quarta-feira, 4 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É essencial rever efeito do mínimo na Previdência

O Globo

Sem alterar mecanismo que leva à explosão de gastos, qualquer plano de ajuste fiscal será insuficiente

Em reunião de líderes do Executivo e do Legislativo, ficou acertado ontem o anúncio no domingo de “medidas estruturantes” para equilibrar as contas públicas. Desta vez, espera-se que não haja improviso, mas propostas capazes de extirpar a raiz do desequilíbrio fiscal: o crescimento inexorável de despesas obrigatórias acima da inflação, determinado por leis populistas que, apesar de bem-intencionadas, não encontram espaço no Orçamento.

A mais notável é a política de aumento real do salário mínimo, que acarreta automaticamente aumento em todas as despesas indexadas ao mínimo — é o caso de benefícios previdenciários como aposentadorias, Benefício de Prestação Continuada, abono salarial e seguro-desemprego. Outra fonte de pressão é a vinculação obrigatória das despesas com saúde e educação à arrecadação. Quando há crescimento da economia e maior recolhimento de impostos, o gasto com as duas áreas cresce, em detrimento das demais rubricas orçamentárias.

O resultado desse desarranjo é um Orçamento tomado por despesas obrigatórias, quase sem espaço para gastos livres, como investimentos ou custeio da máquina. Em 2025, essas despesas obrigatórias estão orçadas em R$ 2,2 trilhões do total de 2,41 trilhões. Os R$ 211 bilhões que sobram ainda precisam atender à voracidade das emendas parlamentares, estimadas em R$ 50,4 bilhões — a proporção das emendas saltou de 4,8% das despesas livres para 21% em dez anos.

A medida que teria maior impacto imediato é desfazer o mecanismo perverso de indexação ao salário mínimo que leva à explosão das despesas previdenciárias e assistenciais. Só no ano passado, a Previdência gastou R$ 982,6 bilhões, ou 42,6% do total do governo federal — fatia que tende a crescer em razão do envelhecimento da população (em 1999, eram 36,9%). Algo como 70% desses pagamentos equivalem a um salário mínimo. E cada real de aumento no mínimo eleva tais gastos em R$ 400 milhões, pelas contas de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos. Apenas o reajuste deste ano causou impacto de R$ 42,5 bilhões, de acordo com Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV/Ibre.

Na campanha eleitoral, despreocupado com o impacto nas contas públicas, Lula prometeu retomar a política de reajustar o mínimo acima da inflação. Depois de uma alta real de 5,64% no primeiro ano, o governo mudou a regra, determinando que o reajuste será no máximo de 2,5% além da inflação, mesmo limite imposto às despesas federais pelo arcabouço fiscal. Ainda assim, a mudança não é suficiente para equilibrar as contas. O certo seria desvincular do mínimo os reajustes das aposentadorias e de todos benefícios indexados a ele. Ou então corrigir o mínimo apenas pela inflação, como foi feito entre 2019 e 2023. Tal medida preservaria o poder de compra de trabalhadores e aposentados e, ao mesmo tempo, a saúde das contas públicas.

Em vez de enfrentar o problema real, o governo tem preferido buscar equilíbrio nas contas aumentando impostos. A última tentativa — a alta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) — levou o Congresso a dar dez dias para o Executivo apresentar alternativa. Sem corrigir as distorções trazidas pela política de aumentos reais do salário mínimo, em breve o governo estará diante de novos rombos para cobrir no Orçamento.

Ataque ucraniano à Rússia reflete transformação da tecnologia bélica

O Globo

Enxame de drones de plástico foi capaz de deteriorar a temida frota de bombardeiros nucleares russos

O surpreendente ataque da Ucrânia que destruiu bombardeiros russos em solo no domingo é um marco na evolução da tecnologia militar. Desfechada de forma sorrateira, a operação mostrou que um enxame de pequenos drones caseiros de plástico, movidos a bateria, foi capaz de provocar danos irreversíveis à principal plataforma de Moscou para lançamento aéreo de mísseis, inclusive os nucleares.

