar
mais do que se arrecada. Além disso, parar com soluções temporárias e
improvisos e partir para medidas que gerem resultados sustentáveis.
Um parque no hipódromo
Folha de S. Paulo
Cabe debater se Jockey Club de SP, em embate
com prefeitura, pode virar área de lazer; região carece de espaços públicos
Um dos símbolos da elite paulistana no século
20, o Jockey Club de São Paulo já
foi palco de bailes e eventos de gala e até hoje é referência no turfe
nacional, mas há anos convive com o desinteresse do público por corridas de
cavalo, ameaças de desapropriação e cobrança de dívidas que, segundo a
prefeitura, ultrapassam os R$ 860 milhões.
Instalado em uma área de 619 mil m² (ou quase
87 campos de futebol) na Cidade Jardim, um dos bairros mais valorizados da
capital paulista, o hipódromo é uma entidade associativa privada. A
inadimplência aventada pela gestão Ricardo Nunes (MDB), sobretudo com
IPTU e também ISS, teria motivado a prefeitura a tomar o terreno para fins
coletivos.
Nunes tem a intenção de criar um parque no
local, além de um centro de equinoterapia. Mas o páreo, neste caso, é
duríssimo.
A administração diz que move quase 500 ações
judiciais para cobrar as dívidas e, numa ofensiva conjunta com a Câmara
Municipal, chegou a sancionar uma lei que proíbe corridas de cavalos com
apostas na cidade —suspensa
por liminar e declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça. O
objetivo final, por óbvio, era sufocar a atividade-fim do clube.
Um projeto no Legislativo prevê incorporar o
Jockey ao patrimônio do município. Na revisão do Plano Diretor,
a Câmara já havia aprovado a inclusão do imóvel entre os 186 parques propostos
para São Paulo, o que facilita declará-lo de utilidade pública.
Contudo o hipódromo refuta o passivo, que
estaria superestimado, e também cobra R$ 340 milhões pela transferência ao
poder público, em 2011, de um outro terreno em bairro próximo.
O imbróglio vai além. A Procuradoria-Geral do
Município, órgão sob o comando da prefeitura, avaliou a área em R$ 95 milhões.
Sócios, no entanto, afirmam que o cálculo é ínfimo diante do valor venal (R$
1,1 bilhão).
O Jockey diz ainda que a desapropriação serve
a "interesses escusos" —uma referência à possível especulação
imobiliária, já que o mercado se beneficiaria com a criação de um parque. A
diretoria do clube propõe
uma parceria público-privada para criar o espaço, mas preservando a área do
turfe e outras dependências.
Discrepâncias à parte, o fato é que os paulistanos
e sua cidade anseiam por oásis verdes, seja para lazer, seja para amenizar
os efeitos da mudança
climática.
A cobertura vegetal em São Paulo é
extremamente desigual entre seus distritos: 46 dos 96 têm menos de 20%, o que
cria ilhas de calor,
afeta a qualidade do ar e aumenta o risco de enchentes e deslizamentos de
terra.
A região do Jockey é carente de espaços de
convivência e enfrenta certa degradação no entorno; uma solução acordada entre
as partes poderia aproveitar melhor uma área hoje subutilizada.
Se parece ilusão crer que novos parques na
metrópole chegarão a galope, que ao menos haja avanços no entendimento, tendo
como norte principal a qualidade de vida dos paulistanos.
Dúvidas em torno da saída política para o IOF
Folha de S. Paulo
É positivo que governo e Congresso discutam
déficit fiscal; mais incerto é se haverá medidas de impacto perto da eleição
Dois motivos principais explicam a elevação
atabalhoada do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que há duas semanas
reabriu o debate
político em torno do rombo das contas públicas.
Primeiro, tratou-se de mais uma entre muitas
tentativas de adiar, por meio de paliativos, a inevitável correção do rumo que
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) deu à
política orçamentária. Segundo, foi escolhido um tributo regulatório, que nessa
condição pode ser majorado por decreto presidencial, para contornar a
resistência do Congresso
Nacional a novos aumentos da carga tributária.
