Menos de um mês após ceder às pressões do Ministério da Fazenda e trocar seu presidente, a Vale anunciou ontem que entrará na construção e operação da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A mineradora entra no Consórcio Norte Energia no lugar da Gaia, do frigorífico Bertin, que desistiu por enfrentar dificuldades financeiras. A Vale compra os 9% do negócio e vai reembolsar o Bertin em R$ 5 milhões já gastos. Além disso, injetará no consórcio entre US$ 400 milhões e US$ 500 milhões. A mineradora é uma das maiores consumidoras de energia elétrica no país e, com a entrada em Belo Monte, aumentará sua geração própria de energia de 45% do que consome para 63%.
Vale entrará em Belo Monte, como queria o governo
Empresa comprará os 9% que eram do Bertin na maior obra do PAC
Ramona Ordoñez
Menos de um mês depois de decidir pela substituição de Roger Agnelli por Murilo Ferreira em sua presidência por forte pressão do governo, a Vale anunciou ontem que participará como sócia do projeto de construção e operação da usina hidrelétrica de Belo Monte - o maior projeto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e considerado prioritário pela presidente Dilma Rousseff. A mineradora entra no Consórcio Norte Energia no lugar da Gaia, pertencente ao grupo Bertin, que detinha 9% do negócio e se retirou do empreendimento em meados de fevereiro por dificuldades econômicas. A Vale pagará ao Bertin em torno de R$5 milhões por gastos iniciais feitos no projeto e capitalizará o consórcio Norte Energia com um valor entre US$400 milhões e US$500 milhões.
Apesar de a troca no comando da Vale ter sido feita por influência política - Agnelli vinha desagradando ao governo Lula desde 2008, ao passo que Ferreira tem bom trânsito em Brasília - o diretor de Marketing, Vendas e Estratégia da Vale, José Carlos Martins, disse que a decisão de participar do projeto no rio Xingu, no Pará, foi exclusivamente tomada pela companhia, para atender a seus objetivos de aumentar a geração própria de energia para seus projetos. O executivo garantiu que a decisão não sofreu qualquer influência do governo federal.
- Sempre tivemos interesse no projeto, mas na época do leilão perdemos. Agora, surgiu essa oportunidade face às dificuldades do grupo (Bertin). A decisão está absolutamente dentro da estratégia da companhia de aumentar sua geração de energia renovável e limpa para atender seus projetos. Foi uma decisão econômica, não teve nenhuma ingerência política - afirmou.
O grande interesse pela fatia do Bertin - que chegou a ter oito interessados, entre eles EBX e Gerdau - deve-se ao fato de o grupo ser autoprodutor no projeto de Belo Monte. Esta condição permite que o sócio use parte da energia produzida para consumo próprio, o que explica o interesse da Vale, responsável por mais de 4% do consumo nacional. Os 9% na usina significam uma produção de energia suficiente para abastecer 1,6 milhão de residências durante um ano - quase metade dos consumidores da Light.
Com a entrada em Belo Monte, a Vale vai aumentar sua geração própria de energia, que atualmente é de 45% do total que consome, para 63%. O diretor Financeiro da Vale, Guilherme Cavalcante, explicou que os 9% do capital que serão adquiridos pela companhia vão representar o equivalente a 400 megawatts (MW) médios da energia total de Belo Monte, que terá uma capacidade total de 11 mil MW. O executivo explicou que a participação da Vale representa um investimento da ordem de R$2,3 bilhões. Todo o projeto tem custo estimado em R$25,8 bilhões - cerca de 75% serão financiados pelo BNDES.
- A participação da Vale em Belo Monte vai reafirmar o compromisso da companhia de diversificar seus investimentos, e vai garantir o fornecimento de energia para seus projetos. E o investimento tem retorno financeiro - destacou Cavalcante.
A entrada efetiva da Vale no empreendimento será concluída com o fechamento do acordo de acionistas com os demais participantes do Consórcio Norte Energia. O Bertin formou com a Chesf e a Andrade Gutierrez o pelotão de frente do consórcio montado pelo Palácio do Planalto que venceu, em abril de 2010, o leilão de Belo Monte. A usina ainda espera a Licença de Instalação (LI) do Ibama para iniciar as obras da maior hidrelétrica brasileira. A previsão é que o documento, maior preocupação do consórcio e principal entrave ao empreendimento, saia em maio, segundo o diretor de Relações Institucionais da Norte Energia, João Pimentel. A expectativa inicial era fim de abril. Boa parte da demora deve-se a condicionantes ligadas às comunidades indígenas. Segundo Pimentel, a Funai fez ainda mais exigências após o posicionamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, que solicitou ao Brasil a suspensão da construção da usina, tendo como base uma petição de cerca de 40 entidades que afirmam, entre outras coisas, que os indígenas não foram ouvidos.
Em 25 de fevereiro, em meio a especulações sobre a queda de Agnelli, a entrada da mineradora já era tida como uma possibilidade e considerada como tábua de salvação do executivo, já que a obra é prioritária para Dilma. Os problemas de Agnelli com o governo se intensificaram em 2008, quando a Vale anunciou a encomenda de 12 navios à China, por US$1,6 bilhão, num momento em que o governo trabalhava para o renascimento da indústria naval no país. Em dezembro do mesmo ano, no auge da crise financeira global, a Vale demitiu 1.300 empregados. O governo sequer foi notificado disso antecipadamente. Depois disso, ele fez mudanças no plano de investimentos da mineradora, dando prioridade, por exemplo, à construção de uma siderúrgica no Pará. Mas a medida foi considerada tímida. Também irritou o PT ao criticar publicamente a pressão por seu cargo, em pleno segundo turno da campanha presidencial.
Já a indicação de Ferreira, um ex-diretor da Vale e que assumirá o cargo em 22 de maio, agradou. De perfil técnico e com trânsito no governo, o executivo é visto com bons olhos por investidores e pelos acionistas privados, dos quais se aproximou ao longo dos 11 anos em que trabalhou na empresa. Também tem simpatia do governo, especialmente de Dilma, com quem teve contato direto quando ela era ministra de Minas e Energia.
FONTE: O GLOBO
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