A Ucrânia tomou o cuidado de gravar vídeos dos ataques. Afirma ter usado 117 drones, atingindo bases aéreas em cinco regiões, de Murmansk, perto da fronteira com a Noruega, a Belaya, no extremo oposto do país, a cerca de 4.400 quilômetros de Kiev. O principal alvo foram os tradicionais — e eficientes — bombardeiros russos Tupolev (Tu-22 e Tu-95), aviões de longo alcance estratégicos na política de dissuasão nuclear. Eles têm sido usados para disparar mísseis à noite contra a Ucrânia. Antes do ataque, mais de cem estavam em operação. A Ucrânia afirma ter destruído ou danificado mais de 40. Analistas calculam, com base em imagens de satélite e vídeos, que no mínimo 14 foram atingidos. Foi a maior perda da aviação russa desde a Segunda Guerra. Uma perda irreparável, pois a indústria aeronáutica russa não consegue mais fabricá-los.

A operação Teia de Aranha foi planejada durante um ano e meio, segundo o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Caminhões levando no reboque casas pré-fabricadas de madeira com os drones escondidos entraram na Rússia e se dirigiram à vizinhança das bases aéreas, onde foram estacionados. Depois, bastou acionar os drones à distância e jogar a carga explosiva sobre os aviões.

A operação ucraniana tem levado potências bélicas a reavaliar suas estratégias no contexto de rearmamento que tomou conta do planeta com a volta de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, apressou-se a anunciar que o Reino Unido destinará £ 2 bilhões, de um incremento total de £ 20,3 bilhões no orçamento militar, para drones e outras armas táticas em desenvolvimento. Os Estados Unidos, onde surgiram os drones, correm risco de perder a liderança nessa nova tecnologia bélica. Isso porque os drones leves, hoje responsáveis por 70% dos danos em combates, são fabricados basicamente com plásticos moldados, ímãs e baterias elétricas — mercados em que os chineses levam grande dianteira sobre os americanos.

“O ataque ucraniano aos bombardeiros nucleares da Rússia mostra quão insana e autodestrutiva é a oposição dos republicanos à indústria de baterias”, escreveu em seu blog o economista Noah Smith. “Se os Estados Unidos se recusarem a fabricar baterias, serão incapazes de fabricar drones similares em caso de guerra contra a China.” Em vez de transformar as baterias elétricas em joguete de sua guerra cultural contra o carro elétrico e fontes alternativas de energia, Trump deveria, diz Smith, entender que elas se tornaram questão de segurança nacional.

Sem desindexação e corte de despesas não há saída fiscal

Valor Econômico

Para melhorar a situação fiscal, seria preciso perseguir a regra simples: não gastar mais do que se arrecada e partir para medidas que gerem resultados sustentáveis

A cartada do governo de eliminar as previsões irrealistas sobre receitas e buscar mais arrecadação, com o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), teve oposição generalizada, dentro e fora do governo, mas ressaltou um problema conhecido e grave: faltará dinheiro para manter a máquina pública funcionando em um par de anos. Será preciso conter gastos, além do contingenciamento e do bloqueio dos R$ 31,5 bilhões fixados, limite político até o qual o presidente Lula está disposto a ir e solução proposta por Haddad. Congresso, Fazenda e o presidente Lula buscaram uma solução de consenso, que ainda não veio. “Reformas estruturais” foram incluídas na discussão, sugeridas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), uma direção correta, mas que, diante da premência de recursos imediatos para cumprir a meta fiscal e da proximidade das eleições presidenciais, parece mais um expediente para jogar os problemas para o futuro.