A manobra canhestra não prosperou devido à
péssima repercussão no mercado, entre analistas e no mundo partidário —o
Legislativo indicou que derrubaria a medida. Ao menos esta última parte do
problema começou a ser enfrentada pelo Planalto.
Nesta terça-feira (3), o ministro Fernando
Haddad, da Fazenda, anunciou pela manhã que, para o lugar do IOF, haveria
um pacote de ajuste das finanças públicas, incluindo até uma proposta de emenda
constitucional. Criou-se a expectativa de um detalhamento à tarde, após
conversas com Lula e os presidentes da Câmara
dos Deputados e do Senado.
Não foi o que aconteceu, porém. Haddad
informou que as medidas somente serão conhecidas nos próximos dias, depois
de consulta aos líderes dos partidos. "Estamos tendo esse cuidado todo
porque nós dependemos dos votos do Congresso."
Se é um progresso que os dois Poderes estejam
agora envolvidos na busca de uma saída, ainda é incerto se algo mais
consistente que a alta do IOF resultará do entendimento. Saídas virtuosas
passam pela contenção de gastos e, idealmente, não de modo emergencial, mas
duradouro.
Os erros principais —e óbvios— a serem
enfrentados foram cometidos logo no primeiro ano do terceiro mandato de Lula,
quando recriaram-se regras de expansão contínua e obrigatória de despesas,
incompatíveis com os limites estabelecidos pela própria administração petista
em seu chamado arcabouço fiscal.
Desembolsos com Previdência
Social, saúde e educação avançam
em ritmo equivalente ou superior ao das receitas, o que comprime o espaço dos
demais setores a ponto de estar previsto um apagão da máquina federal em 2027.
Deputados e senadores resistem
a ajustes para não haver redução de suas emendas ao Orçamento.
A pouco mais de um ano das eleições, é
difícil imaginar que o debate de temas tão sensíveis vá prosperar. O melhor
momento, infelizmente, já foi desperdiçado.
Em julgamento, a liberdade de expressão
O Estado de S. Paulo
Mais do que julgar a suposta
inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, o Supremo irá
redefinir a partir de hoje os limites de um direito fundamental dos brasileiros
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma hoje
o julgamento de dois recursos extraordinários que tratam da suposta
inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Esse é o
dispositivo legal que fixa critérios para que as empresas de tecnologia possam
ser civilmente responsabilizadas por conteúdos publicados por terceiros em suas
plataformas, notadamente as redes sociais. O reinício do julgamento é ocasião
para este jornal reafirmar seu entendimento de que o artigo 19 é plenamente
constitucional. Não há uma vírgula em sua redação que não esteja coadunada com
a Constituição – nem tampouco com o Código Penal.
Mas, a título de argumentação, digamos que o
referido dispositivo fosse, de fato, inconstitucional. Ora, bastaria ao STF
dizê-lo e deixar a cargo do Congresso a análise sobre a pertinência de
reescrevê-lo, se o Legislativo achar que é o caso. Porém, não é isso o que
parece estar em vias de acontecer, a julgar pelas palavras do ministro decano
da Corte. Em Paris, Gilmar Mendes afirmou que a decisão que o STF vier a tomar
pode ser “um esboço de regulação da mídia social” no Brasil. A ser assim, o STF
usurpará uma competência do Congresso, redefinindo, na prática, os limites da
liberdade de expressão no País.
O espírito que anima a Corte nesse julgamento
não é nada bom, muito ao contrário: há uma nítida inclinação para a censura,
ainda que o mal venha disfarçado sob o manto iluminista da purgação do debate
público online por meio do combate ao que alguns ministros entendem por “fake
news” e “discursos de ódio”.
Em grande medida, a despeito de jamais ter
sido um direito absoluto, a liberdade de expressão está sob risco de ser
cerceada no País porque o STF está debruçado sobre esse julgamento com base em
duas falsas premissas. A primeira e mais gritante delas é a suposta “omissão”
do Congresso para “atualizar” o Marco Civil da Internet, restando à Corte, uma
vez provocada, preencher esse vácuo institucional. Não é assim que funciona uma
república baseada na tripartição dos Poderes. O Congresso não se omitiu. Pouco
tempo atrás, o Projeto de Lei (PL) da regulamentação das chamadas big
techs, incorretamente designado como “PL das Fake News”, estava prestes a ser
votado, mas foi retirado de pauta por decisão da maioria dos líderes
partidários em razão da falta de consenso para votar a matéria em plenário –
uma decisão, diga-se, rigorosamente legítima.
