- O Globo
O governo entregou a Capes a um defensor do criacionismo. Depois de amargar o corte de bolsas de estudo, a fundação terá um chefe em conflito com Darwin
A marcha do atraso ganhou outro reforço de peso. Na sexta-feira, o governo nomeou o novo presidente da Capes. O escolhido é o professor Benedito Guimarães Aguiar Neto, que defende o ensino do criacionismo como “contraponto” à teoria da evolução.
Ligada ao Ministério da Educação, a Capes concede bolsas de pesquisa, avalia os cursos de pós-graduação e incentiva a formação de professores do ensino básico. Criada para preparar o futuro, terá um chefe em conflito com Charles Darwin, que explicou a origem das espécies há 160 anos.
Evangélico, o professor Benedito se diz adepto da teoria do design inteligente. Trata-se de uma roupagem contemporânea da crença de que Eva foi criada a partir da costela de Adão.
“Não vejo problema em discutir essas ideias em aulas de religião ou filosofia. O que não faz sentido é misturar uma crença religiosa com o ensino de ciências”, afirma Sandro de Souza, professor do Instituto do Cérebro da UFRN. “Temos que respeitar a fé, mas não podemos aceitar a negação da ciência. Isso é quase tão absurdo quanto acreditar que a Terra é plana”, acrescenta o biólogo, que tem doutorado na USP e pós-doutorado em Harvard.
A cruzada pelo criacionismo une políticos brasileiros de diversas tendências. Nos anos 2000, foi liderada pelo casal Garotinho. A governadora Rosinha chegou a autorizar o ensino da crença nas escolas estaduais do Rio de Janeiro.
A bandeira também foi empunhada por Marina Silva, para desgosto de cientistas que apoiam sua luta pela Amazônia. Agora a porta-voz é a ministra Damares Alves. Antes de aterrissar na Esplanada, a pastora disse que “chegou o momento” de as igrejas evangélicas governarem o país.
O criacionismo faz parte do manual da alt-right, a direita amalucada que ascendeu com a eleição de Donald Trump. “É um movimento político. Os brasileiros usam os mesmos argumentos dos americanos, só que traduzidos para o português”, diz Sérgio de Souza.
O biólogo considera “lamentável” que um adepto da crença chegue ao comando da Capes. “É muito preocupante. Temos que ficar atentos para que as opiniões pessoais dele não influenciem a formação dos professores”, diz.
O surto obscurantista não é o único fantasma a assombrar a Capes. O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira, lembra que a fundação passa por um grave aperto financeiro. Seu orçamento despencou de R$ 4,2 bilhões em 2019 para R$ 3 bilhões em 2020.
“No ano passado, o sistema científico perdeu mais de 12 mil bolsas. A área econômica do governo parece não perceber a importância da pesquisa para o desenvolvimento do país”, diz o professor do Instituto de Física da UFRJ. “Estamos vivendo um momento crítico, com milhares de jovens indo embora do Brasil”, alerta.
A SBPC tem se desdobrado para enfrentar os múltiplos retrocessos que vêm de Brasília. Na quinta-feira, a entidade pediu ao ministro Abraham Weintraub que revogue uma portaria editada no último dia do ano. Sem alarde, a medida limitou a participação de pesquisadores e professores brasileiros em congressos científicos fora do país. “É mais uma ameaça à autonomia das universidades”, protesta Moreira.
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