As projeções de receitas e despesas dos próximos três anos, no orçamento de 2025, indicaram que o custeio das atividades do governo entra o ano em nível de apagão, algo antes projetado para um ou dois anos à frente pelos analistas privados. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu um toque de realismo à equação fiscal, seguindo as regras do regime fiscal petista - contingenciando o politicamente definido e aumentando receitas em tempo hábil, e o IOF era um dos poucos instrumentos disponíveis para isso. Houve mais participantes desta decisão do que indica o fogo interno contra o solitário Haddad. A Casa Civil e o presidente Lula foram informados do que estava em gestação, seja com menos ou mais detalhes.

Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (UB-AP), de partidos que estão se distanciando do governo Lula para embarcar em candidaturas de oposição no ano que vem, escoraram-se em argumentos corretos para rejeitar a saída da Fazenda, os de que não há mais espaço para aumento da carga tributária. A ameaça de rejeição do aumento do IOF, em nova derrota do governo sufragada pela base supostamente governista, tornou-se real.

Haddad não quer abrir mão do IOF, um imposto ruim, regulatório e não arrecadatório, que taxa de forma diferente operações cambiais semelhantes e que contraria recomendações da OCDE, à qual o país deu passos para aderir até o início do governo Lula. Não é fácil arrumar receitas dessa ordem em um estalo de dedos. Ao descartar corte de gastos, Fazenda e Congresso entram no campo da improvisação para tapar o buraco fiscal.

Motta sugeriu a redução da incrível montanha de gastos tributários, a renúncia de receitas que favorece diversos setores econômicos com poder de lobby. A Receita Federal estimou que chegarão a R$ 544, 5 bilhões, ou 4,8% do PIB, este ano. Uma nova regra exigiu que as empresas declarem montante e tipo de incentivos que recebem, e os dados revelam que gastos tributários podem chegar a R$ 800 bilhões. Para quem luta para garantir R$ 30 bilhões a mais no orçamento é um caminho óbvio, mas penoso e nunca conseguido. Simples, subsídios agrícolas, Zona Franca de Manaus e deduções de saúde e educação no Imposto de Renda constituem as principais rubricas, e o Congresso, que as aprovou, nunca se dispôs de fato a revê-las ou extingui-las.

O governo enviou MP para o Congresso com outra falsa saída, que passa pela venda de petróleo que pertence à União nas áreas ainda não exploradas do pré-sal. A alteração do preço de referência do petróleo, entre outras medidas na área, traria R$ 20 bilhões aos cofres públicos em 2025 e mais R$ 15 bilhões em 2026. A operação é apenas uma antecipação de receitas futuras, que foi proibida para os Estados no passado, e não resolve, apenas adia, a solução do rombo fiscal.

As melhores soluções sempre estiveram à disposição do governo Lula, mas ele as rejeitou até agora. Os pisos para despesas com saúde e educação são corrigidos pela evolução da receita líquida da União, e não mais pela inflação, como durante a vigência do teto de gastos. Com isso, têm crescido mais e expulsado do orçamento gastos discricionários. Tem esse efeito a correção de benefícios previdenciários, BPC, abono salarial e seguro-desemprego pelo salário mínimo com ganhos acima da inflação. Esses são os maiores dispêndios do orçamento, 48% dele.

O governo não deveria ter mudado a meta fiscal para se permitir gastar mais. A meta para este ano já seria de superávit de 0,5% do PIB, com o piso de 0,25% do PIB. Para deter o endividamento crescente, o governo deveria mirar pelo menos resultado positivo de 1% a 1,5% do PIB, o que nunca fez, mal conseguindo fechar o objetivo no limite inferior do regime fiscal.

Saídas como a reforma administrativa não reduzem tanto os gastos, mas são importantes para melhorar a produtividade do setor público. As renúncias tributárias precisam ser atacadas, mas esse é um assunto recorrente, que surge e desaparece de acordo com as conveniências. Para melhorar a situação fiscal, seria preciso perseguir a regra simples: não gastar mais do que se arrecada. Além disso, parar com soluções temporárias e improvisos e partir para medidas que gerem resultados sustentáveis.