A segunda falácia é a suposta transformação
da internet numa “terra sem lei”, um espaço no qual os cidadãos estariam livres
para cometer toda sorte de crimes sob o beneplácito das big techs,
interessadas que são em disseminar conteúdos que geram tráfego, não
necessariamente lícitos, em busca de visualizações, engajamento, publicidade e
dinheiro – muito dinheiro. Ora, é evidente que o ânimo dessas empresas é o
lucro, e não o desejo de se firmarem como vestais do debate público na ágora
moderna.
Também é fato que o Marco Civil da Internet
pode ser revisitado, até para obrigar as empresas de tecnologia a serem
transparentes no que diz respeito à arquitetura de seus algoritmos e de seus
modelos de remuneração. Mas é simplesmente mentiroso afirmar que, a não ser por
meio dessa intervenção antirrepublicana do STF, os usuários e as empresas
permanecerão isentos de quaisquer responsabilidades – inclusive penal, no caso
dos cidadãos – por conteúdos criminosos que circulam nas redes sociais.
Por seu equilíbrio, fruto de um longo e
profícuo debate no Congresso, o modelo brasileiro de responsabilização civil
das big techs, mas não só, é tido como um paradigma internacional. Para
Tim Berners-Lee, ninguém menos do que o criador da internet como a conhecemos,
o Marco Civil brasileiro foi aprovado como o prenúncio de “uma nova era” ao
respeitar o espírito de liberdade que o inspirou e, ao mesmo tempo, garantir
que o ambiente digital não se tornasse uma área livre para a prática de crimes.
Ao pretender substituir o Legislativo na
definição do que pode ou não circular pelas redes sociais, o STF não apenas
abastarda seu papel institucional, como ameaça criar um perigoso precedente: o
de que direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, podem ser
relativizados por interpretações e interesses circunstanciais de uma maioria de
togados.
Poder de polícia a torto e a direto
O Estado de S. Paulo
Senadores aprovam PEC que inclui até agentes
de trânsito no sistema de segurança pública, sem discutir treinamento adequado
e respeito às competências dos demais policiais
O Estatuto Social da Companhia de Engenharia
de Tráfego (CET), em seu artigo 3.º, é bastante claro: a finalidade da empresa
é organizar o sistema viário em suas diversas necessidades, desde o
planejamento até sua exploração econômica, passando por fiscalização e
educação. Em nenhuma linha ali ou em qualquer lugar está escrito que os agentes
da CET podem exercer poder de polícia.
Mas isso não é mais um problema. O Senado, no
embalo da aflição popular em relação à segurança pública, acaba de aprovar uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para incluir as guardas municipais e os
agentes de trânsito no sistema de segurança pública. Se o texto passar na
Câmara, os guardas municipais e os agentes de trânsito entrarão na lista dos
integrantes das corporações responsáveis pela “preservação da ordem pública e
da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.
Eis aí a solução do Congresso para resolver o
problema da sensação de insegurança nas grandes cidades: distribuir poder de
polícia a torto e a direito. É evidente que este jornal não se opõe, de maneira
nenhuma, ao aumento da capacidade do Estado de policiar. Mas não se pode
promover esse aumento de maneira indiscriminada, sem levar em conta
necessidades óbvias como treinamento adequado e demarcação clara de
competências.
Isso demandará formação teórica, respeito ao
protocolos, uso de câmeras corporais, capacidade de diálogo e atuação conjunta
com outras corporações, de modo a não haver embates como ocorrem entre polícias
civis e militares, além de forte controle externo, por meio da supervisão do
Ministério Público, de corregedorias atuantes e de ouvidorias independentes.
Sem isso, o que teremos é um grande número de agentes do Estado autorizados a
exercer o poder de polícia sem qualquer preparo técnico para isso e sem definição
de limites de atuação, o que acarreta evidentes riscos para a sociedade.
A confusão já havia ganhado escala com a
decisão do Supremo Tribunal Federal de dar às guardas municipais a
possibilidade de atuar no policiamento ostensivo, o que não estava previsto na
Constituição, que atribuía essa função à Polícia Militar, sob o comando dos
governos estaduais. Às guardas municipais cabia apenas proteger os bens,
serviços e instalações municipais. E o Congresso está prestes a ampliar esse
ruído constitucional.
O relator da PEC, senador Efraim Filho (União
Brasil-PB), comemorou o avanço da pauta. Num vídeo em que aparece ao lado de
agentes de trânsito uniformizados, ele declara que agora esses agentes poderão
“praticar um policiamento ostensivo”: “Ali, no momento em que estão naquela
via, controlando e fiscalizando o trânsito, (vão) poder atuar num flagrante de
roubo, de furto, em uma tentativa de sequestro, um estupro”.
Como disse ao Estadão a
diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, “o que pauta o
debate no Brasil sobre a segurança pública”, infelizmente, “é uma luta
corporativista por ampliação de atribuição: todo mundo quer ser polícia” –
entre outras razões, porque “ser polícia” dá acesso aos recursos do Fundo
Nacional de Segurança Pública.
O desfecho no Senado podia ter sido até pior.
Os senadores rejeitaram uma emenda que incluía o Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit) entre os órgãos de segurança pública. O
argumento é de que criaria conflito de competência com a Polícia Rodoviária
Federal. Mas não será surpresa se, na subsequente tramitação da matéria, alguma
aberração como essa for aprovada.
Trata-se de um evidente empobrecimento do
debate sobre segurança pública. Não faz muito tempo, o governo entregou à
Câmara uma PEC para tratar do tema, e as discussões mal começaram. Essa PEC até
inclui as guardas municipais no sistema de segurança pública, mas não os
agentes de trânsito, e seu foco é o combate ao crime organizado – esse, sim, o
cerne do problema da segurança pública no País.
Parceria necessária
O Estado de S. Paulo
Doação milionária à USP é um exemplo a ser
seguido por mais empresas no Brasil
Presidente dos Conselhos de Administração da
Cosan e da Comgás, o empresário Rubens Ometto acaba de intermediar uma doação
de R$ 19 milhões das duas empresas à Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo (USP).
Os recursos serão utilizados na revitalização
de um dos prédios da Poli, como é conhecida a unidade de ensino de Engenharia
da USP, e também na construção de um novo prédio que conectará os quatro blocos
do Departamento de Engenharia de Produção.
Ex-aluno da instituição, Ometto explicou que
a doação é uma retribuição à Poli, uma das “grandes responsáveis por tudo o que
realizei na minha vida”.
O empresário entende ainda que, quando o
setor produtivo investe em formação, investe na sustentabilidade de negócios, o
que é essencial para impulsionar a inovação e manter a competitividade de
empresas em setores estratégicos.
Doações do setor privado a centros de ensino
são uma prática bastante disseminada no Hemisfério Norte. Universidades
mundialmente conhecidas pela excelência, como a norte-americana Harvard e a
britânica Oxford, há muito recebem recursos de ex-alunos, empresários e
corporações para manterem a qualidade educacional e o financiamento de
pesquisas.
No Brasil, onde as universidades públicas de
ponta lidam com sérias restrições financeiras, por anos perdurou a visão de que
a injeção de recursos privados em centros de ensino seria um atentado à
liberdade acadêmica.
Essa visão limitada só colaborou para que as
boas e poucas universidades públicas, financiadas por todos os brasileiros,
oferecessem ensino de qualidade aos mais abastados, que, mesmo que quisessem,
enfrentavam grande dificuldade para contribuir financeiramente com as
instituições que lhes ampliaram a visão de mundo e as possibilidades
profissionais.