Um parque no hipódromo

Folha de S. Paulo

Cabe debater se Jockey Club de SP, em embate com prefeitura, pode virar área de lazer; região carece de espaços públicos

Um dos símbolos da elite paulistana no século 20, o Jockey Club de São Paulo já foi palco de bailes e eventos de gala e até hoje é referência no turfe nacional, mas há anos convive com o desinteresse do público por corridas de cavalo, ameaças de desapropriação e cobrança de dívidas que, segundo a prefeitura, ultrapassam os R$ 860 milhões.

Instalado em uma área de 619 mil m² (ou quase 87 campos de futebol) na Cidade Jardim, um dos bairros mais valorizados da capital paulista, o hipódromo é uma entidade associativa privada. A inadimplência aventada pela gestão Ricardo Nunes (MDB), sobretudo com IPTU e também ISS, teria motivado a prefeitura a tomar o terreno para fins coletivos.

Nunes tem a intenção de criar um parque no local, além de um centro de equinoterapia. Mas o páreo, neste caso, é duríssimo.

A administração diz que move quase 500 ações judiciais para cobrar as dívidas e, numa ofensiva conjunta com a Câmara Municipal, chegou a sancionar uma lei que proíbe corridas de cavalos com apostas na cidade —suspensa por liminar e declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça. O objetivo final, por óbvio, era sufocar a atividade-fim do clube.

Um projeto no Legislativo prevê incorporar o Jockey ao patrimônio do município. Na revisão do Plano Diretor, a Câmara já havia aprovado a inclusão do imóvel entre os 186 parques propostos para São Paulo, o que facilita declará-lo de utilidade pública.

Contudo o hipódromo refuta o passivo, que estaria superestimado, e também cobra R$ 340 milhões pela transferência ao poder público, em 2011, de um outro terreno em bairro próximo.

O imbróglio vai além. A Procuradoria-Geral do Município, órgão sob o comando da prefeitura, avaliou a área em R$ 95 milhões. Sócios, no entanto, afirmam que o cálculo é ínfimo diante do valor venal (R$ 1,1 bilhão).

O Jockey diz ainda que a desapropriação serve a "interesses escusos" —uma referência à possível especulação imobiliária, já que o mercado se beneficiaria com a criação de um parque. A diretoria do clube propõe uma parceria público-privada para criar o espaço, mas preservando a área do turfe e outras dependências.

Discrepâncias à parte, o fato é que os paulistanos e sua cidade anseiam por oásis verdes, seja para lazer, seja para amenizar os efeitos da mudança climática.

A cobertura vegetal em São Paulo é extremamente desigual entre seus distritos: 46 dos 96 têm menos de 20%, o que cria ilhas de calor, afeta a qualidade do ar e aumenta o risco de enchentes e deslizamentos de terra.

A região do Jockey é carente de espaços de convivência e enfrenta certa degradação no entorno; uma solução acordada entre as partes poderia aproveitar melhor uma área hoje subutilizada.

Se parece ilusão crer que novos parques na metrópole chegarão a galope, que ao menos haja avanços no entendimento, tendo como norte principal a qualidade de vida dos paulistanos.

Dúvidas em torno da saída política para o IOF

Folha de S. Paulo

É positivo que governo e Congresso discutam déficit fiscal; mais incerto é se haverá medidas de impacto perto da eleição

Dois motivos principais explicam a elevação atabalhoada do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que há duas semanas reabriu o debate político em torno do rombo das contas públicas.

Primeiro, tratou-se de mais uma entre muitas tentativas de adiar, por meio de paliativos, a inevitável correção do rumo que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu à política orçamentária. Segundo, foi escolhido um tributo regulatório, que nessa condição pode ser majorado por decreto presidencial, para contornar a resistência do Congresso Nacional a novos aumentos da carga tributária.

A manobra canhestra não prosperou devido à péssima repercussão no mercado, entre analistas e no mundo partidário —o Legislativo indicou que derrubaria a medida. Ao menos esta última parte do problema começou a ser enfrentada pelo Planalto.

Nesta terça-feira (3), o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, anunciou pela manhã que, para o lugar do IOF, haveria um pacote de ajuste das finanças públicas, incluindo até uma proposta de emenda constitucional. Criou-se a expectativa de um detalhamento à tarde, após conversas com Lula e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado.

Não foi o que aconteceu, porém. Haddad informou que as medidas somente serão conhecidas nos próximos dias, depois de consulta aos líderes dos partidos. "Estamos tendo esse cuidado todo porque nós dependemos dos votos do Congresso."

Se é um progresso que os dois Poderes estejam agora envolvidos na busca de uma saída, ainda é incerto se algo mais consistente que a alta do IOF resultará do entendimento. Saídas virtuosas passam pela contenção de gastos e, idealmente, não de modo emergencial, mas duradouro.

Os erros principais —e óbvios— a serem enfrentados foram cometidos logo no primeiro ano do terceiro mandato de Lula, quando recriaram-se regras de expansão contínua e obrigatória de despesas, incompatíveis com os limites estabelecidos pela própria administração petista em seu chamado arcabouço fiscal.

Desembolsos com Previdência Socialsaúde e educação avançam em ritmo equivalente ou superior ao das receitas, o que comprime o espaço dos demais setores a ponto de estar previsto um apagão da máquina federal em 2027. Deputados e senadores resistem a ajustes para não haver redução de suas emendas ao Orçamento.

A pouco mais de um ano das eleições, é difícil imaginar que o debate de temas tão sensíveis vá prosperar. O melhor momento, infelizmente, já foi desperdiçado.

Em julgamento, a liberdade de expressão

O Estado de S. Paulo

Mais do que julgar a suposta inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, o Supremo irá redefinir a partir de hoje os limites de um direito fundamental dos brasileiros

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma hoje o julgamento de dois recursos extraordinários que tratam da suposta inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Esse é o dispositivo legal que fixa critérios para que as empresas de tecnologia possam ser civilmente responsabilizadas por conteúdos publicados por terceiros em suas plataformas, notadamente as redes sociais. O reinício do julgamento é ocasião para este jornal reafirmar seu entendimento de que o artigo 19 é plenamente constitucional. Não há uma vírgula em sua redação que não esteja coadunada com a Constituição – nem tampouco com o Código Penal.

Mas, a título de argumentação, digamos que o referido dispositivo fosse, de fato, inconstitucional. Ora, bastaria ao STF dizê-lo e deixar a cargo do Congresso a análise sobre a pertinência de reescrevê-lo, se o Legislativo achar que é o caso. Porém, não é isso o que parece estar em vias de acontecer, a julgar pelas palavras do ministro decano da Corte. Em Paris, Gilmar Mendes afirmou que a decisão que o STF vier a tomar pode ser “um esboço de regulação da mídia social” no Brasil. A ser assim, o STF usurpará uma competência do Congresso, redefinindo, na prática, os limites da liberdade de expressão no País.

O espírito que anima a Corte nesse julgamento não é nada bom, muito ao contrário: há uma nítida inclinação para a censura, ainda que o mal venha disfarçado sob o manto iluminista da purgação do debate público online por meio do combate ao que alguns ministros entendem por “fake news” e “discursos de ódio”.

Em grande medida, a despeito de jamais ter sido um direito absoluto, a liberdade de expressão está sob risco de ser cerceada no País porque o STF está debruçado sobre esse julgamento com base em duas falsas premissas. A primeira e mais gritante delas é a suposta “omissão” do Congresso para “atualizar” o Marco Civil da Internet, restando à Corte, uma vez provocada, preencher esse vácuo institucional. Não é assim que funciona uma república baseada na tripartição dos Poderes. O Congresso não se omitiu. Pouco tempo atrás, o Projeto de Lei (PL) da regulamentação das chamadas big techs, incorretamente designado como “PL das Fake News”, estava prestes a ser votado, mas foi retirado de pauta por decisão da maioria dos líderes partidários em razão da falta de consenso para votar a matéria em plenário – uma decisão, diga-se, rigorosamente legítima.