A sanção, em 2019, da Lei 13.800, que dispõe
sobre constituição de fundos patrimoniais (também conhecidos como endowments)
para apoio a instituições de ensino, entre outras, representou uma virada,
dando impulso a iniciativas de ex-alunos, como os endowments da
PUC-Rio e da Poli.
Para se ter uma ideia da importância dos
fundos patrimoniais, o endowment de Harvard supera os US$ 50 bilhões,
recursos que permitem que a universidade consiga resistir à cruzada
obscurantista do presidente Donald Trump contra instituições de ensino superior
no país.
É evidente que as universidades brasileiras
não são Harvard, mas tê-la como norte é um bom caminho. Para tanto, é preciso
que iniciativas como as de Ometto sejam não apenas louvadas, mas replicadas por
seus pares do setor empresarial, o que foi amplamente facilitado após a Lei
13.800.
Em um país que ainda amarga indicadores de
aprendizagem sofríveis na educação básica e fundamental, como atestam
avaliações domésticas e internacionais, nada mais justo que egressos das
universidades públicas gratuitas contribuam para que elas sigam existindo.
É bom para quem doa, bom para o ensino superior e essencial para que sobrem mais recursos públicos para o ensino básico e fundamental, que deveria ser a prioridade de qualquer governo.
Os desafios da inovação
O Povo (CE)
Bem aplicadas, as novas tecnologias aumentam
a produtividade e a eficiência, eliminando processos repetitivos, e ajudam na
inclusão
Com o seminário Transformação Digital e
Governança Interfederativa foi concluído o programa Ceará Mais Digital, cujo
propósito é incentivar o uso de soluções tecnológicas inovadoras e promover
maior integração entre as unidades da federação. A iniciativa é do governo
do Ceará, por meio da Secretaria do Planejamento e Gestão (Seplag) e da Escola
de Gestão Pública do Estado do Ceará, em parceria com a Fundação Demócrito
Rocha (FDR) e apoio da Casa Azul Ventures.
Durante o evento, as startups
selecionadas pelo programa apresentaram propostas inéditas para as mais
diferentes áreas do serviço público, como saúde, educação, gestão de resíduos
sólidos e finanças, entre outras. Três delas foram destacadas: a startup
Sued-Ficha Técnica (Juazeiro do Norte), com um modelo para reduzir desperdício
da merenda escolar; a Acqualog (Fortaleza), para monitorar remotamente o
abastecimento de água em áreas rurais e a 4Eucation (Fortaleza), com o
propósito de elevar motivação de estudantes e melhorar o desempenho de
professores em sala de aula, por meio de uma plataforma "gamificada"
(jogos).
Na ocasião, o titular da Seplag, Alexandre
Cialdini, destacou a importância da iniciativa, por unir diferentes
segmentos da sociedade, como o poder público, universidades e setor privado, em
torno de um programa que vai se traduzir em avanços econômicos e sociais para a
coletividade.
Para ele, o ponto fundamental é a necessidade
da administração pública ficar atenta aos processos inovadores,
utilizando as tecnologias digitais para melhorar os serviços oferecidos à
população. Especificamente quanto ao Ceará, Cialdini disse que o estado precisa
continuar como "referência nacional e internacional" em gestão
pública.
De fato, bem aplicadas, as novas tecnologias
aumentam a produtividade e a eficiência, eliminando processos repetitivos, e
ajudam na inclusão, ao ampliarem as possibilidades de acesso a determinados
serviços públicos, que pode ser feito remotamente, evitando deslocamentos. É
indiscutível que as ferramentas digitais tornaram-se hoje
indispensáveis. No entanto, os administradores públicos precisam ter claro que
o foco continua a ser o cidadão. Ou seja, a tecnologia tem de estar a serviço
das pessoas, portanto, não podem ser desculpa para a desumanização do serviço
público.
Por isso, são importantes iniciativas como a
desenvolvida pelo Ceará Mais Digital, que vai buscar soluções inovadoras
personalizadas, como as apresentadas acima. Ao mesmo tempo, incentiva jovens
empreendedores das startups a investirem em áreas fundamentais para o
desenvolvimento humano, com um olhar especial para os desafios que precisam ser
superados no Ceará.
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