A segunda falácia é a suposta transformação da internet numa “terra sem lei”, um espaço no qual os cidadãos estariam livres para cometer toda sorte de crimes sob o beneplácito das big techs, interessadas que são em disseminar conteúdos que geram tráfego, não necessariamente lícitos, em busca de visualizações, engajamento, publicidade e dinheiro – muito dinheiro. Ora, é evidente que o ânimo dessas empresas é o lucro, e não o desejo de se firmarem como vestais do debate público na ágora moderna.

Também é fato que o Marco Civil da Internet pode ser revisitado, até para obrigar as empresas de tecnologia a serem transparentes no que diz respeito à arquitetura de seus algoritmos e de seus modelos de remuneração. Mas é simplesmente mentiroso afirmar que, a não ser por meio dessa intervenção antirrepublicana do STF, os usuários e as empresas permanecerão isentos de quaisquer responsabilidades – inclusive penal, no caso dos cidadãos – por conteúdos criminosos que circulam nas redes sociais.

Por seu equilíbrio, fruto de um longo e profícuo debate no Congresso, o modelo brasileiro de responsabilização civil das big techs, mas não só, é tido como um paradigma internacional. Para Tim Berners-Lee, ninguém menos do que o criador da internet como a conhecemos, o Marco Civil brasileiro foi aprovado como o prenúncio de “uma nova era” ao respeitar o espírito de liberdade que o inspirou e, ao mesmo tempo, garantir que o ambiente digital não se tornasse uma área livre para a prática de crimes.

Ao pretender substituir o Legislativo na definição do que pode ou não circular pelas redes sociais, o STF não apenas abastarda seu papel institucional, como ameaça criar um perigoso precedente: o de que direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, podem ser relativizados por interpretações e interesses circunstanciais de uma maioria de togados.

Poder de polícia a torto e a direto

O Estado de S. Paulo

Senadores aprovam PEC que inclui até agentes de trânsito no sistema de segurança pública, sem discutir treinamento adequado e respeito às competências dos demais policiais

O Estatuto Social da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), em seu artigo 3.º, é bastante claro: a finalidade da empresa é organizar o sistema viário em suas diversas necessidades, desde o planejamento até sua exploração econômica, passando por fiscalização e educação. Em nenhuma linha ali ou em qualquer lugar está escrito que os agentes da CET podem exercer poder de polícia.

Mas isso não é mais um problema. O Senado, no embalo da aflição popular em relação à segurança pública, acaba de aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para incluir as guardas municipais e os agentes de trânsito no sistema de segurança pública. Se o texto passar na Câmara, os guardas municipais e os agentes de trânsito entrarão na lista dos integrantes das corporações responsáveis pela “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

Eis aí a solução do Congresso para resolver o problema da sensação de insegurança nas grandes cidades: distribuir poder de polícia a torto e a direito. É evidente que este jornal não se opõe, de maneira nenhuma, ao aumento da capacidade do Estado de policiar. Mas não se pode promover esse aumento de maneira indiscriminada, sem levar em conta necessidades óbvias como treinamento adequado e demarcação clara de competências.

Isso demandará formação teórica, respeito ao protocolos, uso de câmeras corporais, capacidade de diálogo e atuação conjunta com outras corporações, de modo a não haver embates como ocorrem entre polícias civis e militares, além de forte controle externo, por meio da supervisão do Ministério Público, de corregedorias atuantes e de ouvidorias independentes. Sem isso, o que teremos é um grande número de agentes do Estado autorizados a exercer o poder de polícia sem qualquer preparo técnico para isso e sem definição de limites de atuação, o que acarreta evidentes riscos para a sociedade.

A confusão já havia ganhado escala com a decisão do Supremo Tribunal Federal de dar às guardas municipais a possibilidade de atuar no policiamento ostensivo, o que não estava previsto na Constituição, que atribuía essa função à Polícia Militar, sob o comando dos governos estaduais. Às guardas municipais cabia apenas proteger os bens, serviços e instalações municipais. E o Congresso está prestes a ampliar esse ruído constitucional.

O relator da PEC, senador Efraim Filho (União Brasil-PB), comemorou o avanço da pauta. Num vídeo em que aparece ao lado de agentes de trânsito uniformizados, ele declara que agora esses agentes poderão “praticar um policiamento ostensivo”: “Ali, no momento em que estão naquela via, controlando e fiscalizando o trânsito, (vão) poder atuar num flagrante de roubo, de furto, em uma tentativa de sequestro, um estupro”.

Como disse ao Estadão a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, “o que pauta o debate no Brasil sobre a segurança pública”, infelizmente, “é uma luta corporativista por ampliação de atribuição: todo mundo quer ser polícia” – entre outras razões, porque “ser polícia” dá acesso aos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública.

O desfecho no Senado podia ter sido até pior. Os senadores rejeitaram uma emenda que incluía o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) entre os órgãos de segurança pública. O argumento é de que criaria conflito de competência com a Polícia Rodoviária Federal. Mas não será surpresa se, na subsequente tramitação da matéria, alguma aberração como essa for aprovada.

Trata-se de um evidente empobrecimento do debate sobre segurança pública. Não faz muito tempo, o governo entregou à Câmara uma PEC para tratar do tema, e as discussões mal começaram. Essa PEC até inclui as guardas municipais no sistema de segurança pública, mas não os agentes de trânsito, e seu foco é o combate ao crime organizado – esse, sim, o cerne do problema da segurança pública no País.

Parceria necessária

O Estado de S. Paulo

Doação milionária à USP é um exemplo a ser seguido por mais empresas no Brasil

Presidente dos Conselhos de Administração da Cosan e da Comgás, o empresário Rubens Ometto acaba de intermediar uma doação de R$ 19 milhões das duas empresas à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

Os recursos serão utilizados na revitalização de um dos prédios da Poli, como é conhecida a unidade de ensino de Engenharia da USP, e também na construção de um novo prédio que conectará os quatro blocos do Departamento de Engenharia de Produção.

Ex-aluno da instituição, Ometto explicou que a doação é uma retribuição à Poli, uma das “grandes responsáveis por tudo o que realizei na minha vida”.

O empresário entende ainda que, quando o setor produtivo investe em formação, investe na sustentabilidade de negócios, o que é essencial para impulsionar a inovação e manter a competitividade de empresas em setores estratégicos.

Doações do setor privado a centros de ensino são uma prática bastante disseminada no Hemisfério Norte. Universidades mundialmente conhecidas pela excelência, como a norte-americana Harvard e a britânica Oxford, há muito recebem recursos de ex-alunos, empresários e corporações para manterem a qualidade educacional e o financiamento de pesquisas.

No Brasil, onde as universidades públicas de ponta lidam com sérias restrições financeiras, por anos perdurou a visão de que a injeção de recursos privados em centros de ensino seria um atentado à liberdade acadêmica.

Essa visão limitada só colaborou para que as boas e poucas universidades públicas, financiadas por todos os brasileiros, oferecessem ensino de qualidade aos mais abastados, que, mesmo que quisessem, enfrentavam grande dificuldade para contribuir financeiramente com as instituições que lhes ampliaram a visão de mundo e as possibilidades profissionais.

A sanção, em 2019, da Lei 13.800, que dispõe sobre constituição de fundos patrimoniais (também conhecidos como endowments) para apoio a instituições de ensino, entre outras, representou uma virada, dando impulso a iniciativas de ex-alunos, como os endowments da PUC-Rio e da Poli.

Para se ter uma ideia da importância dos fundos patrimoniais, o endowment de Harvard supera os US$ 50 bilhões, recursos que permitem que a universidade consiga resistir à cruzada obscurantista do presidente Donald Trump contra instituições de ensino superior no país.

É evidente que as universidades brasileiras não são Harvard, mas tê-la como norte é um bom caminho. Para tanto, é preciso que iniciativas como as de Ometto sejam não apenas louvadas, mas replicadas por seus pares do setor empresarial, o que foi amplamente facilitado após a Lei 13.800.

Em um país que ainda amarga indicadores de aprendizagem sofríveis na educação básica e fundamental, como atestam avaliações domésticas e internacionais, nada mais justo que egressos das universidades públicas gratuitas contribuam para que elas sigam existindo.

É bom para quem doa, bom para o ensino superior e essencial para que sobrem mais recursos públicos para o ensino básico e fundamental, que deveria ser a prioridade de qualquer governo.

Os desafios da inovação

O Povo (CE)

Bem aplicadas, as novas tecnologias aumentam a produtividade e a eficiência, eliminando processos repetitivos, e ajudam na inclusão

Com o seminário Transformação Digital e Governança Interfederativa foi concluído o programa Ceará Mais Digital, cujo propósito é incentivar o uso de soluções tecnológicas inovadoras e promover maior integração entre as unidades da federação. A iniciativa é do governo do Ceará, por meio da Secretaria do Planejamento e Gestão (Seplag) e da Escola de Gestão Pública do Estado do Ceará, em parceria com a Fundação Demócrito Rocha (FDR) e apoio da Casa Azul Ventures.

Durante o evento, as startups selecionadas pelo programa apresentaram propostas inéditas para as mais diferentes áreas do serviço público, como saúde, educação, gestão de resíduos sólidos e finanças, entre outras. Três delas foram destacadas: a startup Sued-Ficha Técnica (Juazeiro do Norte), com um modelo para reduzir desperdício da merenda escolar; a Acqualog (Fortaleza), para monitorar remotamente o abastecimento de água em áreas rurais e a 4Eucation (Fortaleza), com o propósito de elevar motivação de estudantes e melhorar o desempenho de professores em sala de aula, por meio de uma plataforma "gamificada" (jogos).

Na ocasião, o titular da Seplag, Alexandre Cialdini, destacou a importância da iniciativa, por unir diferentes segmentos da sociedade, como o poder público, universidades e setor privado, em torno de um programa que vai se traduzir em avanços econômicos e sociais para a coletividade.

Para ele, o ponto fundamental é a necessidade da administração pública ficar atenta aos processos inovadores, utilizando as tecnologias digitais para melhorar os serviços oferecidos à população. Especificamente quanto ao Ceará, Cialdini disse que o estado precisa continuar como "referência nacional e internacional" em gestão pública.

De fato, bem aplicadas, as novas tecnologias aumentam a produtividade e a eficiência, eliminando processos repetitivos, e ajudam na inclusão, ao ampliarem as possibilidades de acesso a determinados serviços públicos, que pode ser feito remotamente, evitando deslocamentos. É indiscutível que as ferramentas digitais tornaram-se hoje indispensáveis. No entanto, os administradores públicos precisam ter claro que o foco continua a ser o cidadão. Ou seja, a tecnologia tem de estar a serviço das pessoas, portanto, não podem ser desculpa para a desumanização do serviço público.

Por isso, são importantes iniciativas como a desenvolvida pelo Ceará Mais Digital, que vai buscar soluções inovadoras personalizadas, como as apresentadas acima. Ao mesmo tempo, incentiva jovens empreendedores das startups a investirem em áreas fundamentais para o desenvolvimento humano, com um olhar especial para os desafios que precisam ser superados no Ceará.

 

 

 

 

 

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